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O que procurar no Verão: o feto-pente

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Em Portugal Continental crescem cerca de 40 espécies de fetos e nos arquipélagos mais de 30. São plantas muito especiais que vivem no nosso planeta há milhões de anos. O feto-pente, que podemos encontrar nos nossos passeios, é uma delas.

O feto-pente (Blechnum spicant subsp. spicant) pertence a um grupo de plantas particularmente interessante, as pteridófitas, que engloba numerosas espécies bem conhecidas, como é o caso dos fetos, avencas, cavalinhas, entre outras.

Feto-pente. Foto: Hans Hillewaert/WikiCommons

As plantas deste grupo são plantas vasculares, com raízes, caules e folhas verdadeiras. Podem possuir porte herbáceo, arbustivo e até arbóreo. No entanto, e ao contrário das outras plantas, em vez de sementes usam os esporos para dar origem a um novo indivíduo.

Os fetos

Os fetos são plantas que vivem no nosso planeta desde há milhões de anos. O que muitos desconhecem é que são inúmeras as espécies de fetos que pudemos encontrar naturalmente nos nossos bosques e florestas.

A maioria desenvolve-se em locais sombrios e húmidos, em fendas de rochas, muros e taludes, frequentemente próximo de cursos de água. Algumas espécies podem também desenvolver-se como epífitas na copa e no tronco de árvores, geralmente sobre musgo e, por vezes, em telhados antigos.

Em Portugal Continental estão identificadas, como nativas, cerca de 40 espécies diferentes de fetos, distribuídas por 17 géneros pertencentes a quatro famílias botânicas. Nos arquipélagos da Madeira e dos Açores estão identificadas mais de 30 espécies diferentes, algumas das quais são endémicas dessas regiões.

O feto-pente

O feto-pente pertence à família Aspleniaceae, conhecida como sendo a família das avencas.

A designação científica desta espécie está muito relacionada com o grupo de plantas a que pertence.

O nome do género Blechnum deriva do nome grego Blechnon, nome que terá sido dado a um feto desconhecido e que terá sido usado para este feto com o propósito de preservar o nome. O restritivo específico spicant deriva da palavra latina spico, que significa como um pico, o nome escolhido para este feto pelos botânicos da época.

É uma planta perene rizomatosa, com um rizoma oblíquo e curto, densamente revestido de pequenas escamas lanceoladas, acuminadas e de cor castanho-escuras.

Feto-pente. Foto: GerritR/WikiCommons

As folhas dos fetos são, geralmente, denominadas de frondes.

O feto-pente possui frondes persistentes e coriáceas que podem medir entre 15 a 50 cm de comprimento. Os pecíolos são castanhos-avermelhados.

As frondes surgem dispostas em tufos e são de dois tipos: as estéreis, também designadas de trófilos e as férteis, conhecidas como esporófilos. As frondes estéreis são pequenas e formam-se a partir de uma roseta basal, espalhando-se horizontalmente. Os folíolos são oblongos a lineares e as margens ligeiramente onduladas. Estas folhas permanecem verdes durante todo o ano.

As frondes férteis são maiores e mais longas, em menor número, e formam-se no centro do tufo das frondes estéreis. Possuem um desenvolvimento mais erecto e folíolos oblongos a lanceolados. Estas folhas secam geralmente no outono, voltando a formar-se na primavera seguinte.

É sobre as frondes férteis que se formam os esporos, no interior de esporângios, que estão agrupados em estruturas designadas de soros. Estas estruturas surgem dispostas linearmente, de ambos os lados da nervura principal de cada folíolo, cobrindo praticamente toda a face inferior das folhas férteis.

Os esporângios são verdes e quando atingem a fase de maturação tornam-se castanhos, abrindo-se para que ocorra a libertação dos esporos. A esporulação (formação dos esporos) ocorre durante a primavera e o verão.

Em condições ambientais favoráveis, sobretudo havendo disponibilidade de nutrientes e água no solo, os esporos desenvolvem-se e transformam-se numa estrutura, geralmente muito pequena, por vezes microscópica, com forma cordiforme, denominada de protalo – um indivíduo de vida curta que mais tarde se desenvolve dando origem a uma nova planta diferenciada em raiz, caule e folha, que é um novo feto.

Origem

O feto-pente é uma espécie nativa da Macaronésia, Europa, noroeste de África, oeste da América do Norte, Sibéria e Japão. Em Portugal é frequente por todo o país, incluindo os arquipélagos da Madeira e dos Açores.

