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O que procurar no Verão: a taboa ou tabúa

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Carine Azevedo apresenta-nos esta semana uma bonita planta aquática nativa de Portugal, que podemos encontrar em ambientes húmidos um pouco por todo o território continental.

 

As plantas aquáticas, também conhecidas como plantas hidrófilas, hidrófitas ou macrófitas aquáticas, são plantas que se adaptaram a viver em ambientes aquáticos, seja em água salgada ou água doce.

A taboa ou tabúa (Typha latifolia) é uma espécie aquática nativa fundamental nestes ecossistemas, já que estabelece a ligação entre o sistema aquático e o ambiente terrestre.

Foto: AnRo0002/Wiki Commons

É uma espécie aquática particularmente relevante, pois acarreta significativos benefícios para a fauna e flora aquática e para o ser humano. Esta espécie, bem como outras espécies aquáticas, está envolvida na produção de matéria orgânica e no ciclo de nutrientes, serve de substrato para outras espécies de flora e oferece abrigo e proteção a outros organismos aquáticos, nomeadamente anfíbios. Além disso, pode ser usada como alimento ou como matéria-prima para o homem.

As plantas aquáticas

As plantas hidrófilas possuem mecanismos específicos, e uma estrutura interna que lhes permite viver em condições particulares de submersão em água ou com uma grande quantidade de humidade no solo.

A presença de aerênquima é uma dessas adaptações. Trata-se de um tecido de reserva de ar, caracterizado por conter espaços intercelulares bastante desenvolvidos onde se acumula o ar, geralmente, um tecido mais ou menos esponjoso que auxilia a flutuação da planta. Outras características deste tipo de plantas são as folhas flutuantes e as folhas finamente dissecadas.

Grande parte destas plantas cresce e desenvolve-se em lagos, na margem de cursos de água, em zonas de água salobra – como em mangais e pântanos, entre outros – podendo manter-se dentro ou perto de água, consoante sejam emergentes, submersas ou flutuantes:

  • As plantas emergentes são aquelas que possuem parte das estruturas vegetativas imersas e parte emersa, ou seja, são plantas que se encontram enraizadas num substrato, dentro de água. Porém, as suas folhas mantêm-se fora de água. Exemplos: taboa (Typha spp.), papiro (Cyperus spp.), junco (Juncus spp.), o arroz (Oryza sativa)
  • As plantas submersas possuem estruturas vegetativas totalmente imersas, que podem estar enraizadas ou não num substrato, no leito das massas de água. São plantas que crescem totalmente debaixo de água, como é o exemplo das espécies dos géneros Egeria, Najas, Ceratophyllum e Vallisneria.
  • As plantas flutuantes podem ser fixas – enraizadas no fundo, porém com caules e folhas flutuantes – ou livres – não enraizadas, flutuando e movendo-se livremente na água. A porção submersa destas plantas é pequena, limitada, na sua maioria, ao sistema radicular. As folhas e caules possuem uma grande quantidade de aerênquima, que lhe permite flutuar. Exemplos: o nenúfar-gigante (Victoria cruziana), o nenúfar-branco (Nymphaea alba), o golfão-amarelo (Nuphar luteum subsp. luteum), a flor-de-lótus (Nelumbo nucifera), a lentilha (Lemna spp.), entre outras.

A taboa e o género Typha

O género Typha compreende cerca de 40 espécies e pertence à família Typhaceae, cuja distribuição natural é cosmopolita, ocorrendo em todos os continentes, excepto nos pólos.

Além do género Typha, esta família está ainda representada pelo género Sparganium, com cerca de vinte espécies, características de habitats aquáticos e de zonas húmidas permanentes.

Em Portugal, são seis as espécies presentes em território continental representativas desta família, das quais três são do género Typha: Typha angustifolia, a Typha domingensis e Typha latifolia, todas com características semelhantes e que partilham alguns nomes comuns: taboa, tabúa e foguetes. A distinção entre elas não é fácil.

Das três espécies nativas, a Typha latifolia, também conhecida vulgarmente como tabúa-larga, tabúa-de-espiga-negra, morrão-dos-fogueteiros ou morrião-dos-fogueteiros, é talvez a espécie mais comum em território nacional.

