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O que procurar no Verão: o lúpulo

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O lúpulo (Humulus lupulus), que está em flor de Junho a Setembro, é uma planta espontânea trepadeira de elevada importância económica, que passa completamente despercebida na natureza. Muitas vezes é desprezada e vista simplesmente como um erva que, quando bem desenvolvida, se enrola sobre outras plantas.

O que a maioria das pessoas talvez desconheça é o papel fundamental desta planta na produção de cerveja. Embora não tenha a fama do malte nem a notoriedade da cevada, as flores femininas de lúpulo conferem-lhe o aroma e amargor para além de terem um papel importante na formação da espuma e na prevenção da deterioração da bebida.

O lúpulo também possui múltiplas capacidades terapêuticas sendo, desde a antiguidade, utilizada na medicina tradicional. Nos últimos anos, as suas propriedades terapêuticas têm sido valorizadas na prevenção e tratamento do cancro.  

Vamos conhecer esta planta que tanto dá mais sabor à vida como faz bem à saúde.

O lúpulo

O lúpulo pertence à família Cannabaceae, a que pertencem pouco mais de uma centena de espécies, distribuídas por nove géneros botânicos.

Lúpulo. Foto: Luc. T/WikiCommons

Os membros economicamente mais importantes desta família são o cânhamo (Cannabis sativa) e o lúpulo (Humulus lupulus). O lodão-bastardo (Celtis australis), uma árvore ornamental nativa de Portugal, muito comum em parques e jardins, é também um membro importante desta família botânica.

A família Cannabaceae tem ampla distribuição em quase todo o mundo. Muitas das espécies ocorrem nas regiões tropicais e subtropicais, embora muitas outras ocorram também nas regiões temperadas.

O lúpulo, também conhecido como engatadeira, erva-engatadeira, lúpulo-trepador, pé-de-galo, vinha-do-norte, lúparo, é uma planta herbácea, vivaz e rizomatosa.

Esta planta, embora seja muitas vezes considerada trepadeira, não possui gavinhas ou qualquer outro apêndice para esse fim. É formada por caules volúveis, que podem atingir cinco metros de altura, raramente até dez metros, formados por vilosidades rígidas que favorecem o enrolamento da planta sobre qualquer tipo de suporte que lhe sirva de tutor. Curiosamente, cresce enrolando-se sempre no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.

As folhas são na sua maioria opostas, embora nas extremidades dos ramos possam ser alternas. São pecioladas e cordiformes – em forma de coração – mas também podem ser ovadas e palmadas.

A maioria das folhas são recortadas em três, cinco ou sete lóbulos profundos, ovado-lanceolados, acuminados e com margens dentadas, sendo o central maior que os laterais. Nas extremidades dos raminhos as folhas podem ser inteiras.

A página superior é verde e áspera ao toque, pelo menos nas margens, devido à presença de numerosos pêlos. A página inferior é pubescente e glandulosa. 

Junto à base do pecíolo, forma duas estípulas membranáceas, lanceoladas e bífidas. As estípulas desenvolvem-se antes das folhas, formando uma cobertura protetora para estas. Quando as folhas se formam por completo, as estípulas murcham e desaparecem.

O lúpulo é uma espécie dióica, com flores masculinas e femininas, unissexuais e esverdeadas, em indivíduos separados.

Lúpulo. Foto: C. T. Johansson/WikiCommons

As plantas masculinas e femininas só se conseguem distinguir na época de floração, que ocorre entre junho e setembro, já que não existe outra característica morfológica que permita a sua distinção.

As flores masculinas, de cor verde-amarelada ou esbranquiçada, surgem reunidas em panículas axilares, pendentes, envolvidas por brácteas membranáceas, e cada uma é formada por cinco tépalas fundidas na base e cinco estames.

As flores femininas, de cor verde-amarelada ou creme, são perfumadas, exalam uma fragrância semelhante a resina do pinheiro e surgem numa inflorescência muito compacta, semelhante a um cone, em grupos de vinte a sessenta flores. As inflorescências são geralmente solitárias ou formam pequenos grupos e são conhecidas como “ouriços” e parecem-se com pequenas pinhas com consistência de papel.

O fruto é um aquénio globoso, mais ou menos séssil, coberto por numerosas glândulas aromáticas amareladas.

O lúpulo pode viver de 10 a 20 anos. A parte aérea desta planta desaparece no inverno, mantendo o rizoma subterrâneo ativo. Na primavera seguinte inicia um novo ciclo de formação de longos caules, folhas, flores e frutos.

