Inundações. Foto: Markus Distelrath/Pixabay

Alterações climáticas já afectam todas as regiões do planeta

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O planeta está a aquecer por nossa causa, trazendo mudanças nunca antes vistas a pessoas, plantas e animais. O mais completo relatório científico mundial sobre alterações climáticas, divulgado hoje, avisa que temos de tomar medidas drásticas já, sob pena de ser tarde demais. Mas “ainda ninguém perdeu a esperança”.

Este relatório Alterações Climáticas 2021, elaborado pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em Inglês), expande o nosso conhecimento sobre as alterações climáticas e avaliou cinco cenários para o futuro. Em todos eles, o planeta vai chegar ou ultrapassar o aumento de 1,5ºC de temperatura média (esse aumento é considerado o seguro para a humanidade e a biosfera). Foi feito com base em 14.000 artigos científicos, tendo trabalhado quantidades massivas de dados. Teve 234 autores de 65 países e recebeu 78.000 comentários de peritos e Governos.

Hoje foi apresentado publicamente numa conferência de imprensa virtual.

Os avanços na Ciência nos últimos anos permitiram-nos ter hoje a imagem mais clara de sempre de como funciona o sistema climático e de como as actividades humanas o afectam. “Sabemos hoje melhor do que nunca como o clima tem mudado, como está a mudar e como irá mudar no futuro”, disse, em conferência de imprensa esta manhã, Valerie Masson-Delmotte (co-responsável pelo Grupo de Trabalho que elaborou este relatório).

Sabemos há décadas que o planeta está a aquecer. Mas as recentes mudanças climáticas são mais rápidas e intensas e passaram a afectar mais regiões. Algumas não têm precedentes. As temperaturas médias globais são as mais elevadas dos últimos 2.000 anos, pelo menos.

Segundo os autores, este relatório tem três mensagens principais: “é indiscutível que as actividades humanas estão a causar as alterações climáticas e a tornar fenómenos climatéricos mais frequentes, extremos e graves; as alterações climáticas estão a afectar todas as regiões do nosso planeta; e é preciso reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) de forma rápida, forte e sustentada para travar o aquecimento global”.

As alterações climáticas são hoje mais visíveis e tornaram-se presença assídua em telejornais e jornais de todo o mundo: temperaturas recorde, secas, incêndios florestais (como os da Grécia e da Califórnia), inundações (na Europa Central e na China), tempestades tropicais, furacões, tufões e ciclones.

Para Valerie Masson-Delmotte, “uma das mensagens mais importantes deste relatório é que as alterações climáticas já estão a afectar todas as regiões do nosso planeta”. E que cada percentagem de novo aquecimento vai afectar todas as regiões de múltiplas formas.

Mas a temperatura não é o único aspecto que está a mudar. Os níveis de concentração de gases com efeito de estufa (GEE) continuam a aumentar. A concentração de CO2 hoje é a mais elevada dos últimos dois milhões de anos. Nos últimos 3.000 anos, o nível do mar tem aumentado ao ritmo mais rápido de sempre. A área de gelo no Árctico é a mais reduzida em pelo menos 1.000 anos. E o recuo dos glaciares não tem precedentes em, pelo menos, 2.000 anos.

As consequências estão por toda a parte.

As ondas de calor são mais frequentes e intensas desde a década de 1950. E alguns episódios de calor extremo na última década seriam extremamente improváveis sem a influência humana.

Além das ondas de calor, os episódios de precipitações são mais frequentes e intensos, há mais secas em algumas regiões, os fogos florestais são mais frequentes e os oceanos estão mais quentes, ácidos e com menos oxigénio.

Tudo isto afecta não só pessoas mas também plantas e animais.

O que vai acontecer e o que precisamos fazer

Vai haver mais aquecimento nas próximas décadas. “O relatório mostra que nos próximos 20 anos, o aumento do aquecimento médio mundial vai chegar ou ultrapassar os 1,5ºC acima das médias do final do século XVIII”.