Foto: AnRo0002

A designação científica desta espécie está muito relacionada com as características morfológicas e com o seu habitat natural.

O nome do género Typha deriva do termo thýphe, nome grego dado ao junco, ou do termo typhos, que significa zona húmida ou pântano, em associação ao habitat da planta, uma vez que prospera bem em águas estagnadas. O epíteto específico latifolia deriva do latim latifolius, -a, -um que significa “de folha larga”, por se tratar da espécie com folhas mais largas dentro do género.

Esta é uma planta herbácea, perene, palustre (de habitats húmidos), que pode atingir até três metros de altura.

A Typha latifolia forma rizomas horizontais e subaquáticos de onde se formam diretamente as folhas e os caules aéreos, que são simples, direitos, estreitos e longos, no final dos quais surgem as flores, dispostas numa inflorescência.

As folhas são verdes, basais, lineares e planas, com cerca de um a dois centímetros de largura.

Trata-se de uma espécie monóica, ou seja as flores masculinas e femininas ocorrem na mesma planta, florescendo de maio a agosto.

As inflorescências, em forma de espiga, são formadas por milhares de pequenas flores, unissexuais e são revestidas por uma ou mais brácteas foliáceas decíduas que protegem as flores na fase inicial de formação.

As flores femininas surgem na parte inferior da espiga, geralmente mais grossa, e apresentam um tom negro-acastanhado. Já as masculinas ocorrem na parte superior e mais estreita da inflorescência e são amareladas.

O fruto é na verdade uma infrutescência de coloração avermelhada-acastanhada, formada por milhares de cipselas, resultantes da fertilização das flores.

A cipsela é um fruto seco, monospérmico, fusiforme e sulcado longitudinalmente, com cerdas longas e transparentes na extremidade deiscente, que se dispersa facilmente pelo vento quando a espiga amadurece.

Planta aquática e ornamental

A Typha latifolia é uma espécie classificada como cosmopolita, uma vez que ocorre e está amplamente distribuída por quase todos os continentes, mas ausente de forma espontânea na Oceânia e completamente inexistente nos Pólos.

Em Portugal, pode ser encontrada um pouco por todo o território continental, embora seja mais comum nas regiões do Minho, Trás-os-Montes e Beira Litoral.

Esta planta ocorre em vários locais, normalmente em ambientes húmidos, como valas, charcos, pântanos, margens de lagos e lagoas, em águas paradas ou de fluxo lento, muitas vezes formando populações puras. Também está muito presente em estuários e noutras áreas de água salobra.

A Typha latifolia é uma planta de crescimento rápido, com uma elevada capacidade de proliferação, por isso é necessário algum cuidado para evitar que ocupe o espaço para a convivência com outras plantas aquáticas.

Esta planta prefere locais com boa exposição solar ou com sombra parcial e é uma das espécies aquáticas mais resistentes e menos exigentes. Suporta uma incrível faixa de temperaturas, compreendida entre os seis e os 30 °C. Não é muito exigente a nível edáfico, crescendo tanto em solos ácidos, como em calcários, e com um teor médio de matéria orgânica. Os rizomas não sobrevivem fora de água por longos períodos, devendo manter-se sempre submersos.

Foto: BELpic/Wiki Commons

O seu aspecto característico, altamente relacionado com a paisagem húmida e as suas flores, em forma de espiga, cor de canela, inconfundíveis e vistosas, que surgem no verão, tornam-na um elemento essencial no paisagismo ornamental, sendo ideal para decorar lagos, lagoas ou margens de piscinas.

A taboa também tem outros usos, é ecologicamente importante, além de ser comestível, medicinal e artesanal.

Despoluente, comestível e muito mais

A taboa tem um papel ecológico fundamental, uma vez que tem a função de fixar o solo nas margens dos cursos de água onde se formam, evitando a erosão e o arraste de sedimentos pela corrente da água.

Além disso, é considerada uma planta despoluente, favorecendo a qualidade e estabilidade da água, já que absorve metais pesados e outros poluentes das águas e dos solos onde se desenvolvem, sendo atualmente muito utilizada em fitorremediação.

