Foto: Agnieszka Kwiecień/WikiCommons
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Plantas nativas para descobrir: a papoila

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Carine Azevedo apresenta-nos as papoilas, que com o seu aspeto frágil e beleza efémera vão começar a salpicar os campos de vermelho dentro de poucos meses.

A papoila (Papaver rhoeas), espécie da família Papaveraceae, é também conhecida vulgarmente como papoila-brava, papoila-das-searas, papoila-ordinária, papoila-rubra, papoila-vermelha, papoila-vulgar ou papoula.

Papoila (Papaver rhoeas). Foto: Agnieszka Kwiecień/WikiCommons

É uma planta herbácea, anual, que cresce em pequenos tufos até 60 cm de altura. Tem um caule ereto, por vezes ascendente a quase decumbente e mais ou menos ramificado. O caule é coberto de pelos compridos e rígidos, quase picantes, bem visíveis, embora não muito densos. Possui um látex branco, que exsuda quando os pequenos caules são quebrados e que a planta utiliza na cicatrização das feridas. Também tem raízes delgadas.

As folhas são finas, lobadas a ovadas, bastante recortadas e peludas, terminando numa ponta aguda. As nervuras surgem na página inferior, paralelas entre si, sendo a nervura mediana bastante mais espessa que as restantes. As folhas basais são caulinares (formam pequenos caules), mas as folhas superiores são sésseis (presas ao caule sem caule).

As flores escarlates da papoila são grandes, solitárias e crescem sobre um pedúnculo longo, peludo e fino. Surgem na primavera e o cálice é formado por duas sépalas verdes peludas, que caiem quando a flor começa a abrir. A corola é formada por quatro pétalas vistosas, arredondadas, sobrepostas, muito finas e amarrotadas. Têm um aspeto semelhante ao papel de seda, normalmente de cor vermelho sangue, embora ocasionalmente rosa ou branco, com ou sem uma mancha escura na base. As pétalas são muito delicadas e murcham rapidamente, por isso as flores não são usadas em decorações florais.

Papoila. Foto: Zeynel Cebeci/WikiCommons

Os órgãos reprodutores destas flores são também bastante vistosos e atrativos para os polinizadores. Os estames – órgão masculino – são numerosos, finos e de cor avermelhada na zona da haste – filete – que liga o receptáculo da flor à antera – parte portadora de pólen – de cor preto-azulada. A parte feminina – estigma, que recebe o pólen – assemelha-se a um disco com vários raios, de cor amarelada e plano.

O fruto é uma cápsula verde-clara, mais ou menos lisa, sem pelos, com 1 a 2 cm de comprimento, globosa a ovoide, mais comprida do que larga. No topo possui um disco, plano, com vários raios, mais largo do que a cápsula.

As minúsculas sementes escuras são libertadas através de poros que se abrem no topo da cápsula e podem permanecer dormentes no solo durante 80 anos ou mais, germinando após o desencadeamento de qualquer perturbação do solo. Uma única planta pode produzir até 60.000 sementes.

A designação científica desta espécie é bastante particular. O termo genérico Papaver do latim deriva do celta “papa” que significa a comida para bebés, provavelmente associada ao passado pelo facto de esta planta ter sido combinada com outros alimentos para ajudar as crianças a adormecer e a dormir mais descansadas. O restritivo específico rhoeas deriva do grego “rheo”, que significa escapulir, pelo facto das pétalas caírem facilmente, a cada sopro do vento ou de “róia” – romã, pela cor vermelha das pétalas.

A papoila das searas

A papoila é uma espécie com uma distribuição nativa bastante alargada, desde a Europa, Ásia e norte de África à Macaronésia. 

Papoila. Foto: Horst J. Meuter/WikiCommons

Em Portugal, é espontânea em praticamente todo o território continental e no arquipélago da Madeira, tendo sido introduzida no arquipélago dos Açores. 

Caracterizada por ter um forte carácter ruderal e infestante, é frequente em bermas de caminhos, baldios, searas, pastagens e prados, campos de cultivo, pousios ou em terrenos incultos. Também está presente em montados e olivais. No entanto, considerada infestante nas searas e noutros campos de cultivo, a papoila tem desaparecido gradualmente devido ao uso regular de herbicidas para combater as infestantes indesejadas. 

Esta planta de ciclo de vida curto não tarda a tornar-se rara, como muitas outras “ervas daninhas” indesejadas. O desaparecimento desta e de outras espécies de plantas pode levar também ao desaparecimento de muitos polinizadores. É urgente ajudar a parar o seu desaparecimento, por isso se não as queremos nos campos de cultivo, devemos fazê-las crescer em jardins e noutros espaços verdes.

A papoila cresce bem em locais de exposição solar plena ou com sombra parcial e prefere solos levemente ácidos ou neutros, bem drenados, ricos em nutrientes, principalmente cobalto, fósforo e potássio. Tolera bem as geadas e não se desenvolve bem sem temperaturas moderadas durante a fase vegetativa.

