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Abelhão da espécie Bombus terrestris. Foto: Eduardo Marabuto

Abelhões exóticos usados na agricultura ameaçam espécies nativas em Portugal

Cientistas encontraram na natureza subespécies de abelhões que não são nativas do país, provenientes de colmeias comerciais usadas em estufas, tal como híbridos resultantes de cruzamentos com estes insectos. “É um risco para a conservação das espécies polinizadoras e dos ecossistemas”, avisam.

 

O alerta teve origem num novo estudo científico liderado por cientistas do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), cujos resultados foram publicados a 2 de Novembro na revista científica Evolutionary Applications.

“Os investigadores utilizaram milhares de marcadores genéticos para comparar os abelhões provenientes de colmeias comerciais com os abelhões nativos”, explica um comunicado do cE3c, divulgado esta terça-feira. Os insectos foram recolhidos em duas regiões: na zona Oeste, onde se usam abelhões comerciais para polinizarem as culturas de tomate, e no Sudoeste Alentejano, onde têm como objectivo a polinização nas culturas de pequenos frutos.

Resultado? “Não só detectaram na natureza vários abelhões que deveriam estar confinados às estufas, como detectaram também vários híbridos resultantes do cruzamento de abelhões comerciais com nativos”, indicam.

Em causa estão abelhões como o Bombus terrestris, usados em estufas para ajudar a controlar pragas e como polinizadores. Esta espécie tem sido criada e comercializada desde o final dos anos 1980, por todo o mundo, pois é considerada muito eficiente na polinização de várias culturas, em especial dos tomateiros.

 

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Abelhão da espécie Bombus terrestris. Foto: Eduardo Marabuto

 

Existem várias subespécies de Bombus terrestris, cada uma adaptada ao clima e condições da região onde tiveram origem. Mas em Portugal, embora ocorra uma espécie nativa deste abelhão – Bombus terrestris lusitanicus – compram-se para usar em culturas duas subespécies de outras zonas da Europa: o Bombus terrestris terrestris e o Bombus terrestris dalmatinus.

 

Resultados profundos e imprevisíveis

“Numa altura em que se fala muito do declínio mundial dos polinizadores, não podemos esquecer que um dos factores de risco é a introdução de espécies exóticas e em particular a utilização em larga escala de polinizadores comerciais vindos de outros locais. Nalguns países já existem leis que impedem a utilização de abelhões não nativos, mas em Portugal ainda não existe nenhuma regulamentação”, explica Sofia Seabra, primeira autora do estudo, e investigadora do cE3c.

Com efeito, os resultados podem ser profundos, embora imprevisíveis. Uma espécie exótica pode transformar-se em invasora, afectando a sobrevivência de espécies nativas ou transmitir-lhes doenças para as quais não estavam preparadas.

Pode haver cruzamentos com espécies próximas: “As consequências de eventuais fenómenos de hibridação são imprevisíveis, podendo num extremo criar híbridos altamente adaptados que se tornam invasores, e noutro extremo criar híbridos menos adaptados, levando a um declínio populacional”, adianta o comunicado da FCUL.

 

Quais podem ser as soluções?

As caixas de colmeias comerciais que já não estão a ser utilizadas não devem ser abandonadas do lado de fora das estufas, mas sim eliminadas através de congelamento ou de selagem numa caixa fechada, recomendam os investigadores que participaram neste estudo.

 

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Abelhão Bombus terrestris entra com pólen numa caixa de colmeia comercial. Foto: Elisabete Figueiredo

 

“Este deveria ser um procedimento habitual de modo a minimizar a fuga de abelhões, principalmente no final de vida da colmeia quando há produção de machos férteis”, reforça Sofia Seabra.

Outra medida, esta a longo prazo – acrescentam os cientistas – seria avançar-se para a produção comercial da subespécie ibérica Bombus terrestris lusitanicus. Até porque a utilização de colmeias comerciais em culturas ao ar livre está a crescer, o que torna muito difícil evitar o contacto com abelhões nativos.

Neste estudo, em conjunto com cientistas do cE3c, colaboraram investigadores do Centro de Investigação em Agronomia, Alimentos, Ambiente e Paisagem, no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro.

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.