O habitat preferencial do feto-pente passa por lugares frescos, húmidos e sombreados e solos bem drenados, pobres e ácidos. É comum encontrar esta planta no subcoberto de bosques fechados, em zonas rochosas e próximo da margem de cursos de água.

Feto-pente. Foto: T. Voekler/WikiCommons

Os fetos são plantas particularmente interessantes do ponto de vista ornamental. Além da incrível variedade de texturas, cores, tamanhos e formas, os fetos são plantas que requerem pouca manutenção ao longo do ano.

Os densos tufos de folhagens verdes, criam ambientes atraentes, calmantes e até misteriosos nos jardins, em locais em que muitas outras plantas têm dificuldade em se desenvolverem, devido à falta de luz natural. Têm ainda a vantagem de manterem o crescimento ativo ao longo de todo o ano, desde que as condições ambientais sejam favoráveis. No entanto, têm um crescimento lento, que pode levar vários anos para atingir o tamanho adulto.

O feto-pente é bastante versátil e acrescenta beleza a qualquer espaço verde, sendo uma óptima solução na cobertura do solo, para canteiros com sombra, em jardins interiores, em bordaduras de canteiros, no subcoberto da sombra densa das árvores, entre outros.

Em Portugal não é usual a sua utilização culinária. No entanto, o rizoma, a raiz e os rebentos jovens cozidos, são considerados alimentos de emergência, usados quando não há mais nada. Os caules tenros também podem ser mastigados para aliviar a sede ou descascados para se comer a parte central dos mesmos.

Embora não existam registos para esta espécie em particular, vários fetos contêm substâncias cancerígenas naturais, logo é aconselhável cautela na sua utilização. Além disso algumas espécies também contêm tiaminase, uma enzima que decompõe a vitamina B1, sendo considerada um antinutriente. Se for consumida em grandes quantidades, esta enzima pode causar graves problemas de saúde. A enzima é destruída pelo calor ou secagem completa, portanto, cozinhar a planta removerá a tiaminase.

Registos etnobotânicos referem que o feto-pente já terá sido usado em medicina tradicional no tratamento de cancro interno, distúrbios pulmonares e problemas de estômago. As folhas ou frondes foram usadas externamente para tratar feridas da pele e a decocção do rizoma e da raiz terão sido usados no tratamento da diarreia.

Fósseis vivos, entre lendas e mitos

Alguns fetos, em particular os fetos arbóreos, são considerados fósseis vivos, tendo sido encontrados registos da sua presença no período Jurássico.

Durante muito tempo, estas plantas estiveram envoltas em misticismo, sobretudo pelo facto de não produzirem flores e não formarem sementes. Era enorme o mistério destas plantas.

A forma como se propagavam era estranha, tendo levado a que fossem consideradas plantas medicinais com usos mágicos. Na Idade Média, por exemplo, os fetos eram plantados em jardins para afastar os maus espíritos.

Outras lendas referem que lhes foram atribuídas propriedades mágicas amorosas, especialmente os esporos, que terão sido usados para fazer amuletos com propriedades amorosas, feitiços de amor e amavios.

Estes típicos habitantes da floresta passam completamente despercebidos, muitos de nós só os conhecemos de jardins e outros espaços verdes mais formais, mas aqui fica o desafio: procure fetos em fendas de rochas, em muros de pedra solta, em telhados de habitações antigas ou na casca das árvores e lembre-se de que este grupo de plantas existe há mais tempo do que o Homem.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Rizomatosa – planta cujo caule é subterrâneo (rizoma).

Rizoma – Caule subterrâneo, que cresce geralmente na horizontal, com aspeto de raiz, composto de escamas e gemas, como se de um caule aéreo se trata-se.

Fronde – Folhas típicas dos fetos e de outras plantas (ex. palmeiras).

Coriáceo – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Pecíolo – pé da folha, que liga o limbo ao caule.

Trofófilo – Folha ou fronde estéril, cuja principal função é a realização de fotossíntese.

Esporófilo – Folha ou fronde fértil, cujo principal função é a reprodução e onde se formam os esporângios.

Esporângio – Estrutura membranosa ou cápsula em forma de saco, onde se formam e armazenam os esporos.

Soro – Agregados densos de esporângios.

Protalo – indivíduo de corpo simples, sem estrutura vascular, formado a partir da germinação do esporo e que ocorre em plantas que não produzem semente.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.