Foto: PVAraujo/Flora-On Madeira/Flora-On Açores
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O que procurar no Outono: o dragoeiro

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Carine Azevedo apresenta-nos esta espécie nativa da Madeira e dos Açores, que encontramos também em muitos jardins do continente, considerada uma das plantas mais originais e interessantes do mundo.

Muitas plantas chamam a atenção pela sua altura, diâmetro do tronco, tamanho da copa, pela sua forma ou longevidade. O dragoeiro (Dracaena draco) soma todas estas particularidades e muito mais. 

É um fóssil vivo que se destaca pelo seu aspecto invulgar e exótico, com uma copa em forma de guarda-chuva fractal. A sua seiva, em contacto com o ar, oxida e forma uma resina de tom vermelho-vivo conhecida como sangue de dragão – uma cor inesperada numa planta, que a tem envolvido em misticismo até à atualidade.

Foto: Frank Vincentz/Wiki Commons

O dragoeiro é uma espécie em grande perigo no meio natural, nativa dos arquipélagos da Madeira, Açores, Ilhas Canárias, Cabo Verde e sudoeste de Marrocos.

Embora não seja nativa de Portugal continental, esta espécie é muito comum em parques e jardins nesta parte do país, existindo aí alguns exemplares emblemáticos. Um destes tem mais de 400 anos de idade.

Asparagaceae 

O dragoeiro, também conhecido como sangue-de-dragão, é uma espécie da família Asparagaceae, que compreende cerca de 118 géneros e pouco mais de 3100 espécies.

Esta família, extremamente diversificada, encontra-se distribuída em quase todo o mundo. Inclui muitas espécies com elevado valor económico, como o espargo (Asparagus officinalis) – bastante apreciado, particularmente nas cozinhas francesa, inglesa e alemã – e os agaves: o agave-azul (Agave tequilana), usado para a produção de tequila, e o sisal (Agave sisalana), amplamente cultivado para a produção desta fibra natural.

Muitas outras espécies desta família são reconhecidas pelo seu potencial ornamental, das quais se destacam algumas das mais utilizadas em jardins: as iucas (Yucca spp.), a relva-de-sombra (Ophiopogon japonicus), as dracenas (Dracaena spp.), a nolina (Beucarnea recurvata), o aspargo-pluma (Asparagus densiflorus) e o clorófito (Chlorophytum comosum).

Em Portugal continental, há registo de pouco mais de três dezenas de espécies nativas distribuídas por 13 géneros botânicos, algumas das quais bem conhecidas, nomeadamente pelo seu interesse ornamental: a gilbardeira (Ruscus aculeatus), a cila (Scilla monophyllos), a cebola-albarrã (Drimia maritima) e o selo-de-salomão (Polygonatum odoratum), o muscari (Muscari neglectum), entre outras.

Cebo-albarrã. Foto: Zeynel Cebeci/Wiki Commons

No Arquipélago da Madeira há registo de cinco espécies nativas, distribuídas por três géneros botânicos, algumas das quais endémicas da região: o Asparagus nesiotes subsp. nesiotes, o Asparagus umbellatus subsp. lowei e o Ruscus streptophyllus.

Nos Açores há apenas registo do dragoeiro (Dracaena draco subsp. draco).

Dragoeiro

O dragoeiro é uma planta perene, de aparência arbórea, que apresenta um caule robusto, suculento e fibroso, e pode atingir até 15 metros de altura e cinco ou mais metros de diâmetro de circunferência. A casca é castanho-prateada e lisa, tornando-se rugosa com a idade, por vezes com listras horizontais e avermelhadas.

Esta planta tem um crescimento lento, podendo levar uma década para crescer apenas um metro de altura. Além disso, o seu caule cilíndrico ramifica-se por dicotomia, ou seja, o crescimento é feito por uma única célula apical que bifurca dando origem a dois ramos apicais, que a seu tempo se voltam a dividir repetidamente. Este processo ocorre apenas após a floração, aproximadamente a cada quinze anos. 

