À procura das criaturas das trevas em Montemor-o-Novo

No Halloween, o projeto LifeLines da Universidade de Évora mostra e explica que criaturas se escondem à noite. Cerca de 30 participantes foram até Montemor-o-Novo para descobrir estes animais. 

“Não está frio e hoje não chove, infelizmente. Vamos ver o que encontramos”, diz Luís Sousa, biólogo na Universidade de Évora. À sua volta, cerca de 30 pessoas juntam-se para ouvir as explicações do guia desta noite. Uns estão vestidos de bruxa, outros de diabos, outros ainda de esqueletos. A noite é de Halloween, mas o que os junta é a vontade de observar animais.

É sempre assim, a 31 de Outubro, nos arredores de Évora. A Noite das Criaturas das Trevas junta famílias e muitos curiosos na observação de animais, uma iniciativa que tenta desmontar os muitos mitos à volta dos seres que vivem de noite e, por isso, são alvo de crenças e superstições.

Em Montemor-o-Novo, o percurso é feito na Ecopista do Montado, que começa no Largo da Estação e termina na Torre da Gadanha (Estação da CP), numa extensão total de 12,87 quilómetros.

A caminhada inicia-se num trajeto de pedra, rodeado de árvores com edifícios baixos à entrada. Do lado direito está a antiga ferrovia, agora desativada.

“Já fiz uma saída com o Luís para ver flamingos, mas esta é a primeira vez que venho à noite. Até vim mascarado. Em Itália vamos sempre pedir doces, mas hoje é diferente. O que gostava mesmo de ver era uma raposa”, diz Rodrigo de 11 anos. Veio com a mãe e mascarou-se a rigor da festa, de diabo. 

Na primeira paragem, Luís tira do bolso um objeto misterioso. “Uma calculadora”, diz um dos participantes mais novos. Nada disso, o que Luís segura é um detetor de ultrassons. O detetor amplifica os ultrassons emitidos pelos morcegos e, ao ver em que frequências os sons são emitidos, consegue saber que espécie de morcego os está a gerar. A espécie encontrada é um morcego-anão, muito associado às cidades, já que aproveita as frechas das edificações para habitar. 

“O que comem os morcegos?”, pergunta Luís. “Insetos”, ouve-se um coro de vozes. “E os vampiros?”, brinca. “Por vezes, os morcegos são associados aos vampiros. Na América há espécies de morcegos que utilizam o sangue de outros animais para se alimentar. Em Portugal alimentam-se apenas de insetos e são muito mais pequenos.  Devido à sua alimentação, os morcegos são muito importantes para o controlo de pragas agrícolas”, explica Luís.

O trajeto é cada vez mais escuro e silencioso. Os participantes, de lanternas em punho que apontam para as árvores e para o chão, são conduzidos por entre sobreiros e oliveiras. Os pais têm dificuldade em acompanhar os mais novos que querem ficar perto de Luís, no início do grupo. 

Mas os animais que todos estão mais expectantes de ver ainda não apareceram. Luís explica o quão difícil é observar mamíferos. “São muito esquivos. Antes de os vermos já eles nos viram e fugiram.”

No projeto LifeLines – que quer saber qual o impacto das rodovias na mortalidade dos animais selvagens e o que pode ser feito para a evitar – são feitos caminhos de carro muito devagar e, com lanternas, conseguem-se observar mamíferos como raposas, genetas ou fuinhas.

O grupo iniciou a atividade há cerca de 15 minutos, quando pára e observa caracóis e caracoletas. São o alimento das criaturas das trevas das quais ninguém tem medo, os pirilampos. “Já fizemos uma saída com o Luís para observarmos pirilampos, foi tão giro”, conta Tiago de sete anos.

Nesta altura, Luís aproveita para falar de um ser de Halloween: o chupacabra, mito iniciado nos Estados Unidos. “Esta criatura era observada a beber o sangue dos animais, mas não era nada mais que os coiotes com sarna. Quando estão doentes alimentam-se do que dá mais energia, o sangue”, explica Luís. 

Começa-se a ouvir água e o caminho deixa de estar sob as copas das árvores. Na ponte sobre o Rio Almansor está uma osga num dos pilares. “Dizia-se que as osgas eram venenosas, mas este é outro mito associado ao desconhecimento da espécie”, esclarece o biólogo.

O habitat em redor é olival tradicional, montado e o rio. “Os animais gostam de andar no mato mais fechado. Lontras, raposas e fuinhas são alguns dos animais que aqui habitam, junto à água”, conta Luís.

