Afinal o coração das moscas acelera quando estão em perigo, tal como o nosso

Mosca-da-fruta da espécie Drosophila melanogaster. Foto: Parent Géry/Wiki Commons

Cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, fizeram uma descoberta que os surpreendeu: analisaram a actividade do coração da mosca-da-fruta e concluíram que reage de forma semelhante ao dos humanos.

Já se sabia que, tal como o coração humano, o coração de outros animais vertebrados – incluindo rãs, gatos e cães – começa a bater mais depressa quando estão em situações de perigo.

Agora, investigadores do Centro Champalimaud descobriram que o mesmo acontece com as moscas. As conclusões do estudo desta equipa foram publicadas esta quarta-feira na revista científica Current Biology.

“Ficámos muito surpreendidos por este resultado”, afirma Marta Moita, neurocientista e uma das autoras do artigo científico, citada num comunicado divulgado pelo Centro Champalimaud. “Sabemos que quando os vertebrados enfrentam uma ameaça, o seu sistema nervoso autónomo entra em acção, gerando as mudanças com que estamos familiarizados na actividade cardíaca. No entanto, esse sistema não existe nos insectos, e por isso não era claro se iriam exibir alterações cardíacas similares.”

As moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster) são muitas vezes usadas para projectos relacionados com cardiologia, uma vez que partilham muitos genes com os humanos. Mas até hoje, pouca atenção tinha sido dada à forma como o animal reage em situações de perigo.

Os investigadores observaram de perto o coração deste insecto, que é uma estrutura minúscula formada por apenas duas filas de células. A actividade cardíaca foi seguida através do exoesqueleto transparente do insecto enquanto a mosca se movia, com a ajuda de moléculas fluorescentes que iluminaram as células do coração. Por vezes, o insecto era confrontado com um círculo negro a crescer num ecrã à sua frente, que parecia uma ameaça a aproximar-se.

O coração da mosca (à esq.) – uma estrutura minúscula com duas filas de células – é observado de forma não invasiva enquanto a mosca caminha livremente num aparelho feito à medida (à dir.). Foto: Charlotte Rosher, Moita lab, Champalimaud Foundation

“É fantástico que tal como nos humanos, o coração da mosca tenha alterado a sua actividade dependendo da resposta de defesa assumida”, nota Natalia Barrios, também autora do novo estudo. “Se a mosca se decidia pela fuga, o coração acelerava; mas se a mosca ‘congelava’ no lugar durante algum tempo, o bater do coração abrandava.”

Uma vez que as moscas não possuem um sistema nervoso autónomo, a equipa ficou intrigada com as causas possíveis desta mudança na actividade cardíaca.

‘Congelar’ é diferente do que se pensava

Mas essa não foi a única observação surpreendente. A equipa do Centro Champalimaud decidiu observar mais de perto o coração da mosca-da-fruta, muito diferente do coração humano – trata-se de um simples tubo. “E como o corpo da mosca-da-fruta está essencialmente dividido em dois compartimentos selados, o coração alterna o bombeamento nas duas direcções”, descreve Natalia Barrios.

Ora, a equipa percebeu que o coração da mosca bombeia mais sangue em situações de fuga, mas também quando o insecto fica completamente quieto, ‘congelando’ perante uma suposta ameaça. “Bombear mais nutrientes para a parte da frente quando está a fugir faz sentido pois é onde se situam o cérebro, patas e asas, onde fica a acção; mas não esperávamos que acontecesse o mesmo quando a mosca ‘congela’.”

Até agora, segundo os investigadores, ‘congelar’ era considerada uma acção de poupança de energia. Mas na verdade, pode ser afinal uma acção de preparação activa. “Agora a questão é: para o que é que a mosca se está a preparar? E qual é o leque de acções que se podem seguir e como é que o cérebro faz essa escolha?”, acrescenta Marta Moita.

Os cientistas pretendem investigar as respostas para estas e outras perguntas sobre a mosca-da-fruta. O objectivo é partir desses resultados para procurarem compreender como é que o cérebro controla o comportamento de outros animais, incluindo os humanos.


Saiba mais.

Recorde também porque é que as moscas são tão mais rápidas do que os humanos.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.