“O que é claro neste relatório é que a menos que hajam reduções das emissões de GEE imediatas, rápidas e a larga escala, estará fora do nosso alcance limitar o aumento do aquecimento a 1,5ºC”, alertou Valerie Masson-Delmotte.

O nosso objectivo é atingir um aumento de 1,5ºC para bem da Humanidade e da Biosfera. Mas em vez disso vamos a caminho dos 3ºC. As actuais medidas não são suficientes para travar o calor extremo, a perda de capacidade na produção alimentar, os incêndios, o aumento do nível do mar, a crise dos refugiados do clima e os impactos na economia mundial e na biosfera.

Ainda temos hipóteses de travar os impactos negativos das alterações climáticas, limitando o uso dos combustíveis fósseis e parando a desflorestação. Ainda ninguém perdeu a esperança.

“Mas se reduzirmos rapidamente as emissões, se atingirmos as zero emissões líquidas à escala mundial em 2050, é extremamente provável conseguirmos manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC”. Se fizermos isso, a temperatura poderá baixar gradualmente para cerca de 1.5ºC no final deste século.

Contamos com a ajuda de sumidouros naturais, como os oceanos e as florestas. Hoje, estes sequestram 56% do CO2 que emitimos por ano. O problema é que a sua eficácia poderá estar em causa se continuarmos a aumentar as emissões.

Se as emissões continuarem na tendência actual, chegaremos aos 2ºC em meados deste século. Cada grau adicional de aquecimento irá causar ainda mais fenómenos extremos. Por exemplo, a precipitação extrema intensificar-se-á em 7% por cada 1ºC adicional.

Há mudanças que vão continuar por centenas ou milhares de anos, como a subida do nível do mar, o degelo dos glaciares e a redução do gelo e neve no Árctico. Além da mitigação é preciso prestar atenção à adaptação porque a tendência negativo do clima vai continuar por séculos ou milhares de anos.

É claro como a água: temos de aumentar o nível de ambição das medidas de mitigação na COP26 em Glasgow, em Novembro. Essa conferência vai ser um marco crítico. Este novo relatório – com um atlas interactivo que mostra os cenários climáticos futuros (com aumentos de 1,5ºC, 2ºC, 3ºC e 4ºC) e os seus impactos na temperatura e precipitação – vai ser uma ferramenta valiosa para os decisores políticos.

“É indiscutível que as actividades humanas estão a causar as alterações climáticas, tornando mais frequentes e severos eventos climatéricos como as ondas de calor, precipitação intensa e secas”, escreveram os autores.

Neste relatório, os peritos olharam para todos os gases que afectam o clima e confirmaram que as emissões causadas pelos humanos são o maior causador do aquecimento global. A maioria do CO2 emitido vem da queima dos combustíveis fósseis.

A verdade é que, por exemplo, a influência humana tem sido o maior responsável pelo aquecimento e acidificação dos oceanos desde a década de 1970. E pelas mudanças registadas nas áreas geladas do planeta, nomeadamente o recuo dos glaciares desde 1990 e a redução de 40% no gelo do mar no Árctico desde 1979.

A única forma de limitar o aquecimento global é chegar a emissões de CO2 zero (balanço zero entre as quantidades emitidas e as quantidades sequestradas) à escala mundial. Cada tonelada que emitimos a mais agrava o aquecimento global.

Para ajudar os decisores políticos, este relatório adicionou mais informação nova à escala regional. Na verdade, um terço do relatório é dedicado à informação climática regional.

A boa notícia é que algumas mudanças irreversíveis podem ser abrandadas (como o recuo dos glaciares) com reduções rápidas das emissões e outras podem mesmo ser travadas se as emissões forem profundamente reduzidas.

O relatório mostra que é possível limitar o aquecimento futuro global em poucas décadas.

“O clima que teremos no futuro depende das decisões que tomarmos agora”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.