Raquel Gaspar, durante uma acção de limpeza. Foto: João Augusto

“A minha paixão pelo mar nasceu a ver os filmes do Jacques Cousteau”

Raquel Gaspar, 47 anos, formada em Biologia Marinha, é uma das co-fundadoras da associação Ocean Alive e responsável pelo projecto Guardiãs do Mar, que trabalha para a preservação das pradarias marinhas do Estuário do Sado e para melhorar a vida das pescadoras desta região. Vencedora da edição deste ano do prémio Terre de Femmes, da Fundação Yves Rocher, contou à Wilder como tudo começou.

 

Wilder: Como nasceu a tua ligação à natureza e ao mar?
Raquel Gaspar: Desde que nasci que estou ligada à natureza. Nasci em Colmeias, uma aldeia ao pé de Leiria, onde a minha avó era agricultora. O meu recreio era a horta da minha avó, um terreno grande, entre um a dois hectares. Adorava também ficar sentada ao pé do rio, a olhar para as árvores, ou também ali a escrever ou a pintar. Já a minha paixão pelo mar nasceu a ver os filmes do Jacques Cousteau, na televisão. Quando fui a Paris, aos 16 anos, é claro que tive de ir ao aquário. E a partir daí, nunca mais vi mais nada…

W: E como é que te interessaste pelas pradarias marinhas do Estuário do Sado?
Raquel Gaspar: Interessei-me devido ao declínio da população de golfinhos do estuário, que torna necessário proteger estas pradarias. Para além disso, as pradarias são também o que sustenta a pesca local, nomeadamente o rendimento das mulheres pescadoras e das suas famílias, pois as espécies com maior valor comercial desta comunidade dependem deste habitat.
O choco desova ali, é nas pradarias que o polvo encontra refúgio e milhares de caranguejos para se alimentar, e é também onde os juvenis dos peixes se alimentam e se refugiam dos predadores.

W: Como bióloga marinha, tens trabalhado com os golfinhos do Estuário?
Raquel Gaspar: Fiz o meu estágio de licenciatura em 1993/1994, com a criação de um programa de monitorização da população de roazes do Sado. Isso permitiu-me identificar e conhecer os golfinhos um por um, através das suas barbatanas, e assim revelar a sua história, a partir de fotografias de investigadores nos anos 80 e 90.
Mais tarde, como investigadora, fiz o meu doutoramento sobre a dinâmica populacional e conservação da população residente de roazes do Sado. Percebi que a população estava em declínio devido à baixa sobrevivência dos jovens, ou porque morriam, ou porque emigravam.
Simulei o comportamento demográfico da população entre 1984 e 2002, considerando vários cenários para descobrir que ações de conservação teriam impacto para afastar esta pequena população do declínio em que se encontrava. Por exemplo, simulei qual seria o efeito de salvar um roaz a cada nove anos, ou a morte de duas crias devido à colisão com os barcos em cada quatro anos.
Mas a simulação que realmente fez efeito foi quando utilizei as melhores taxas de natalidade, fecundidade e sobrevivência que tinham sido observadas na população. Essa foi para mim a maior revelação deste trabalho: se conseguíssemos melhorar as condições de vida dos roazes, esta população tinha capacidade de responder afastando-se do declínio.

W: Até que ponto as pradarias marinhas são importantes para os golfinhos?
Raquel Gaspar: São o habitat berçário da vida marinha do estuário do Sado e, portanto, a grande fonte de sustento desta população. A grande maioria das presas dos golfinhos nasce, cresce, reproduz-se ou encontra alimento ou refúgio neste habitat. Portanto, para salvar os roazes do Sado, é preciso salvar as pradarias marinhas de que eles dependem.

W: Quanto à associação Ocean Alive, da qual fazes parte, como é que imaginas este projecto daqui a três anos?
Raquel Gaspar: Trabalho com empenho para que a Ocean Alive inspire a envolvência das comunidades costeiras locais na restauração de um oceano saudável.
Daqui a três anos, espero que tenhamos quase 20 mulheres pescadoras Guardiãs do Mar envolvidas na protecção das pradarias, tendo até lá gerado um rendimento para as suas famílias na ordem dos 20 mil euros. Como resultado disso, espero termos conseguido a alteração de comportamentos necessária para a eliminação do plástico das embalagens de sal e das âncoras que afectam as pradarias e espero que tenhamos contagiado os portugueses com esta visão de um Estuário do Sado limpo e mantido por todos, incluindo as pessoas e as empresas locais.
A minha ambição é conseguir que o Ocean Alive Camp seja o motor da avaliação de impacto do nosso projeto.

W: O que significa para ti o prémio Terre de Femmes?
Raquel Gaspar: Sinto que ganhei uma voz pela protecção do Oceano.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Conheça aqui como funciona o projecto Guardiãs do Mar e como tenciona trabalhar para a recuperação e conservação das pradarias marinhas do Estuário do Sado, envolvendo as comunidades locais.

Veja também um vídeo da Fundação Yves Rocher sobre o projecto Guardiãs do Mar.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Até dia 24 de Março, decorre a votação para a atribuição do Prémio Internacional do Público (no valor de 5000€) a uma das finalistas dos 10 países que concorrem ao Prémio Internacional Terre de Femmes, incluindo Raquel Gaspar, em representação de Portugal. Conheça aqui os projectos a votação e eleja o seu favorito.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.