Perpétua-das-areias. Foto: Duarte Frade
/

O que procurar no Verão: a perpétua-das-areias

Início

As pequenas flores amarelas da perpétua-das-areias libertam um enigmático aroma a caril, conta-nos Carine Azevedo a propósito desta habitante das dunas, indissociável da praia e dos longos dias de Verão.

 

A perpétua-das-areias, também conhecida como erva-do-caril, é uma planta nativa muito vistosa que se pode encontrar em toda a costa portuguesa.

Asteraceae

A perpétua-das-areias é uma espécie da família Asteraceae, também conhecida como Compositae ou a família das compostas.

Esta família botânica, com mais de 1.670 géneros botânicos e perto de 33.000 espécies de plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas, é a mais abundante em todo o mundo.

A família Asteraceae é popularmente conhecida pelas suas várias espécies ornamentais, muito procuradas para a decoração de jardins e como flores de corte, como os malmequeres, os crisântemos, as dálias, as zínias, entre outras.

Foto: Ericsteinert/Wiki Commons

Em Portugal, é representada por cerca de 118 géneros e 376 espécies, distribuídas um pouco por todo o país, algumas bem representativas em todo o território continental, como é o caso da tripa-de-ovelha (Andryala integrifolia), da bonina (Bellis perennis), da belas-noites (Calendula arvensis), do cardo-azul (Carduus tenuiflorus), do malmequer (Chrysanthemum coronarium) e da margaça-de-inverno (Chamaemelum fuscatum).

Ao género Helichrysum, a que pertence a perpétua-das-areias, pertencem pouco mais de 550 espécies, estando este género representado em território português por duas espécies nativas: a Helichrysum italicum e a Helichrysum stoechas, duas espécies que partilham o mesmo nome comum e algumas características morfológicas, nomeadamente o porte, a folhagem e o aroma a caril, embora de habitats um pouco distintos.

Perpétua-das-areias

A perpétua-das-areias (Helichrysum italicum subsp. picardi), conhecida também como perpétuas-das-areias, erva-caril, caril-das-praias, entre outros, é uma planta perene, herbácea, de base lenhosa que forma um pequeno arbusto que pode crescer entre 30 a 40 centímetros de altura, raramente mais.

Esta planta forma tufos simétricos e assume um tom verde-prateado, devido aos densos pêlos que cobrem os seus caules e as folhas. Os caules são erectos ou ascendentes e as folhas são estreitas, lineares, macias e têm as margens revolutas, ou seja, ligeiramente enroladas.

Foto: gabrielm_bio/Biodiversity4All

Tem um período de floração muito longo, podendo iniciar-se ainda durante o inverno (fevereiro), embora seja mais intenso de maio até ao final do verão (setembro).

As flores surgem agrupadas em pequenos capítulos – a inflorescência típica das plantas desta família – heterogâmicos, isto é, as flores marginais do disco são femininas, e as do disco são hermafroditas, reunindo-se por sua vez em corimbos compostos, densos e terminais. As flores são todas tubulares, amarelo-dourado e perfumadas, embora as flores internas sejam ligeiramente maiores que as externas.

As flores, assim como toda a planta, libertam um aroma forte, doce e azedo, inconfundível, que lembra o caril.
O fruto é uma cipsela não glandulosa, glabra, castanha, revestida de um papilho de pêlos ásperos.

Uma planta das dunas

São várias as subespécies de Helichrysum italicum que ocorrem nas áreas costeiras do Mediterrâneo. Em Portugal, a subespécie mais frequente é a Helichrysum italicum subsp. picardi, que também ocorre em Espanha e em Marrocos.
Esta planta ocorre principalmente em habitats junto ao litoral, ao longo de toda a costa, em solos arenosos, preferencialmente em espaços rochosos, em matos baixos psamófilos em dunas em processo de estabilização ou paleodunas, mas também no sob coberto de pinhais.

A perpétua-das-areias tem preferência por locais bem expostos ao solo e por solos bem drenados e secos.
É uma planta rústica, adaptável às piores condições de aridez, muito resistente à seca, às altas temperaturas e até ao vento.

Foto: Carlos Pizcueta Suárez/Biodiversity4All

É tolerante a temperaturas negativas, até -10ºC, e não necessita de solos férteis, pois pode crescer em ambientes rochosos, em substratos pobres, como baixa percentagem de matéria-orgânica e nutrientes.

No entanto, esta planta não suporta situações de má drenagem do solo. O seu sistema radicular é muito sensível ao excesso de água no solo. Por outro lado, é sensível ao oídio, logo deve evitar-se molhar as suas folhas.

Esta planta aprecia uma poda severa no final do verão, após a floração, para manter rebentos jovens e vigorosos.
As suas flores atraem inúmeros insectos polinizadores. A polinização é entomófila, realizada por abelhas e outros insetos polinizadores, como vespas, moscas, formigas e outras espécies animais.

Esta planta também é muito apreciada por várias espécies de borboletas e traças, sendo uma planta hospedeira ou mesmo fonte de alimento de algumas espécies, como é o exemplo da Eublemma candidana e da Eublemma ostrina, cujas larvas e lagartas se alimentam desta planta e de outras do género.

Borboleta Eublemma ostrina. Foto: jacinta lluch valero/Wiki Commons

Planta versátil

A perpétua-das-areias, planta típica das dunas, é muito versátil, sendo muito apreciada como ornamental, aromática e medicinal.

