Arméria-das-Berlengas. Foto: Krzysztof Ziarnek/Wiki Commons
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Para procurar no Outono: Quatro das plantas mais raras e mais belas de Portugal

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Nesta que é a sua 100ª crónica semanal na Wilder, Carine Azevedo convida-nos a conhecer melhor as plantas endémicas do território português, com destaque para quatro espécies raras e ameaçadas.

 

Nas últimas 99 semanas, tentei dar-vos a conhecer um pouco melhor a flora nativa que ocorre em Portugal. Escolhi espécies que estavam em flor ou em fruto, destacando a beleza e transformação das suas folhas ou, simplesmente, partilhei o meu fascínio pela sua beleza natural.

Neste centésimo texto, não vou falar de uma espécie em particular, mas de um tema muito específico: as plantas endémicas de Portugal, com especial destaque para algumas das espécies mais raras e em perigo de extinção.

 

Plantas nativas vs plantas endémicas

Quando nos referimos a uma espécie endémica, falamos de uma espécie com uma distribuição geográfica muito limitada. Mas qual é a diferença entre plantas nativas e plantas endémicas?

 

Plantas endémicas

As espécies endémicas ocorrem apenas numa determinada área ou região geográfica reduzida, e não se encontram de forma natural em qualquer outra parte do mundo. São, assim, exclusivas dessas regiões.

O endemismo é causado por “barreiras” físicas, climáticas e biológicas que delimitam a distribuição de uma espécie. Estas barreiras físicas e naturais impedem o intercâmbio genético, levando a que as espécies adquiram características únicas.

Estas espécies são mais vulneráveis, dependem de condições naturais muito específicas. Como existe um número muito reduzido de exemplares, são mais susceptíveis à extinção, que tanto pode ocorrer naturalmente como também pela ação dos humanos, que têm vindo gradualmente a modificar os habitats e a introduzir novas espécies, muitas com potencial invasor.

É imperativo proteger estas espécies, pois são efetivamente raras em diversidade e em número de exemplares.

Em Portugal Continental estão identificadas cerca de 150 espécies endémicas. No Arquipélago da Madeira existem 157 e nos Açores 78.

 

Plantas nativas

As plantas nativas, também conhecidas como indígenas, espontâneas ou autóctones, são plantas naturais do ecossistema ou da região onde vivem, sem que tenha ocorrido introdução humana, e que aí existem há milhares de anos.

Estas plantas estão bem adaptadas ao clima, luminosidade e condições do solo que caracterizam o ecossistema onde habitam e fornecem condições fundamentais para a sua sustentabilidade.

Uma planta nativa, se estiver localizada no seu espaço natural, pode exigir menos água, menos nutrientes e menos manutenção para prosperar com sucesso.

Os frutos e as bagas destas plantas são fundamentais para a vida selvagem. São inúmeras as espécies animais que se alimentam desses frutos e que simultaneamente favorecem a dispersão de sementes dessas plantas, sustentando a espécie de geração em geração, favorecendo o ecossistema.

Estas plantas são também hospedeiras de um número e variedade muito grande de espécies de insectos, que também são fundamentais para a restante fauna selvagem, sendo, em alguns casos, praticamente a sua única fonte de alimento.

Em Portugal estima-se que existam 3.995 taxa, incluindo taxa infraespecíficos, dos quais, 3.314 ocorrem em Portugal Continental, 1.233 no Arquipélago da Madeiras e 1.006 nos Açores, distribuídos por 185 famílias e 1.066 géneros botânicos.

Portanto, as plantas endémicas são plantas nativas de uma região, mas só existem especificamente nessa região. Outras plantas nativas dessa região podem ocorrer em vários lugares. Alguns exemplos de plantas nativas do território português mas que podemos encontrar pelo mundo fora são a erva-cidreira (Melissa officinalis), a papoila (Papaver rhoeas), a tramazeira (Sorbus aucuparia), a urze (Calluna vulgaris).  