Foto: PVAraujo/Flora On Madeira/Flora-On Açores

Devido a esse intervalo de tempo, os exemplares mais jovens apresentarem-se escassamente ramificados, muitas vezes constituídos apenas por uma roseta terminal de folhas, no topo do caule. Já os exemplares mais antigos formam uma coroa densa de ramos e de folhas, originando uma copa com a configuração de um chapéu-de-chuva.

As folhas do dragoeiro são coriáceas, embora flexíveis e pontiagudas. São lanceoladas, com cerca de 60 centímetros de comprimento, verde-acinzentadas e surgem agrupadas nas extremidades dos ramos.

Quanto às flores, ocorrem no verão, entre julho e agosto, em grandes inflorescências cónicas que têm cerca de um metro de comprimento, crescendo a partir das pontas dos ramos. As inflorescências são constituídas por muitas flores pequenas, hermafroditas, actinomórficas, branco-esverdeadas, com seis tépalas e com uma fragrância característica.

A primeira floração ocorre por volta do décimo ano de idade, e as restantes seguem em intervalos de 10 a 20 anos.

Foto: PVAraujo/Flora-On Madeira/Flora-On Açores

JÁ os frutos são redondos, geralmente monospérmicos e com um diâmetro de cerca de 15 milímetros, de cor vermelho-alaranjada e uma textura carnuda. As sementes são pequenas e globosas, quase perfeitamente esféricas, muito duras, de cor esbranquiçada a nacarada.

Nativa de Portugal

O dragoeiro ocorre nas montanhas do Atlas, no sudoeste de Marrocos e na região da Macaronésia, nomeadamente nos arquipélagos da Madeira, Açores, Ilhas Canárias e Cabo Verde. 

A origem das populações existentes no arquipélago dos Açores é incerta. Alguns autores referem que a espécie não é nativa da região, sendo a sua presença provavelmente resultado da introdução precoce a partir de sementes da Madeira, ou mesmo das Ilhas Canárias e de Cabo Verde. No entanto, os mesmos autores apontam para a possível existência de subpopulações naturais nos Açores, nas ilhas de São Jorge e Flores.

Dragoeiro em Santo Antão, Cabo Verde. Foto: Christian Pirkl/Wiki Commons
Núcleo dos Dragoeiros, Funchal, ilha da Madeira. Foto: Paulo SP/Wiki Commons

Esta espécie, embora não seja nativa em território continental, é classificada como uma espécie nativa de Portugal devido à sua ocorrência natural nas ilhas da Madeira e dos Açores.

É uma planta adaptada às condições climáticas tropicais, subtropicais e temperados suaves. Tem preferência por locais com plena exposição solar, embora tolere a sombra parcial. A nível edáfico requer solos secos, férteis, arejados e bem drenados. 

Por outro lado, é tolerante aos ventos, a longos períodos de seca e a solos salgados, sendo por isso uma boa escolha para áreas costeiras. No entanto, não suporta temperaturas abaixo dos -4ºC e solos encharcados, pois as suas raízes não suportam permanecer molhadas, o que pode levar à sua morte.

Uma planta original

O dragoeiro é uma das plantas mais originais e interessantes do mundo. A aparência extraordinária e o porte arquitetónico garantiram-lhe um lugar de destaque em qualquer espaço verde. Esta planta cria uma característica paisagem muito interessante. Além disso, é resistente e pouco exigente em manutenção.

É uma boa alternativa ornamental para jardins de pedra, jardins suculentos e jardins mediterrânicos. Também pode ser uma escolha interessante para complementar qualquer ambiente com características tropicais e para zonas costeiras.

Foto: Senhormario/Wiki Commons

O dragoeiro pode ser plantado isolado ou em pequenos núcleos em canteiros de jardim, ou pode ser mantido em vasos e aí permanecer durante muitos anos, visto possuir um crescimento muito lento.

Esta planta foi vencedora do prestigiado Award of Garden Merit da Royal Horticultural Society, uma distinção que se destina a ajudar os jardineiros a escolher plantas que melhor se adequam a determinadas condições específicas, tendo por base um conjunto de critérios, nomeadamente a sua razoável resistência a pragas e doenças, boa constituição, estabilidade na forma e cor, entre outros.