Distribuição geográfica e habitat

O lúpulo é uma espécie nativa de grande parte da Europa, centro da Ásia e norte de África. Em Portugal ocorre nas regiões do norte e centro e também no litoral alentejano. Não há registo da sua presença nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Esta planta prefere locais de exposição solar plena ou com sombra parcial, ambientes frescos, solos férteis e bem drenados, sendo muito comum na margem dos cursos de água, em bosques ripícolas e em silvados.

O lúpulo, quando bem estabelecido, é tolerante a temperaturas até -15ºC, no período de dormência, e também pode resistir a longos períodos de seca. No entanto, é sensível ao vento forte.

Foto: João Domingues Almeida/FloraOn

A polinização desta planta é anemófila, ou seja, dá-se pela ação do vento que transporta o pólen das plantas com flores masculinas para as plantas com flores femininas.

Esta planta é uma importante fonte de alimento e de refúgio para muitas larvas e lagartas de borboletas e traças. A borboleta-coma (Polygonia c-album), a “Currant Pug” (Eupithecia assimilata), a “Buttoned Snout” (Hypena rostralis) e a borboleta-pavão (Nymphalis io) são alguns dos exemplos de lepidópteros, que vivem e se alimentam de folhas, flores e frutos de lúpulo.

As flores de lúpulo libertam um aroma agradável que atrai as abelhas.

Uma planta com efeito ornamental peculiar

A origem do nome do género Humulus não é de consenso geral.

Alguns autores consideram que o nome Humulus é de origem escandinava e que deriva dos termos humle ou humal, ou de origem eslava = chmele. Outros apontam que terá origem alemã = humela ou humela, enquanto outros autores consideram que Humulus deriva de hommel, palavra utilizada na Flandres ocidental.

No entanto, a versão mais bem acolhida é a de que o termo Humulus deriva do termo em latim Humus, embora existam duas vertentes: os que consideram que o nome indica “terra rica em substâncias orgânicas = húmus”, em referência à preferência desta planta por solos húmidos profundos e ricos em matéria orgânica, ou porque quando não encontra apoio ou suporte para se enrolar, cresce sobre o solo, rastejando.

O epíteto específico lupulus é o diminutivo de lupus = lobo, aludindo ao facto desta planta possuir caules volúveis que trepam e se agarram a outras plantas, envolvendo-as e estrangulando-as como um lobo faz a um carneiro.

Foto: André Carapeto/FloraOn

 O lúpulo possui um efeito ornamental muito interessante. A bonita folhagem e os cones femininos muito decorativos são preponderantes para a escolha desta planta em muitos projetos paisagísticos, embora ainda seja pouco comum essa utilização em Portugal.

O lúpulo é perfeito em jardins de casas de campo ou jardins mediterrânicos. É uma planta de rápido crescimento com uma grande facilidade de trepar, ideal para crescer sobre pérgolas, paredes ou cercas, sendo útil para o revestimento de estruturas inestéticas.

A combinação desta planta com as roseiras trepadoras “criam” latadas muito decorativas e cheias de cores e aromas. O lúpulo também pode ser usado em sebes, para a criação de divisórias naturais, em jardins de maiores dimensões.

Trepadeira versátil

O lúpulo é utilizado na cozinha, na medicina tradicional, na cosmética, bem como na indústria cervejeira.

Na cozinha, os rebentos de lúpulo são colhidos e preparados como os espargos e as folhas jovens. As pontas dos rebentos e as flores masculinas são misturados em saladas e sopas. Os extratos e óleos essenciais são usados para aromatizar bebidas não alcoólicas, sobremesas geladas, bombons, gelatinas, pudins e outros doces cozinhados.

A utilização do lúpulo na medicina tradicional é já muito antiga. Possui diversas propriedades terapêuticas, tais como: antioxidante, sedativa, laxante, antimicrobiana, antisséptica, antiespasmódica, diurética, antibiótica e antifebril.

As inflorescências femininas contêm lupulino, que atua como um excelente tranquilizante, sendo tradicionalmente usadas nos travesseiros para garantir uma boa noite de descanso. Ao lupulino também são atribuídas propriedades anafrodisíacas.

O lúpulo também é usado no tratamento de doenças nervosas, ansiedade, e insónias. Pode ajudar a combater nevralgias, falta de apetite, dores de estômago, desconforto intestinal, tosse e pode ajudar a controlar a febre.

Foto: Francisco Clamote/FloraOn

Estudos recentes confirmam que possui também propriedades anticancerígenas, que contribuem para a prevenção e tratamento do cancro da pele, da mama, do colo do útero e do ovário.

O contacto da planta com a pele pode causar dermatites e erupções cutâneas e os pêlos podem irritar os olhos, sendo por isso necessário muito cuidado ao manipulá-la. Deve sempre consultar um profissional de saúde antes de utilizar esta planta para fins medicinais.