Vamos conhecer algumas das espécies endémicas mais raras de Portugal:

 

1. Arméria-das-Berlengas

Foto: CTGomes/Flora-On

A arméria-das-Berlengas (Armeria berlengensis) é uma espécie da família Plumbaginaceae, endémica do Arquipélago das Berlengas, ao largo da costa de Peniche.

É uma planta robusta e espessa, subarbustiva, com cerca de 50 centímetros de altura e cerca de 80 centímetros de diâmetro. As folhas surgem dispostas em tufos terminais, são linear-lanceoladas a lanceoladas, geralmente com três a cinco nervuras, geralmente mucronadas, ou seja, o ápice termina numa ponta curta. 

As flores são pequenas, cor-de-rosa claro ou por vezes brancas, e surgem agrupadas em glomérulos, uma inflorescência que é multifloral, muito contraída e subglobosa. Por sua vez, o escapo (haste floral) por vezes é pubescente – ou seja, tem pelos finos e densos – e mede 10 a 30 centímetros de altura.

A floração desta arméria ocorre maioritariamente entre abril e maio. No entanto, é possível observar armérias-das-Berlengas em floração durante todo o ano.

Os frutos desta planta surgem igualmente agrupados, em infrutescências. São monospérmicos e fusiformes e possuem pericarpo membranoso.

A arméria-das-Berlengas só existe na Ilha Berlenga, nas Estelas e nos Ilhéus dos Farilhões. Ocorre em falésias litorais, em afloramentos rochosos, cascalho consolidado, e em solos rochosos graníticos, onde as suas raízes fortes e finas se “prendem” entre as fendas das rochas.

Esta planta consta da Lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, e segundo as categorias da Internacional Union for Conservation of Nature (IUCN), que podem ser utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional, está classificada como espécie Em Perigo.

Essa classificação acontece porque as áreas de ocorrência e de ocupação da arméria-das-Berlengas são muito reduzidas, identificando-se apenas três localizações. Estima-se que a população atualmente existente não ultrapasse os 6.300 indivíduos maduros, verificando-se um declínio continuado no tamanho da população e na qualidade do habitat.

A arméria-das-berlengas encontra-se também listada no Anexo II e Anexo IV da Directiva Habitats 92/43/CEE.

 

2. Tabaíba-do-Espichel

Foto: AJPereira/Flora-On

A tabaíba-do-Espichel (Euphorbia pedroi), também conhecida como eufórbia-de-Gomes-Pedro, é uma planta endémica da península de Setúbal que ocorre nas falésias e escarpas de Sesimbra, Serra da Arrábida e Cabo Espichel.

É uma espécie da família Euphorbiaceae, de porte arbustivo, muito ramificado, que pode crescer até dois metros de altura. Possui ramos ascendentes ou erectos e grossos. A casca é rugosa e escura, com cicatrizes foliares transversais e estrias longitudinais.

As folhas são inteiras, lanceoladas-espatuladas e estreitamente obovadas, atenuadas na base e arredondadas no ápice. São verdes ou ligeiramente glaucas, carnudas e sésseis, pois inserem-se diretamente pela base.

A floração ocorre de março a agosto. Como espécie monóica que é, possui flores masculinas e femininas na mesma planta. As flores são pequenas e nuas e reúnem-se em pleiocásio – inflorescência em cimeira, em que logo abaixo do eixo principal terminado por uma flor, surgem diversos eixos secundários, também terminados por flores – que é bifurcado uma ou duas vezes.

Foto: AJPereira/Flora-On

As flores surgem também envolvidas por brácteas inteiras, estreitamente oblongas, elípticas ou obovadas, que formam um invólucro em forma de cálice, denominado de cíato.

Cada cíato é solitário, glabro – sem pêlos – ou levemente coberto dos mesmos, e tem um pedúnculo distinto; no entanto, de cada um destes “cálices” emergem vários outros pedúnculos, dando origem a sucessivos cíatos, em várias camadas.

