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O que procurar no Outono: a urze

Planta de rara beleza, a urze (Calluna vulgaris) consegue transformar a paisagem numa época do ano em que a natureza se prepara para adormecer. É no outono que desperta as suas flores de forma exuberante, com cores e aromas improváveis. 

Miguel Torga também foi um grande apaixonado pelas urzes, não fosse a escolha deste pseudónimo – Torga, uma homenagem a esta planta, que existia em grande quantidade na sua terra natal. 

Urze. Foto: Meneerde bloem/WikiCommons

Quando questionado pela origem do nome, Torga respondeu “…eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas.” 

Mas vamos conhecer melhor a Urze. Esta pequena planta que se destaca na paisagem das montanhas e serras, nas florestas e jardins de Portugal e que Torga tão bem descreveu, revelando a sua importância e a “personalidade” única de resistência e persistência.

A urze

Esta espécie, única do género Calluna, pertence à família das Ericaceae, e também é conhecida pelos nomes vulgares de Torga, Queiró, Queiroga, entre outros. 

Urze. Foto: Sannse/WikiCommons

A sua designação científica apresenta alguma curiosidade. O género Calluna surge do grego – Kallunein – que significa “varrer” e que está associado ao tradicional uso de vassouras artesanais e vulgaris, do latim, que indica que se trata de uma planta comum.

A urze é um pequeno arbusto perene, que pode chegar aos 40 anos de idade. De crescimento reduzido, pode atingir 20 a 100 cm de altura e formar pequenos tufos densos e coloridos. Bastante ramificada desde a base, os seus ramos crescem na vertical, apresentando tons amarelos e avermelhados. As raízes ramificam profundamente, garantindo um bom suporte e sustentação. Com o decorrer dos anos as raízes tornam-se grossas, lenhosas e retorcidas.

As folhas persistentes e muito pequenas, ligeiramente pubescentes, são verdes durante todo o ano. No entanto durante o inverno, as folhas envelhecidas que permanecem na planta, podem apresentar tons de bronze, prata, amarelo, laranja, púrpura e vermelho. Os frutos são pequenas cápsulas, redondas, com cerca de 2 mm de diâmetro e com numerosas sementes no seu interior.

As flores, de tons rosa, púrpura e lilás, surgem no outono numa tela colorida muito especial, atraindo inúmeros polinizadores. A diversidade de insectos que visitam esta planta é notável, incluindo as abelhas, moscas, borboletas noturnas e diurnas. Da atração das abelhas, pelas suas flores ricas em néctar, resulta um mel rico e escuro, descrito como sendo um mel perfumado, com odor a caramelo, doce e com um travo ligeiramente amargo. 

A urze em Portugal

Esta é uma espécie nativa da Europa e norte de África. Em Portugal ocorre um pouco por todo o território, incluindo nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Urze. Foto: Bjorn S./WikiCommons

É frequente encontrar esta espécie associada a outras comunidades vegetais nativas que partilham os mesmos requisitos, e que se conseguem regenerar após a passagem de um incêndio florestal, nomeadamente estevas, rosmaninhos, giestas, tojos, carquejas e outras urzes.

Desenvolve-se em solos pobres em nutrientes, bem drenados, preferencialmente com pH ácido. Prefere uma boa exposição solar, no entanto suporta bem o ensombramento. 

Pode encontrar-se em zonas de mato, bosques degradados e em clareiras de pinhais e sobreirais. É importante na recuperação de solos secos, pobres e degradados.

Este pequeno arbusto, bastante resistente, não requer muitos cuidados. Do ponto de vista ornamental aconselha-se uma poda anual de Inverno para limpeza de flores, folhas e ramos secos e manter a conformação da copa.

Esta planta foi muito aproveitada pelas populações mais pobres do interior do país para inúmeros fins. Os seus ramos eram utilizados para o fabrico de vassouras e escovas artesanais. Das raízes e da madeira obtinha-se carvão de elevada qualidade. Tradicionalmente tinha ainda aplicações medicinais e era utilizada como aromatizante de vinhos e cerveja. Chegou a ser utilizada para tingir lã e cabedais com a tinta e corantes artesanais que se extraiam dos seus ramos e raízes, conferindo um tom amarelo aos tecidos. 

Atualmente, muitas destas aplicações continuam a verificar-se em alguns meios rurais. Mas são as propriedades melíferas e o interesse ornamental que apresenta que a tornam uma espécie muito procurada. As suas raízes mais grossas são utilizadas no fabrico de cachimbos, instrumentos de sopro e outros objetos mais artísticos.

Erica ou Calluna  

Urze também é o nome vulgar dado a outras espécies do género Erica, estando esse nome muitas vezes relacionado com a diversidade de cores que as flores apresentam e com a utilidade que lhes é dada. Ao contrário da urze (Calluna vulgaris) as espécies do género Erica florescem na primavera e no verão.

Urze. Foto: Joan Simon/WikiCommons

Curiosamente, a comercialização e plantação da urze (Calluna vulgaris) está proibida em alguns territórios onde foi introduzida (como por exemplo em algumas regiões da Austrália e da Nova Zelândia). Como acontece com algumas espécies exóticas em Portugal, a urze apresenta características invasoras nesses territórios, tornando-se um caso problemático, comprometendo o desenvolvimento das plantas nativas dessas regiões.