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À procura de libélulas em Lisboa com Albano Soares

O entomólogo Albano Soares descreve a sua paixão por libélulas e outros insectos, durante um passeio pelos jardins do Parque das Nações, em Lisboa.

 

Albano trabalha com libélulas há 20 anos e diz ter o trabalho que sempre quis.

Nesta manhã de Outono cheia de Sol somos sobrevoados por uma tira-olhos-migrador azul, numa clareira do Parque Tejo. Albano quer fotografar o animal em voo.

“Ela está mesmo a dar-me tanga, a passar por mim assim”.

 

Foto: Wilder

 

De calças de ganga e t-shirt preta, o naturalista da Rede de Estações da Biodiversidade e do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal, aponta a câmara fotográfica à libélula que voa por cima das nossas cabeças, descrevendo um circuito circular imaginário, veloz e algo errático. É um macho adulto e está a caçar outros insectos. “Se apanhar um insecto pequeno, come-o em voo; se for maior, pára para comer”, explica Albano, sem tirar os olhos da libélula.

“Adoro este bicho. É giríssimo! É mesmo bonito!”. Mais tarde nas mãos de Albano conseguiremos ver de perto uns fascinantes olhos azuis, enormes, o tórax verde-limão e o corpo com marcas castanho-escuras.

 

Aeshna mixta, Parque das Nações. Foto: Albano Soares

 

Albano nasceu a gostar de bichos. Mas confessa que quando era criança tinha medo de libélulas. “Na minha terra chamam-lhes tira-olhos e quando passavam por mim com os seus voos rasantes, fugia a correr com os olhos fechados!”, lembra, divertido.

Agora, no meio desta clareira, Albano mal se mexe, quanto mais correr. Na verdade, move-se o menos possível, enquanto a libélula lhe passa à frente e a trás, uma e outra vez, em voos cada vez mais próximos. “Está a habituar-se à minha presença. Está consciente que estou aqui e está a medir distâncias.” Quando passa mais perto conseguimos ouvimos o barulho das suas asas.

“Só preciso que páre uns segundos, a pairar, para a fotografar.” O que requer paciência e tempo. “Às vezes chego ao cúmulo de tirar a camisola para elas ficarem confusas. Tipo, então mas o gajo tinha uma cor e agora tem outra? Percebes?”

No plátano mais à direita, um gaio voa atrás de um insecto e um bando de gaivotas baloiça-se nas águas tranquilas do rio Tejo. O ruído dos carros a passar na ponte Vasco da Gama mistura-se com as vozes de melros e de piscos-de-peito-ruivo. Albano ora fala com a libélula, ora connosco. Conta-nos como estes animais são fascinantes. Como têm uma excelente visão – “têm 100 vezes mais nervos ópticos do que eu” – e como são grandes predadores de mosquitos e moscas, por exemplo.

“Perdi-a. Ah, não, está ali. Não, não apontes, ela pode assustar-se.” Temos muito que aprender sobre como fotografar libélulas.

E de repente começam a ouvir-se os disparos da câmara fotográfica de Albano. Uns atrás dos outros, em momentos de grande concentração. “Pronto, já a apanhei, mas não tão bem quanto queria.”

 

Foto: Albano Soares

 

Estas libélulas são das suas preferidas. Mas esta manhã nos jardins do Parque das Nações já encontrámos várias espécies de insectos. A libélula-de-nervuras-vermelhas (Sympetrum fonscolombii), que já está a migrar para Norte e é uma das libélulas mais comuns de Portugal, a libélula-negra-pequena (Diplacodes lefebvrii), a libélula-escarlate (Crocothemis erythraea), a borboleta castanhinha-africana (Zizeeria knysna) – a borboleta diurna mais pequena de Portugal – e a libelinha-ibéro-magrabina (Ischnura graellsii)- a mais pequena da Península Ibérica e uma das mais pequenas da Europa.