Na cosmética, os extratos são utilizados para obter cremes e loções que ajudam a amaciar a pele, a aliviar a caspa dos cabelos e para banhos de relaxamento. O lúpulo também faz parte da composição de alguns produtos naturais, desenvolvidos especificamente para aumentar os seios das mulheres.

As fibras dos caules são usadas no fabrico de cestos e artigos de vime e na indústria têxtil, para produzir um pano grosseiro. Os óleos essenciais são um dos ingredientes de alguns perfumes e são também utilizados na indústria do tabaco, como aromatizante.

O lúpulo e a cerveja

Desde a Idade Média que se utilizam plantas para aromatizar e preservar bebidas fermentadas.

E embora não tenha a fama do malte nem a notoriedade da cevada, o lúpulo faz parte da composição e do processo de fabricação da cerveja.

As flores femininas de lúpulo são formadas por glândulas de lupulina que contêm resinas e óleos essenciais que são utilizados no processo de fabrico desta bebida, conferindo-lhe um sabor amargo e aromas peculiares próprios, juntamente com outras propriedades indispensáveis para a qualidade da cerveja.

Os aromas dependem da variedade de lúpulo utilizada. Hoje em dia, são inúmeras as variedades comerciais obtidas a partir da planta silvestre que podemos facilmente encontrar em condições naturais. As notas aromáticas obtidas podem ser florais, cítricas, ervais ou frutadas e são o resultado da harmonia sensorial de inúmeras substâncias aromáticas encontradas na planta e nos seus óleos essenciais. 

O lúpulo contém substâncias que inibem a proliferação de bactérias na cerveja, funcionando como um “conservante natural”, evitando a deterioração da bebida, prolongando a vida da cerveja. Também é rico em substâncias antioxidantes e possui uma ação antisséptica.

A formação e estabilidade da espuma da cerveja também está ligada à presença dos compostos amargos do lúpulo, já que os óleos essenciais assim como outros compostos influenciam o paladar e o corpo da bebida, dando a sensação de preenchimento da boca, quando a bebemos. 

Da próxima vez que pedirem uma cerveja, já podem explicar aos vossos amigos a importância deste ingrediente “secreto” no seu sabor. E, não se esqueçam: bebam com moderação.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Trepadeira – planta que trepa e se desenvolvem ao longo de estruturas ou de outras plantas vizinhas.

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Vivaz – planta que vive mais do que dois anos, renovando anualmente a parte aérea.

Rizomatosa – planta cujo caule é subterrâneo – rizoma – que cresce geralmente na horizontal, com aspeto de raiz, composto de escamas e gemas, como se de um caule aéreo se tratasse.

Gavinha – estrutura filamentosa, resultante da transformação da extremidade dos ramos, que tem a faculdade de se enrolar em hélice, através da qual as plantas se conseguem fixar a suportes.

Volúvel – caule que se enrola em hélice sobre um suporte, característico das plantas trepadeiras.

Vilosidades – pêlos longos, macios, direitos ou sinuosos, não muito densos, que ajudam a planta a apoiar-se sobre um suporte à medida que se desenvolve.

Oposta – diz-se de folhas que se inserem lado a lado e ao mesmo nível (no mesmo nó).

Alterna – diz-se de folhas que se dispõem sucessivamente ao longo de um eixo, mas só uma de cada vez e em cada nó. 

Peciolada – provida de pecíolo – “pé” da folha que liga o limbo ao caule.

Palmada – folha com a forma de uma mão com os dedos abertos.

Lóbulo – parte da folha com recorte pouco acentuado.

Ovado-lanceolada – folha com base atenuada e à medida que chega ao ápice vai ficando com forma oval.

Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Glandulosa – possui glândulas.

Estípula – estrutura semelhante a uma pequena folha, que se encontra na base do pecíolo, geralmente aos pares, uma de cada lado.

Bífida – dividida em duas partes mais ou menos até ao meio.

Dióica – espécie que apresenta flores unissexuadas, femininas e masculinas, ocorrendo em indivíduos diferentes.

Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos ou masculinos.

Panícula – Inflorescência em cacho ou em espiga.

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.

Tépala – peça floral não diferenciada em pétala ou sépala.

Estame – órgão reprodutor masculino da flor, onde se produz o pólen.

Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.

Cone – órgão reprodutor (tipo de pseudofruto), geralmente de forma cónica, composto por escamas, que se sobrepõem parcialmente ao longo de um eixo central, e que protegem as sementes.

Aquénio – fruto seco, indeiscente e monospérmico.

Séssil – que se insere diretamente pela base, sem pecíolo ou pedicelo.

Latada – estrutura sustentada por postes e com arames em altura e na horizontal, na qual as plantas trepadeiras se apoiam e se desenvolvem, estendendo os seus ramos formando uma cobertura natural.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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