Afinal, os veados ibéricos são únicos na Europa

Os veados que vivem em Portugal e Espanha são únicos, diferentes geneticamente dos veados do resto da Europa, revela um novo estudo. Investigadores defendem a preservação deste património único antes que se perca sem darmos conta.

 

Os veados da Península Ibérica têm uma história evolutiva diferente da dos veados do resto da Europa, revelou um estudo publicado a 8 de Janeiro na revista PLOS ONE por uma equipa liderada por investigadores portugueses.

Até agora pensava-se que os veados do Centro e Norte da Europa tinham tido origem na Península Ibérica, um dos refúgios do último máximo glaciar do Pleistoceno, há cerca de 27-19 mil anos. Nessa altura, a maior parte da Europa ficou coberta de gelo e apenas sobreviveram algumas populações de veados que se refugiaram em zonas com condições climáticas mais favoráveis. Como a Península Ibérica.

Mas o estudo, liderado por João Queirós e Paulo Célio Alves – investigadores do CIBIO-InBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – revela que, afinal, os veados que hoje vivem no Centro e Norte da Europa tiveram origem noutro refúgio glacial, a Norte dos Pirenéus.

Além disso, os investigadores descobriram que os veados da Península Ibérica têm características genéticas únicas. “Há, claramente, uma diferenciação genética entre as populações contemporâneas de veados ibéricos e europeus, ao contrário do que se pensava até agora”, disse à Wilder João Queirós.

“Muito provavelmente, as populações dos refúgios a Norte do Pirenéus e a Sul, na Península Ibérica, terão ficado isoladas e ter-se-ão expandido em direções opostas”, explicou João Queirós.

Para chegar a esta conclusão os investigadores recolheram dados genéticos de diferentes porções do ADN, a mais de 900 veados espalhados pela Península Ibérica e por outras regiões da Europa. João Queirós explicou que foram analisados o ADN mitocondrial e também marcadores nucleares.

“Milhares de anos de isolamento geográfico entre as populações ibéricas e as restantes populações europeias, e a consequente evolução e adaptação que ocorreram de maneira independente nos diferentes ecossistemas, traduzem-se hoje numa evidente diferenciação genética entre o veado ibérico e o veado europeu”, comentou, em comunicado, Paulo Célio Alves, investigador do CIBIO-InBIO e professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

E há diferenças visíveis entre os veados ibéricos e os veados do resto da Europa. João Queirós explicou que os veados ibéricos tendem a ser mais pequenos, e com hastes mais pequenas, do que os outros veados europeus. Isto explica-se, em parte, porque “o clima na Península Ibérica é mais agreste, mais seco e com menos recursos alimentares”. “Ao longo de 20.000 anos, estes veados conseguiram adaptar-se ao nosso clima. Estão mais bem adaptados do que os veados do Centro e Norte da Europa”, disse o investigador.

Por isso, os autores salientam a importância de preservar as características genéticas únicas das populações de veados da Península Ibérica. “É bom termos a consciência de que devemos preservar o veado ibérico e este património genético que é único”, disse à Wilder João Queirós.

 

Preservar um património único

O veado (Cervus elaphus) é o maior herbívoro selvagem da Península Ibérica. Um veado adulto pesa, em média, cerca de 170 quilos.

Em Portugal, estes animais grandiosos vivem, por exemplo, no Parque Natural de Montesinho, na Serra da Lousã, no Tejo Internacional, no Parque Natural de São Mamede, na Serra Algarvia e em várias herdades do Alentejo.

No início do século XX, os veados da Península Ibérica sofreram uma redução drástica na sua distribuição geográfica, resultante da sobre-exploração pelo homem.

No entanto, a partir de meados do século passado, com a regulação da caça e o fomento da espécie em Espanha, as populações de veado sofreram uma grande expansão geográfica.

Mas, apesar de as populações existirem em grande número, nem sempre significa que tenham níveis elevados de diversidade genética. É preciso avaliar caso a caso. Nem todas as populações de veados são iguais. Segundo João Queirós, há variações na diversidade genética entre populações que vivem em cercados, as que vivem em áreas protegidas e as que são populações abertas, ou seja, que podem deambular por qualquer lado. “Há umas que têm grandes níveis de diversidade e há outras com níveis mais baixos”.

Quanto maior a diversidade genética, melhor os veados conseguem “resistir às adversidades que possam acontecer”. Como a tuberculose. “Em Espanha a situação é muito mais dramática mas Portugal para lá caminha”. Populações com elevados níveis de consanguinidade (menor diversidade genética) são as mais susceptiveis ao desenvolvimento da doença.

O artigo agora publicado – que conta com a participação de mais sete instituições nacionais e internacionais -, quer ajudar a gerir e a conservar esta espécie, nomeadamente através de novas diretrizes na gestão das populações de veados.

“Esta grande divergência genética tem implicações em termos de conservação de espécies e das populações”, lembrou João Queirós.

De acordo com os autores do estudo, “acções como a introdução de veados de outras regiões da Europa, com características genéticas distintas, podem constituir uma ameaça à sobrevivência das populações da Península Ibérica”.

“Apenas assegurando o património genético único dos veados ibéricos e a sua elevada diversidade genética será possível, no futuro, ter populações viáveis e com capacidade adaptativa suficiente para suportar as alterações climáticas e eventuais agentes patogénicos emergentes”.

“É muito importante preservarmos o que temos, o que evoluiu aqui. Se não tivermos esta consciência, podemos perdê-lo sem nos darmos conta. Podemos perder o nosso património genético”.

Segundo João Queirós, as linhas de investigação não se esgotaram. Os esforços vão concentrar-se agora em saber qual o impacto que o Homem tem causado nas populações de veados.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Torne-se um perito e saiba como encontrar veados, gamos e corços em Portugal. E ainda o que é a brama dos veados.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra mais sobre o projecto de reintrodução de veados na Serra da Lousã.

 

[divider type=”thick”]Precisamos de pedir-lhe um pequeno favor…

Se gosta daquilo que fazemos, agora já pode ajudar a Wilder. Adquira a ilustração “Menina observadora de aves” e contribua para o jornalismo de natureza. Saiba como aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.