 

Borboleta castanhinha-africana. Foto: Wilder

 

Ao longo da manhã, Albano capturou com a sua rede entomólogica libélulas, borboletas, libelinhas e abelhas e, segurando nos animais com o cuidado de quem já fez aquilo milhares de vezes, vai mostrando como funcionam, como se distinguem machos e fêmeas, se têm ovos, e o que diferencia as libélulas das libelinhas. Aprendemos que as primeiras têm as asas posteriores diferentes das anteriores; as libelinhas têm as asas todas iguais.

 

Libelinha-ibéro-magrabina. Foto: Wilder

 

Albano conhece os locais preferidos dos insectos e o passeio à beira Tejo segue com paragens “obrigatórias”. Paramos junto a este pequeno lago, ou a estes tufos de vegetação e a esta sebe de arbustos como se entrássemos em salas de um museu, à procura dos nossos quadros preferidos, de obras-primas. Por exemplo, estes tufos de vegetação são o local para tentar ver a libélula-negra-pequena, e o pequeno lago mais à frente é um bom sítio para ver a libelinha-ibéro-magrebina, que ali vai para se alimentar e procurar parceiros.

 

Ischnura graellsii. Foto: Albano Soares

 

E quando os nossos olhos se habituam a procurar coisas pequenas e selvagens entre o verde da vegetação, encontramos inúmeras libelinhas de um azul esverdeado iridescente, antes invisíveis para nós.

 

Foto: Wilder

 

“A vida aproveita todos os espaços que encontra”, diz Albano enquanto caminha com a mochila preta às costas, com várias divisões para acondicionar o material fotográfico e os frascos para guardar espécimes, e a rede de cabo verde escuro para apanhar insectos.

 

“Sou um naturalista que usa câmara fotográfica e rede”

Em Portugal há 64 espécies de libélulas, mas Albano gostava que “houvesse 200!”

A sua paixão por estes animais tem quase a sua idade, 50 anos. Experimentou vários trabalhos, todos diferentes, até que decidiu dedicar-se a tempo inteiro ao que mais gostava: ir para o campo à procura de insectos.

“Sou um naturalista que usa câmara fotográfica e rede. Sei o mínimo de fotografia para fazer o que acho giro e levar as pessoas a sentir-se atraídas por este grupo” de animais, explica quando nos sentamos à sombra.

 

Foto: Wilder

 

E explica as suas razões para percorrer o país com a câmara fotográfica, à procura de insectos.

“Comecei a fazer isto por achar que os nossos bichos estavam muito mal tratados a nível da imagem. As imagens de insectos, répteis e anfíbios não representavam minimamente o animal. Esse foi o grande desafio para ter uma câmara fotográfica.”

Desde então, já encontrou e fotografou largas dezenas de espécies e é um dos investigadores que faz os levantamentos de espécies para as Estações da Biodiversidade (Ebio). Estes são pequenos percursos espalhados pelo país, sinalizados cada um com nove painéis com informações sobre 40 a 50 espécies emblemáticas que os visitantes podem observar.

Os estudos de inventariação para as cerca de 40 Ebio actualmente a funcionar em Portugal já permitiram registar mais de 5.000 observações, que correspondem a 750 espécies de invertebrados (a maioria insectos), 100 vertebrados e 750 plantas.

Segundo Albano, o mais importante na fotografia de insectos é conhecer os animais e os seus comportamentos.

 

Foto: Wilder

 

“Adoro fotografar insectos em voo, o voo é a sua essência”, comenta. Gosta de ver como é determinado animal, como as “patas são riscadas de amarelo e preto, por exemplo”.

Acredita que hoje, o panorama para os insectos está melhor, mas continua mal. “Os insectos têm problemas. Por exemplo, não são atractivos para o grande público e é difícil identificar todas as espécies fotograficamente, principalmente escaravelhos e aranhas. Em muitos casos é preciso estar na presença do animal para descobrir a que espécie pertence.”

Naquilo que depender de Albano, o trabalho com os insectos vai continuar. E se as libélulas já não têm segredos para este entomólogo, a aventura começa agora com as mais de 700 espécies de abelhas.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Aprenda a fotografar libélulas com Albano Soares.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.