Peixe unicórnio elegante. Foto: MathieuTTL/WikiCommons

Alterações climáticas estão a mudar relação entre peixes do mar

Peixes limpadores da grande barreira de coral australiana podem deixar de limpar outras espécies, alerta estudo internacional liderado por investigadores portugueses.

Nos recifes de coral, a maioria dos peixes é “cliente” dos peixes limpadores. Estes libertam-nos de parasitas e de pele morta e até os ajudam a aliviar o stress.

É isto que acontece, por exemplo, entre o peixe-limpador da espécie Labroides dimidiatus e o peixe unicórnio-elegante (Naso elegans).

Peixe unicórnio elegante. Foto: MathieuTTL/WikiCommons

Até agora eram pouco conhecidos os potenciais efeitos do aumento da temperatura da água dos oceanos e da acidificação nestas carismáticas associações entre peixes.

Um estudo internacional – coordenado por investigadores portugueses pólo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) – quis saber que consequências podem ter as alterações climáticas nas relações entre estas duas espécies de peixes.

Quatro peixes-balão-de-espinhos-longos (Diodon holacanthus) à espera dos serviços de limpeza de dois peixes limpadores. Foto: Divervincent/WikiCommons

Num artigo publicado a 4 de Setembro na revista Scientic Reports do grupo Nature, os investigadores concluíram que, “após uma longa exposição a água mais quente e mais ácida, os peixes limpadores – Labroides dimidiatus – reduzem a motivação para interagir com outros peixes do recife de coral”, explica um comunicado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

O trabalho, realizado no Laboratório Marítimo da Guia – onde há um grupo de investigação que estuda o impacto das alterações climáticas nos organismos marinhos -, usou valores de temperatura e de pH previstos pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) para o fim do século.

Segundo os investigadores, o aumento da temperatura da água e da sua acidez causam alterações neurobiológicas associadas ao comportamento limpador dos peixes.

Ou seja, ao estudar o funcionamento do cérebro destes peixes, os cientistas “perceberam que as alterações observadas estavam correlacionadas com mudanças nos níveis de neurotransmissores no cérebro (dopamina e serotonina)”.

“Acreditamos que estas mudanças neurobiológicas associadas ao comportamento limpador podem afectar a manutenção das estruturas comunitárias dos recifes de coral”, escrevem os autores no artigo científico.

Isto porque, estas relações entre peixes “modelam a diversidade, abundância e recrutamento de inúmeras espécies de peixes”, segundo o comunicado.

“Perceber como as alterações climáticas podem afetar estes mutualismos é uma prioridade para a investigação marinha.”

O trabalho, iniciado em Novembro de 2014, contou com a colaboração de investigadores da Universidade Nova de Lisboa, da Universidade de Uppsala, na Suécia e da Universidade de James Cook, na Austrália.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.