O conjunto floral apresenta um tom verde-amarelado.

Já o fruto é uma cápsula arredondada, muito sulcada, verde-amareladas ou avermelhadas, de casca lisa ou finamente pontilhada. Cada uma destas cápsulas contém várias sementes, ovóides, lisas ou rugosas e acinzentadas.

A tabaíba-do-Espichel também se encontra inscrita na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, classificada como espécie Em Perigo segundo as categorias da IUCN.

Esta classificação acontece pela reduzida extensão de ocorrência e área de ocupação que possui, identificando-se apenas três localizações.

Esta espécie está sujeita a diversas pressões naturais e humanas que se estima serem responsáveis pela diminuição da sua capacidade de regeneração e, consequentemente, pela redução da respetiva população.

 

3. Junquilho-do-barrocal

Foto: ACarapeto/Flora-On

O junquilho-do-barrocal (Narcissus willkommii), também conhecido vulgarmente como junquilho-do-Algarve, pertence à família Amaryllidaceae e é uma espécie endémica de Portugal Continental, atualmente restrita à região central do Algarve.

É uma planta perene, bolbosa, que forma pequenos tufos de folhas que podem atingir até cerca de 20 centímetros de altura.

O bolbo subterrâneo é ligeiramente arredondado, revestido por túnicas membranáceas, externas, de cor castanho-escuro.

As folhas são verdes, finas, lineares de margem lisas e de seção semicircular, às vezes ligeiramente estriadas.

A floração ocorre entre os meses de fevereiro e abril. As flores surgem sobre um escapo floral mais ou menos cilíndrico, liso ou levemente estriado, maciço ou fistuloso.

Cada escapo floral é composto por uma a três, por vezes cinco flores pequenas, amarelo-douradas, levemente perfumadas, envolvidas por uma espata – bráctea protetora lanceolada, membranácea e de cor castanho-claro – antes de abrirem.

O fruto é uma cápsula oblongo-ovóide que no seu interior possui inúmeras sementes ovóides, negras e brilhantes.

O junquilho-do-barrocal ocorre numa área muito restrita na zona central do Algarve, na margem de um curso de água. Estima-se que exista apenas uma população, constituída por cerca de 1.400 a 10.000 indivíduos maduros.

Por apresentar uma reduzida extensão de ocorrência e área de ocupação, o junquilho-do-barrocal é uma espécie avaliada como Em Perigo segundo as categorias utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional da IUCN, encontrando-se igualmente inscrito na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. 

 

4. Miosótis-das-praias

Foto: Miguel Porto/Flora-On

A miosótis-das-praias (Omphalodes kuzinskyanae), também conhecida como miosótis-das-arribas, é uma espécie da família Boraginaceae, endémica de Portugal Continental, cuja área de ocorrência se restringe à faixa litoral entre Cascais e a Ericeira.

Esta espécie está avaliada como Criticamente Em Perigo, segundo as categorias da IUCN, devido à elevada flutuação no número de indivíduos, por apresentar uma extensão de ocorrência reduzida e um declínio continuado da população e da área de ocupação.

A miosótis-das-praias consta da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e também do Anexo II e Anexo IV da Directiva Habitats 92/43/CEE.

É uma planta anual e herbácea de pequenas dimensões, que pode atingir entre seis a vinte centímetros de altura. É glauca, coberta por um indumento de pêlos rígidos ao longo dos pedicelos. Os caules são erectos, simples ou escassamente ramificados.

As folhas basais são espatuladas e as folhas médias e superiores são elípticas a ovadas. A margem das folhas é ciliada e a página superior é escábrida – áspera ao tato.

A miosótis-das-praias germina de novembro a meados de fevereiro ou março, e a sua floração ocorre geralmente de março a junho.

As flores são pequenas e possuem um pedicelo curto e ereto. O cálice é peludo na base e na margem dos lóbulos e apresenta um tom glauco. A corola é formada por cinco pétalas azul-pálidas, raramente brancas. As flores são quase todas acompanhadas de brácteas elípticas a lanceoladas, semelhantes às folhas superiores.