“Luís, está aqui um sapo”, grita um dos participantes. O grupo faz uma roda para o observar, enquanto Luís pega nele. É um sapo-corredor. Esta espécie contraria a imagem associada aos sapos e não salta, mas corre. “Corredor? Se calhar anda no Atlético de Montemor”, brinca um dos participantes. “A sua principal defesa é a camuflagem. Mas também pode fugir rapidamente para a vegetação. Além disso, é tóxico, não é venenoso. Com o contacto, estes sapos libertam toxinas para as zonas sensíveis dos predadores, como a boca.” Este é o sapo mais abundante do Alentejo e o que mais morre nas estradas. Por isso, é uma das espécies que o projeto LifeLines estuda.

O caminho volta a ficar rodeado de oliveiras e sobreiros. Ao lado da estrada de pedra os mais novos estão agachados a investigar um buraco. “É uma toca de coelho, espécie em declínio em Portugal e base do ecossistema”, indica Luís. 

Sente-se um cheiro intenso. Pode ser javali, a falada praga. “Há uma desregulação e desinformação sobre as espécies, não se fazem os censos e são tomadas medidas erradas”, lamenta o biólogo.

Do lado esquerdo, os participantes notam o montado alentejano. As luzes são apontadas para lá, na tentativa de observar algum movimento entre a vegetação. 

Luís informa que é hora de tornar o caminho de volta. A conversa vai animada entre os participantes que comentam os animais que viram hoje e durante a sua vida, assim como as novas aprendizagens desta noite. 

Após a ponte, com as árvores a tapar a luz da Lua, Luís chama o grupo de crianças que vai mais rápido a tentar encontrar animais. “Este vocês não descobriram”, diz enquanto pega num sapo. O grupo corre para perto dele e os adultos também se juntam. É outro sapo-corredor, mas desta vez é uma fêmea. Para se distinguir se é macho ou fêmea o biólogo explica que esta espécie apresenta vocalizações diferentes.

“Estamos a chegar… não vimos muita coisa, mas foi tão giro”, comentam os participantes. O caminho fica mais iluminado e os edifícios voltam a rodear a ecopista. Ouve-se um assobio ao longe, será um mocho? Uma coruja? Não. É um sapo-parteiro, conhecido pelos machos carregarem os seus ovos às costas. 

Luís pede que ninguém se vá embora, ainda há surpresas. Ao chegarem ao início da ecopista, no passeio, estão sacos e caixas. Rapidamente, Luís abre uma caixa e tira um anfíbio do tamanho da sua mão. É um sapo-comum. Os adultos pegam nos seus telemóveis e máquinas fotográficas para retratar o momento. 

O biólogo pega num animal preto e amarelo e ouve-se em coro “Uauuu”, uma salamandra-de-pintas-amarelas.

Da mesma caixa, Luís retira um sapinho-de-unha-negra e uma rã-de-focinho-pontiagudo, animais com o nome representativo das suas características. 

Uma cobra-de-ferradura é tirada da caixa. “Cobras é que não. Tenho medo” diz uma participante. Mas Luís explica que “são inofensivas, apesar do seu feitio”.

Observam também uma cobra-de-escada, que tem este nome devido ao seu padrão enquanto juvenil.

Luís pede que apaguem todas as lanternas. Os participantes questionam-se sobre o que será. Na caixa, começam a aparecer pontos amarelos, “são pirilampos”, ouve-se.

A última caixa é mostrada e Luís pega numa luz ultravioleta. Algo emite um brilho florescente. É um escorpião que, sem esta luz, tem uma coloração escura. Após a observação, os animais são devolvidos ao seu habitat natural no local apropriado.

Os mais novos bocejam, são 23h00 e a atividade acabou. Mas antes de se irem embora há uma prenda para os participantes: afinal não seria Halloween sem uma guloseima. 


Saiba mais.

Saiba mais sobre o projecto LifeLines com esta reportagem de Luís Carlos Batista.

Agora é a sua vez.

Se quiser ajudar este projecto, pode instalar a aplicação LifeLines e registar os animais selvagens atropelados.

Se ficou com vontade de ajudar a melhorar a vida dos animais nocturnos, aqui ficam cinco sugestões simples do que pode fazer:

  • Crie e proteja pequenos charcos para a vida selvagem, que são abrigo e local de alimento para muitas destas espécies, especialmente rãs, sapos e morcegos;
  • Mantenha montes de lenha, muros de pedras soltas e estruturas antigas rurais que estão a desaparecer por causa da transformação da agricultura. Estes são importantes abrigos para répteis, anfíbios, morcegos e invertebrados;
  • Instale caixas-ninho ou caixas-abrigo para corujas, mochos ou morcegos;
  • Quando conduzir na estrada, esteja atento a rãs a passar, especialmente nesta época do ano. Muitos animais morrem atropelados, nas suas migrações desde os locais de abrigo até aos pontos de água onde se vão alimentar e reproduzir (não vai querer atropelar uma salamandra que pode viver até aos 30 anos em estado selvagem, pois não?);
  • Informe-se sobre estas espécies e incentive os outros a respeitá-las.