Sanguinho-das-sebes. Foto: Júlio Reis/Wiki Commons
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O que procurar no Verão: sanguinho-das-sebes

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O sanguinho-das-sebes (Rhamnus alaternus), também conhecido como aderno-bastardo, aderno-bravo e espinheiro-cerval, floresceu no início da primavera e encontra-se agora na fase de maturação dos frutos.

É uma espécie da família Rhamnaceae, uma família de plantas de média dimensão, com cerca de 60 géneros e 900 espécies conhecidas. Com uma distribuição cosmopolita, esta família está representada em Portugal Continental por apenas quatro espécies nativas: o sanguinho-da-sebes (Rhamnus alaternus), o espinheiro-cerval (Rhamnus cathartica), o espinheiro-preto (Rhamnus lycioides) e o sanguinho-de-água (Frangula alnus). 

Nos Arquipélagos esta família é ainda menos abundante. Nas ilhas dos Açores existe apenas uma espécie nativa, o sanguinho (Frangula azorica), e no Arquipélago da Madeira existem duas, ambas conhecidas vulgarmente como sanguinho: a Frangula azorica e o Rhamnus glandulosa.

Sanguinho-das-sebes

O sanguinho-das-sebes é uma espécie de crescimento relativamente rápido e que pode ultrapassar os 80 anos de vida.

É um arbusto ou pequena árvore perene, que pode atingir entre 1 a 5 metros de altura, muito ramificado, e que possui uma copa arredondada e densa e não tem espinhos.

As folhas são simples, alternas, lanceoladas a ovadas, coriáceas e mucronadas. A página superior das folhas é verde-escura e a inferior é verde-clara. A margem é ligeiramente serrilhada na metade apical da folha, ou seja, mais perto da sua extremidade.

Foto: Hans Hillewaert/Wiki Commons

O sanguinho-das-sebes é uma espécie de floração dioica, ou seja, tem flores unissexuadas, masculinas e femininas, que ocorrem em indivíduos distintos. 

A floração desta espécie ocorre no início da primavera (entre fevereiro e março). As flores são pequenas, radialmente simétricas e pentâmeras, de cor verde-amareladas e com pecíolos curtos, dispostas em cachos densos, nas axilas das folhas. Não possuem corola e o cálice tem a aparência de uma estrela.

O fruto é uma drupa, ligeiramente carnudo e subgloboso, verde, avermelhado ou negro consoante a fase de maturação em que se encontra. A maturação dos frutos ocorre durante o verão. No interior de cada drupa surgem 2 a 4 sementes escuras.

Como acontece com outras espécies vegetais, a designação científica desta espécie está associada às características morfológicas da família a que pertence. O nome do género Rhamnus deriva do grego rhámnos, nome atribuído a vários arbustos espinhosos e de ramificação densa. Alguns autores mencionam que Rhamnus é o nome grego, antigo, dado ao espinheiro do alvar (Crataegus sp.). O restritivo específico alaternus estará associado ao termo em latim alternus em referência ao arranjo das folhas. No entanto, segundo diferentes autores, alaternus é o nome genérico antigo dado a alguns arbustos perenes, e para outros esta designação deve-se à semelhança com o abrunheiro.

Espécie típica da mata mediterrânica

O sanguinho-das-sebes é uma espécie típica da mata mediterrânica, aparecendo tanto no Sul da Europa como no Norte de África e Ásia. É uma planta nativa de Portugal Continental, e é mais frequente nas regiões do Centro e Sul.

É uma planta pouco exigente, preferindo locais com alguma exposição solar e temperaturas quentes. Cresce bem em todo o tipo de solos – quer sejam ácidos ou básicos, áridos e pedregosos – podendo até desenvolver-se nas fendas de rochas. É tolerante aos ventos marítimos e à salinidade trazida por aqueles. Também é resistente à seca e a temperaturas baixas, até aos -15ºC.