O fruto é uma núcula mais ou menos ovóide, acastanhado e frouxamente peludo em toda a superfície externa.

O período de frutificação coincide parcialmente com o período de floração e a maioria das plantas morre antes de julho, renovando o seu ciclo no ano seguinte.

 

Saber ver as plantas

Estas são apenas quatro das espécies mais raras e mais belas de Portugal Continental e constituem o leque das cerca de duas dezenas de espécies avaliadas Em Perigo ou Criticamente em Perigo.

Todos sabemos que o conhecimento acerca das plantas tem beneficiado a humanidade de diversas formas e que as plantas, no geral, também contribuem de forma expressiva para o equilíbrio ecológico do planeta. No entanto, é grande a incapacidade de perceber e de conhecer as plantas no ambiente. E é por isso que todos os esforços são importantes para a conservação destas espécies.

A “plant blindness” (cegueira botânica) não pode ser desculpa para a não preservação da biodiversidade. É fundamental conhecer as plantas que nos rodeiam para as proteger.

Deixo-vos um desafio: numa próxima exploração botânica tentem identificar algumas destas plantas. Mas, lembrem-se! São raras e encontram-se em risco de extinção. Caso as encontrem, não colham mais do que fotografias e partilhem-nas aqui.

 


 Dicionário informal do mundo vegetal:

Taxon (no plural taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex. Família, Género, Espécie, Subespécie).

Taxon infraespecífico – classificação abaixo da espécie (Ex. Subespécie, Variedade).Exige a utilização de uma nomenclatura trinomial (Ex. Quercus faginea subsp. faginea).

Subarbustiva – planta perene, semelhante a um arbusto no seu aspecto e ramificação, mas baixa, geralmente inferior a um metro.

Linear – folha estreita e comprida, com margens quase paralelas.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Mucronada – ápice da folha terminando numa ponta curta, por vezes aguda e rígida.

Refletida – curva bruscamente para baixo, num ângulo superior a 90º.

Glabra – sem pêlos.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta. 

Cimeira – inflorescência com crescimento limitado, terminando numa flor, assim como os seus ramos laterais.

Multifloral – que tem ou produz muitas flores.

Escapo – haste floral.

Infrutescência – reunião de frutos provenientes de flores dispostas em inflorescências.

Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.

Pericarpo – “parede” do fruto.

Espatulada – folha em forma de espátula, isto é, ápice mais largo e arredondado e parte inferior mais atenuada.

Obovada – folha com a forma de um ovo invertido, mais estreita na base do que no ápice da folha.

Séssil – que se insere diretamente pela base, sem intermédio de qualquer suporte.

Flor nua – flor que não possui peças florais (pétalas e sépalas), encontrando-se reduzida aos órgãos sexuais.

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor ou da inflorescência, que a protege enquanto está fechada.

Oblonga – folha com forma aproximadamente retangular, com polos arredondados.

Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Cíato – inflorescência típica das espécies do género Euphorbia, com uma flor feminina, nua, pedicelada e solitária ao centro, rodeada por cinco flores masculinas, também elas nuas, circundadas por um invólucro em forma de taça.

Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.

Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Bolbosa – planta que produz um bolbo.

Túnica – membrana que reveste o bolbo.

Fistulosocilíndrico e com uma cavidade central longitudinal, mais ou menos longa.

Anual – planta cujo ciclo de vida se completa num ano.

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.

Pedicelo – “pé” que sustenta a flor.

Escábrida – áspera ao tacto devido à presença de pequenas saliências ou pêlos muito curtos e rígidos.

Corola – conjunto das peças florais, geralmente brancas ou coloridas – pétalas, que protegem os órgãos reprodutores da planta.

Núcula – fruto seco, indeiscente do tipo esquizocarpo, semelhante a uma pequena noz.

Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.

Esquizocarpo – fruto seco que na maturação se divide em frutos parciais.

 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.