Esta planta aromática, de folhagem e flores muito vistosas, aliada a um período de floração longo, que se mantém em flor durante todo o verão, é uma alternativa ornamental muito interessante para qualquer jardim ou espaço verde público ou privado. É uma excelente alternativa para a criação de jardins aromáticos e jardins de pedras, em combinação com outras espécies ou isolada em canteiros ou simplesmente para manter em vasos e floreiras.

Para além disso, é um excelente repelente natural, sendo também uma boa solução para plantar em hortas e outros espaços, para afastar pragas indesejadas.

O nome comum “perpétua-das-areias” deve-se ao facto das suas flores, mesmo depois de secas, se manterem amarelas por muito tempo. Esta característica permite que estas sejam muito procuradas e utilizadas em arranjos florais de flores secas ou em misturas para “pot-pourri” para perfumar ambientes e armários. Há também quem as designe de “imortais”.

Foto: Duarte Frade

Na culinária, as folhas desta planta são usadas para aromatizar saladas, vegetais, sopas, molhos, pratos de arroz, estufados, pratos de peixe ou carne. As flores podem ser utilizadas em saladas de frutas ou para dar um toque exótico às bebidas quentes, em chás de ervas, ou em refrescos aromáticos e sangrias.

Em fitoterapia, é reconhecida pelas suas propriedades medicinais, tais como antialérgica, anti-inflamatória, antifúngica, antibacteriana, expectorante e cicatrizante. É reconhecida a sua utilização no tratamento de lesões musculares, urticária, queimaduras solares, herpes, psoríase e eczema. Também atua no tratamento de processos inflamatórios, causados pela dilatação das artérias e favorece a circulação sanguínea, sobretudo quando os pés e as mãos estão particularmente frios.

Esta planta, de fragrância intensa devido aos óleos essenciais que possui, é usada na indústria cosmética em diversos produtos, nomeadamente em cremes antirrugas e em perfumes.

A erva-do-caril e o caril

O nome genérico desta espécie, Helichrysum, deriva da combinação de dois termos gregos: Helios – que significa sol -e chrysos – que significa ouro, em alusão à cor dourada das inflorescências e muito provavelmente às condições de grande luminosidade apreciadas por estas plantas. O termo italicum = Itália, provavelmente em alusão ao local onde a espécie terá sido identificada pela primeira vez. A subespécie Picardi surge em honra ao médico e botânico francês Casimir Picardi, que herborizou a planta em Espanha.

Basta tocar ligeiramente nesta planta para lhe reconhecer de imediato o aroma a caril. No entanto, esta planta nada tem a ver com o caril que se usa na cozinha.

O caril não é uma especiaria específica, mas antes uma mistura de ervas-aromáticas e de especiarias, entre elas: o cardamomo, o cominho, o gengibre, a pimenta, o coentro, a noz-moscada, o cravinho, a canela, a pimenta-da-jamaica, o açafrão-da-índia, entre outras.

Se utilizarmos as folhas de erva-do-caril iremos obter um sabor mais suave que o caril feito desta mistura de ervas e especiarias, mas não a cor amarela típica desta mistura. Para dar cor, pode-se usar o açafrão-da-índia, especiaria que quando esmagada é responsável pela cor amarela dos pratos confeccionados com esta mistura de especiarias.

Este é um verdadeiro enigma! Como terá o ser humano conseguido obter o aroma e sabor de uma única planta através de uma mistura de ervas e especiarias? E como é possível existir na natureza uma planta com um perfume e sabor tão próximo de uma mistura de especiarias criada pelo homem?

Seja qual for a resposta, certo é que se trata de uma planta que merece ser apreciada pelos nossos sentidos. É bonita, perfumada, suave ao toque e possui um aroma inebriante a caril.

 


Dicionário informal do mundo vegetal:

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.
Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.
Ascendente – caule que se desenvolve na posição horizontal ou quase, mas que tende a verticalizar.
Revoluta – folha que mantém as margens ligeiramente enroladas para a página inferior da mesma.
Capítulo – inflorescência globosa, achatada ou não, de flores geralmente sésseis, reunião num receptáculo comum, geralmente rodeadas por um invólucro protetor (brácteas).
Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.
Heterogâmico – capítulo cujas flores radiadas são femininas ou neutras e as do disco são hermafroditas ou masculinas.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Disco – parte central do capítulo radiado das plantas da família Asteraceae, formada pelo conjunto das flores de corola tubular.
Corola – conjunto das pétalas (peça floral, geralmente colorida ou branca), que protegem os órgãos reprodutores da planta.
Tubular – que possui a forma de um tubo muito alongado.
Corimbo – inflorescência em que as flores se elevam mais ao menos ao mesmo plano, ainda que os seus “pés” possam ter tamanhos diferentes.
Cipsela – fruto seco, indeiscente (fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes), com uma única semente (monospérmico).
Glandulosa – possui glândulas.
Glabra – sem pêlos.
Papilho – tufo de pêlos, sedas ou escamas, que coroa alguns frutos e sementes.
Paleoduna – duna consolidada, também conhecida como duna fóssil. Corresponde a um estágio do processo de evolução da areia solta, em que a duna surgiu num tempo geológico de antanho.
Polinização entomófica – realizada através da intervenção de insetos.

 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.