Foto: Isidre blanc/Wiki Commons

O sanguinho-das-sebes ocorre de forma dispersa em zonas de matagal, garrigue e em bosques de espécies de folha persistente e marcescente, geralmente em associação com outras espécies tipicamente mediterrânicas, nomeadamente o aderno-de-folhas-estreitas (Phillyrea angustifolia), a aroeira (Pistacia lentiscus), o carrasco (Quercus coccifera), a roselha (Cistus crispus), a estevinha (Cistus salvifolius), entre outras. 

Em Portugal não é muito comum a sua utilização como planta ornamental. No entanto é uma excelente opção para formar sebes densas de quebra-vento em regiões com influência marítima. Com um grande potencial estético e paisagístico, pode ser plantado de forma isolada em jardins, em bosquetes e também se adapta bem ao cultivo em vasos e em floreiras. 

O sanguinho-das-sebes é muito utilizado na reflorestação, nomeadamente de regiões rochosos e áridas, especialmente por ser uma espécie robusta, bastante resistente à seca e pela sua notável capacidade de autorregeneração, nomeadamente após a passagem de incêndios.

Múltiplas aplicações

Além do interesse ornamental e uso na reflorestação, o sanguinho-das-sebes tem também grande aplicação medicinal e farmacêutica. São-lhe conferidas propriedades anti-hipertensivas, antiarteroscleróticas e antioxidantes. Além disso, alguns estudos oncológicos recentes indicam que os extratos enriquecidos com flavonóides de raízes e folhas desta espécie inibem a proliferação de células atípicas responsáveis ​​pela leucemia humana. 

Na medicinal popular, as flores são usadas para reduzir a tensão arterial e os frutos são utilizados pelas suas propriedades laxantes e vermífugas, devido à presença de emodina, um composto químico derivado das antraquinonas. Também existem registos de que o sanguinho-das-sebes é usado no tratamento de doenças hepáticas (fígado e icterícia).

Foto: Isidre blanc/Wiki Commons

Esta espécie também desempenha um importante papel ecológico, as suas flores são abundantes e melíferas e bastante atrativas para polinizadores, nomeadamente as abelhas e as borboletas. Os frutos, que ficam maduros a partir do início do verão, mais cedo do que a maioria das espécies produtoras de bagas, são muito apreciados pelas aves (como o pisco-de-peito-ruivo, o melro-comum, a felosa-do-mato, a felosa-das-figueiras, a toutinegra-de-cabeça-preta e o cartaxo-comum) e por pequenos mamíferos e outros insectos (como a marta, a fuinha, os morcegos e as formigas), que também ajudam na dispersão das sementes.

O sanguinho-das-sebes é também conhecido por ser a planta hospedeira da borboleta-cleópatra (Gonepteryx cleopatra). Esta espécie de borboleta vive em bosques abertos, onde o sanguinho-das-sebes está presente. 

Fêmea da borboleta-cleópatra (Gonepteryx cleopatra). Foto: Gilles San Martin/Wiki Commons

A madeira desta planta tem várias aplicações, sendo usada para tornear, no fabrico de armários e de pentes. É uma madeira muito dura, de cor amarelo-acastanhada e com um odor desagradável característico que liberta assim que é cortada, e por isso alguns autores referem-se a esta espécie como de madeira fedorenta. 

Os frutos, as folhas, as raízes, a casca e os ramos são também usados na indústria para extração de pigmentos, na fabricação de corantes, medicamentos e cosméticos. 

O sanguinho-das-sebes é sem dúvida uma espécie nativa interessante. Procure-o na natureza e fique fascinado com a beleza global deste arbusto ou pequena árvore que se mantém com folhas todo o ano, que durante o verão e o outono vão contrastando com os frutos de todas as cores, e na primavera com as suas pequenas flores.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Cosmopolita – família de plantas que tem uma distribuição por quase todo o mundo.

Alterna – folha que ao longo do caule se insere de forma alternada, uma em cada nó.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Ovada – folha com a forma de um ovo, mais larga perto da base.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Mucronada – ápice da folha terminando numa ponta curta, por vezes aguda e rígida.

Pentâmera – flor cujas peças florais se apresentam em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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