Esta planta proporciona ainda um refúgio imbatível, como zona de nidificação e zona de reprodução de aves silvestres, nomeadamente aquáticas, e zona de alimentação para muitos peixes e outros animais aquáticos que aí encontram insetos e moluscos para se alimentar.

Os registos etnobotânicos encontrados indicam que os rizomas da taboa podem ser consumidos crus ou cozidos, em saladas. Têm sabor adocicado e um teor de proteínas comparável ao milho e ao arroz, fornecendo uma abundante quantidade de amido.

Os rebentos são igualmente comestíveis, crus ou cozinhados, como substituto do palmito ou dos aspargos, e têm um sabor próximo do pepino. O pólen parece ser rico em proteínas e vitaminas e pode ser usado ao natural ou cozido, como aditivo para a farinha para fazer pão, por exemplo. Das sementes, embora muito de dimensões muito reduzidas, são torradas, aparentemente com um aroma agradável de noz e podem ser usadas em farinhas para preparar bolos ou para obtenção de óleos alimentares.

Foto: Donald Hobern/Wiki Commons

Devemos ter em atenção que, quando as plantas crescem em águas poluídas, podem acumular metais pesados e outros poluentes, logo, não devem ser consumidas.

Na medicina tradicional há o registo do uso desta planta em cataplasma para tratar queimaduras e feridas, e numa ampla gama de outros tratamentos. Esta planta possui propriedades diuréticas, adstringentes, emenagogas, hemostáticas, refrigerantes, sedativas e supurativas.

A nível artesanal, as aplicações são inúmeras, destacando-se em particular o facto das folhas poderem ser usadas em tecelagem, no fabrico de esteiras, cestaria, tapeçaria, assentos e chapéus. Além disso, podem ser usadas ​​como material de calafetagem para barris, barcos, etc., e, quando colhidas no outono, dão boa palha, usada em telhados e no revestimento de pisos e paredes, sendo por isso um bom isolamento térmico para edifícios. A inflorescência pode ser usada em arranjos florais.

Se possui uma área de terreno alagada, que julgava “perdida”, esta poderá ser a solução. Pode ser a primeira espécie nativa a instalar, para fazer crescer um pequeno lago artificial com espécies nativas aquáticas e assim ajudar a preservar o património vegetal nativo.

 


Dicionário informal do mundo vegetal:

Hidrófilas, hidrófitas ou macrófitas aquáticas – plantas que vivem parcial ou totalmente submersas em água, em ambientes variados de águas doce, salobra e salgadas, quer em águas estacionárias ou de corrente.

Aerênquima – tecido de reserva de ar, constituído por células infladas ou por grandes espaços intercelulares que formam, geralmente, um tecido mais ou menos esponjoso que auxilia a flutuação da planta.

Palustre – planta característica de ambientes húmidos, que se desenvolve, geralmente, em locais encharcados, na proximidade de lagos, tanques, etc.

Rizoma – caule subterrâneo, que cresce geralmente na horizontal, com aspeto de raiz, composto de escamas e gemas, como se de um caule aéreo se trata-se.

Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.

Monóica – espécie que apresenta flores femininas e masculinas separadamente na mesma planta.

Espiga – inflorescência indefinida simples, com as flores sésseis (que se insere diretamente pela base, sem pecíolo) inseridas, geralmente, sobre um eixo mais ou menos alongado.

Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos (carpelos) ou masculinos (estames).

Bráctea – folha modificada, localizada na base da inflorescência que a protege enquanto está fechada.

Decídua – caduca.

Infrutescência – reunião de frutos provenientes de flores dispostas em inflorescências.

Cipsela – fruto seco, indeiscente (fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes), com uma única semente (monospérmico).

Cerda – pelo longo, com uma certa rigidez.

Fitorremediação – processo de utilização de plantas para reduzir a concentração de substâncias tóxicas ou contaminantes no solo, na água ou no ar, de forma a reduzir ou até anular o efeito nocivo para o meio ambiente e para o ser humano. As plantas funcionam como agentes de purificação.

 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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