Das searas à mesa

A papoila é incrivelmente bonita e apesar de as suas flores serem efémeras criam um efeito visual muito interessante em qualquer jardim, floreira ou canteiro. Atualmente a papoila é frequente em misturas de sementes de flores silvestres para restauração de habitats e para a criação de prados anuais floridos e coloridos.

Foto: Michal P.L./WikiCommons

Além de puder ser cultivada para efeitos decorativos, pelo simples prazer de a ver florir, a papoila também tem aplicação na culinária. 

As folhas verdes e jovens, quando colhidas antes da floração, podem ser comidas cruas em saladas ou cozinhadas como espinafres e usadas para dar sabor a sopas, embora apresentem efeitos sedativos, por isso o seu consumo deve ser ponderado. 

As sementes de papoila têm um sabor semelhante ao da noz e são muito utilizadas isoladamente ou misturadas com outras sementes como condimento em bolos e no pão. O óleo da semente também é muito apreciado. As pétalas são ricas em antocianidinas, com propriedades corantes e são utilizadas na preparação de tisanas e de certos vinhos, para lhes dar cor. 

A papoila também é reconhecida pelas suas propriedades calmantes, antitússicas, emolientes, espasmolíticas e sedativa. Tem vindo a ser utilizada na medicina desde tempos antigos, no tratamento de constipações, inflamações das mucosas, em situações de insónia e ansiedade e no tratamento de espasmos nervosos.

As propriedades sedativas que esta papoila apresenta são leves comparativamente à sua congénere Papaver somniferum, a papoila do ópio, da qual se extraía a morfina, o ópio e opiáceos. No entanto a presença de rhoeadina, um alcaloide levemente tóxico, na papoila-das-searas, deve ser tida em conta, sobretudo para os animais. Esta planta é potencialmente perigosa, se ingerida em grandes quantidades por cavalos e outros animais herbívoros. Já para o homem é improvável que cause envenenamento, no entanto não é recomendada uma ingestão habitual de extratos e infusões obtidos desta planta, pois pode causar desconforto intestinal e até dores de estômago.

O óleo de semente de papoila também é utilizado na cosmética como sendo benéfico para a saúde do cabelo e da pele, no tratamento de rugas. As pétalas, quando secas, também são utilizadas com outras plantas para dar cor em pot-pourri. 

A história da papoila

As primeiras referências ao uso desta planta como medicamento datam de 3400 A.C., no Egito. Na época, chamavam-lhe a “planta da alegria”, pela capacidade que tinha de reduzir a dor e aumentar a sensação de calma. 

Os Gregos costumavam colocá-las nos túmulos dos mortos para relembrar e honrar os mortos.

Hoje em dia, a papoila é para muitos símbolo de sono eterno, de paz e morte. Também simboliza os heróis de guerra e foi adoptada como símbolo de lembrança a 11 de novembro de 1921, quando a Legião Real Britânica realizou seu primeiro ‘Dia da Papoula” para relembrar e honrar as mortes e as dificuldades passadas na guerra.

Papoilas. Foto: Jörg Hempel/WikiCommons

 

Durante a Primeira Guerra Mundial nos campos de batalha onde só havia morte e destruição, floria um pouco por todo o lado esta flor de cor vermelho-sangue como que um sinal de conforto pelas perdas e destruição. 

A celebração formal do armistício é marcada com cerimónias memoriais de guerra, durante as quais são depositadas coroas de papoilas. Também é comum, ainda hoje, todos os anos, entre o final do mês de outubro e meados de novembro ver os britânicos usarem um broche com esta flor ao peito.

Nós, por cá, podemos apreciar agora as suas delicadas flores até ao início do verão que darão origem às cápsulas ornamentais, prolongando assim a temporada e interesse por esta planta. 


Ao longo das próximas semanas, vamos republicar nesta série as 10 plantas mais lidas até hoje escritas na Wilder por Carine AzevedoEste artigo sobre a camarinha foi publicado originalmente a 23 de Abril de 2021.


Dicionário informal do mundo vegetal: 

Ascendente – caule que se desenvolve na posição horizontal ou quase, mas que tende a verticalizar.  

Decumbente – caule deitado sobre a terra, por onde se alastra, com a ponta levantada para cima.

Lobada – folha simples que possui margens profundamente recortadas que a dividem em pequenos lobos, no entanto, menores que a metade do limbo.

Lobo – parte do limbo da folha, larga e em regra arredondada.

Ovada – folha com a forma de um ovo mais larga perto da base.

Receptáculo – parte superior e alargada do “pé” da flor onde se inserem as peças florais.

Ruderal – vegetação que se desenvolve em meios resultantes da atividade humana (como sejam berma de caminhos, taludes de vias de comunicação, imediações de lixeiras e entulhos, campos abandonados, etc.) 

Antocianidina ou antocianina – pigmento natural responsável por uma grande variedade de cores das folhas, flores e frutos, que vão desde o vermelho-alaranjado ao roxo, violeta e azul. 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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