Foto: Jean-Pol GRANDMONT/Wiki Commons
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Plantas nativas para descobrir: o pilriteiro

Carine Azevedo apresenta-nos este arbusto com folhas de formato singular, cujos frutos maduros alimentam inúmeras aves e outros animais nos dias mais frios do ano.

Numa das minhas mais recentes caminhadas pelo parque pude assistir ao trabalho árduo de algumas aves para conseguirem chegar às bagas que se encontravam nos ramos mais finos e frágeis de algumas plantas.

Muitos animais transportam os frutos para os seus ninhos, onde os armazenam para que tenham alimento disponível na altura de hibernar, mas outros aproveitam a sua refeição ali mesmo, para que não percam a oportunidade de saborear aquilo que a natureza lhes pode oferecer.

Frutos do pilriteiro. Foto: Andrew Butko/Wikicommons

Os pilritos, frutos carnudos do pilriteiro (Crataegus monogyna), são um exemplo de frutos atrativos, muito apreciados pelas aves e outros animais nesta época em que o alimento é cada vez mais escasso.

O pilriteiro

O pilriteiro pertence à família das Rosaceae, que inclui outras espécies bem conhecidas, como as roseiras, as macieiras, as pereiras e as amendoeiras. Esta pequena árvore ou arbusto é bastante resistente e robusta e pode viver até 500 anos de idade.

Possui uma copa arredondada e é de folha caduca. As suas folhas simples, com margem bastante recortada e de cor verde-escuro e brilhante na página superior e verde mate na página inferior, caiem durante a estação mais fria. Esta estratégia é um mecanismo de defesa que algumas plantas encontraram para melhor resistirem ao frio do inverno, renovando-as na primavera seguinte.

Pilriteiro. Foto: Audrey Muratet/WikiCommons

Esta espécie, também conhecido como espinheiro-alvar ou espinheiro-branco, tem espinhos longos e aguçados que surgem axilas das folhas.

As pequenas flores perfumadas, de cor branca ou rosada, encontram-se agrupadas em inflorescências, designadas como corimbo – tipo de cacho em que as hastes florais, mesmo partindo de pontos diversos, alcançam todas uma altura semelhante. A floração ocorre intensamente durante os meses de fevereiro e maio. Em Inglaterra é conhecida como Maytree, por a floração ocorrer essencialmente em Maio.

O fruto, o pilrito, é um pomo carnudo, semelhante a uma pequena maçã. Com uma forma globosa ou ovóide, de cor vermelho vivo, só tem um caroço e surge em julho, amadurecendo no outono.

A designação científica desta espécie deve-se à robustez da planta, em particular da sua madeira, e ao facto de as suas flores terem apenas um pistilo. O nome do género Crataegus provém do grego krataios – que significa forte, robusto e monogyna deriva também do grego mono- (único) e de –gyne (feminino), que significa “flor com apenas 1 pistilo”. O pistilo é a parte feminina de uma flor.

O arbusto do coração

O pilriteiro é uma planta nativa da Europa, Ásia e norte de África. Em Portugal é abundante um pouco por todo o país, sendo mais raro a sul. Pode encontrar-se em bosques caducifólios ou mistos, em carvalhais e sobreirais e na margem das linhas de água.

Cresce bem em qualquer tipo de solo, é indiferente ao pH, preferindo solos soltos e húmidos. Dá-se bem em climas quentes, no entanto é bastante resistente às geadas e ao vento, suportando temperaturas negativas bastante baixas. É uma espécie de plena luz, embora cresça bem em zonas de meia sombra.

Pilriteiro. Foto: Stefan Lefnaer/WikiCommons

Este arbusto tem várias aplicações. A abundância de flores na primavera e a profusão de frutos na estação mais fria tornam esta espécie muito interessante do ponto de vista ornamental e muito importante do ponto de vista ecológico. Existem mais de 140 espécies de insectos, aves e outros animais que procuram as suas flores melíferas e frutos saborosos como fonte de alimento, além de a utilizarem como local de abrigo, uma vez que pode formar pequenos maciços espinhosos e defensivos, difíceis de penetrar. Também é uma espécie bastante resistente à poluição atmosférica e pode ser usado como porta-enxerto de outras fruteiras da família das Rosaceae, nomeadamente a pereira.

Os frutos são comestíveis e embora não sejam muito saborosos quando ingeridos crus, têm múltiplas utilizações depois de cozinhados, em geleias, doces, compotas, na preparação de bebidas alcoólicas e em vinagre. No passado também foram utilizados na produção de farinha para fabrico de pão. No entanto os caroços não devem aproveitados uma vez que são tóxicos. Também há quem utilize as folhas frescas, jovens e tenras em saladas, ou em chás, depois de secas.

Esta espécie é também muito valorizada pelas suas propriedades medicinais. Existem registos que comprovam a sua utilização desde a Antiguidade, até mesmo ainda na pré-história, para tratar uma variedade de problemas cardíacos e de circulação sanguínea, daí muitos o designarem como a árvore ou arbusto do coração. Hoje em dia são inúmeras as aplicações medicinais desta planta.

Arbusto com história

Envolto em histórias e lendas, o pilriteiro chegou a ser considerado a planta do inferno devido aos seus furtos vermelhos. No entanto, com o passar dos anos, esta planta passou de maldita a protetora, sendo colocada no exterior das casas para afastar os maus espíritos.

Foto: Alicja/Pixabay

Na Grécia antiga simbolizava esperança no amor e felicidade conjugal. Anualmente, em Maio, mês da purificação, os casais ofereciam ramos floridos de pilriteiro à Deusa Maia como forma de agradecimento. Segundo a mitologia romana, consta que o cabo da lança de Rómulo era feito de madeira desta planta. A cultura Celta também reconhecia o seu valor sagrado e era tradição pedir-lhe autorização antes de lhe cortar um ramo.

No Cristianismo, diz-se que a coroa de espinhos de Jesus era composta por ramos de pilriteiro. Daí que em muitas regiões portuguesas seja tradição que se coloquem ramos desta planta nas portas, do lado de fora das casas, para proteção em dias de tempestade e de trovoada, para defender e proteger os seus moradores e os seus bens, pois diz-se que tudo aquilo que tocou Cristo nos protege.

Uma vez mais, uma breve observação da natureza permitiu-me desvendar inúmeras curiosidades sobre esta espécie nativa.

Aquelas aves, que tanto se esforçavam para se alimentar, tiveram a minha ajuda. Colhi alguns dos frutos que se encontravam nos ramos mais frágeis e dei-lhos, com a certeza de que estava a contribuir para o seu bem-estar e sobrevivência sem colocar a planta em risco.


Ao longo das próximas semanas, vamos republicar nesta série as 10 plantas mais lidas até hoje escritas na Wilder por Carine AzevedoEste artigo sobre a camarinha foi publicado originalmente a 1 de Janeiro de 2021.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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