Sangue-de-Dragão

O dragoeiro possui uma seiva transparente que quando exposta ao ar oxida, ficando com uma cor bem vermelha, sendo daí que surge o nome científico desta planta.

O termo genérico Dracaena deriva do grego drákaina = “dragão feminino”, pelo extrato vermelho extraído quando é feita uma incisão na casca ou quando é arrancada uma folha. Esta seiva vermelha é conhecida como sangue de dragão.

O epíteto específico draco vem de draconis (em grego drákon) = “dragão”, de reforço às características inerentes ao género.

Alguns autores apontam para a possibilidade de o nome desta espécie estar associado a Francis Drake (c.1540-1596), navegador e pirata inglês conhecido pelos seus inimigos espanhóis como “O Draco”.

Embora atualmente não seja muito utilizado como planta medicinal, no passado o sangue-de-dragão foi considerado um remédio para todos os males, sendo empregue para tratar problemas gastrointestinais, respiratórios, problemas da boca, feridas internas e externas, problemas de pele, entre outros. Foi amplamente vendido na Europa com o nome de sanguis draconis e atingiu preços elevados. Esta substância é ainda hoje utilizada na medicina chinesa.

A seiva do dragoeiro também tem sido amplamente empregue para a produção de corantes em tinturaria. Um dos usos mais reconhecidos da sua seiva é na produção de vernizes usados para revestir violinos, tais como os violinos stradivarius e outras madeiras finas.

Dragoeiros emblemáticos de Portugal e do mundo

Devido ao reduzido número de indivíduos existentes na natureza, esta espécies foi inserida na Lista Vermelha da Internacional Union for Conservation of Nature (IUCN), que a classifica globalmente como “Vulnerável”, em resultado da área restrita de ocupação, da fragmentação severa e do declínio contínuo da qualidade e da área de habitat.

No Arquipélago da Madeira, por exemplo, está quase extinta na natureza, e na Gran Canária desapareceu dos habitats naturais nos últimos anos.

Foto: Petteri Sulonen/Wiki Commons

A espécie está também incluída no Anexo IV da Diretiva Habitats.

Além dos dragoeiros em ambiente natural, existem alguns espécimes plantados que possuem características ímpares. Em Portugal, por exemplo, o destaque vai para o exemplar existente no Jardim Botânico da Ajuda. Segundo os registos, este espécime terá sido transplantado em 1768 e possuiria já porte adulto. É o exemplar mais antigo de Portugal, e é um dos exemplares mais antigos do mundo

Chegou a atingir os 23 metros de diâmetro do caule (medido a 1,30 metros), tornando-se um dos maiores exemplares do país. No entanto, no início da década de 2000 parte dos seus ramos partiram e outros apodreceram, tendo sido necessário ancorar os restantes de forma a manter a planta. 

Dragoeiro no Jardim Botânico da Ajuda. Foto: GualdimG/Wiki Commons

O dragoeiro mais antigo do mundo encontra-se em Tenerife, em Icod de los Vinos, Ilhas Canárias. É conhecido como El Drago Milenario, terá mais de 900 anos e será também recordista, tanto em altura (17,40 metros, em 2020) como em diâmetro do caule (17,44 metros, em 2015).

Se esta espécie o deixou curioso, quer pela sua longevidade, imponência ou aspeto invulgar, aproveite para a procurar em qualquer jardim ou espaço verde em território continental ou aproveite uma viagem aos arquipélagos da Madeira e dos Açores para a encontrar no seu habitat natural. 

Divirta-se e dê-nos a conhecer esse momento, partilhando as suas fotografias com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Dicotomia – tipo de ramificação em que um eixo se bifurca, dando origem a dois ramos apicais, que, a seu tempo, se voltam a dividir repetidamente.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Lanceolada – com forma semelhante a uma lança.

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Actinomórfica – flor com simetria radial, ou seja, a flor pode ser dividida em várias partes iguais.

Tépala – peça floral não diferenciada em pétala ou sépala.

Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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