Aluno da Universidade de Évora está a montar rede de gravação acústica de aves e morcegos

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João Albuquerque quer saber como a chuva e a temperatura influenciam a vida de pássaros, mochos, corujas e morcegos nos campos de Évora. Para isso está a montar uma rede de aparelhos de gravação acústica, um método que salienta ser não invasivo para os animais.

De Março a meados de Junho, João Albuquerque, 21 anos e finalista da Licenciatura em Biologia na Universidade de Évora, está dedicado a ouvir as aves e os morcegos que vivem na Herdade da Mitra, espaço com 290 hectares da Universidade de Évora.

uma coruja-das-torres em voo
Coruja-das-torres. Foto: Edd Deane/Wiki Commons

O seu principal objectivo é “quantificar as relações entre os fatores meteorológicos e a ocorrência e atividade espacial e temporal de aves e morcegos”, explica à Wilder. “Penso que isto seja de extrema importância para ajudar a entender melhor de que modo os fatores meteorológicos interferem com as avaliações dos impactos das atividades humanas na biodiversidade, sendo muitas vezes um fator negligenciado.”

As espécies na mira deste aluno de Biologia são, sobretudo, pássaros (Passeriformes), mochos e corujas (Strigiformes), e morcegos das famílias Vespertilionidae e Rhinolophidae.

Zona de montado esparso. Foto: João Albuquerque

Mas para recolher os dados sobre a ocorrência das espécies na Herdade da Mitra, João Albuquerque decidiu deixar de lado a anilhagem ou os percursos de observação. Optou por fazer uma monitorização acústica.

Assim foram colocados cinco Audiomoths, aparelhos de gravação acústica de espetro completo, capazes de gravar não só a gama do audível como também frequências na gama dos ultrasons. Estes aparelhos estão a gravar as vocalizações de aves e de morcegos que depois serão identificadas com ferramentas de machine learning (BirdNET para as gravações de aves, Kaleidoscope Pro Analysis Software para as gravações de morcegos). Estas “irão dar-nos dar sugestões de espécies com diferentes níveis de confiança”.

Os aparelhos foram colocados em cinco zonas diferentes da Herdade: dois numa zona de montado denso onde não há pastoreio, perto do leito da Ribeira de Valverde; outros dois numa zona de montado esparso onde há pastoreio de vacas e cabras; e o último numa zona edificada.

Audiomoth colocado numa zona de montado esparso. Foto: João Albuquerque

Esta Herdade é o local ideal para este trabalho porque, explica João Albuquerque, tem “zonas completamente distintas no que diz respeito à sua ocupação e utilização antropogénica”. Além disso, há uma estação meteorológica no local que regista e disponibiliza informação a uma elevada resolução temporal.

“Na minha opinião, a grande mais-valia da utilização de aparelhos de gravação acústica é o facto de ser um método totalmente não-invasivo, reduzindo os níveis de stress do manuseio dos animais e o condicionamento dos comportamentos pela presença humana, a zero”, explica. “Permite-nos também obter gravações debaixo de quaisquer condições climatéricas, sem sacrificarmos um pobre humano debaixo de chuva torrencial ou de um sol abrasador na tentativa de registar todas as vocalizações que ouve.”

Além disso, a grande maioria das espécies “deixa-se ouvir, alto e em bom som, mas muitas vezes, diria na maior parte, não se deixam ser vistas”.

No final deste trabalho, João Albuquerque espera ter respostas para algumas perguntas.

“Há três hipóteses principais que pretendemos ver respondidas: primeiro, se há uma relação direta negativa entre o nível de precipitação e a atividade de cada um destes grupos de espécies; depois se há uma relação direta positiva entre a temperatura e atividade dos morcegos e, por fim, se os picos de atividade dos passeriformes ocorrem em valores intermédios de temperatura.”

O trabalho de João Albuquerque – que começou por ser uma vontade de fazer voluntariado e ajudar a montar uma rede de monitorização acústica na Herdade da Mitra, por sugestão de António Mira, professor na Universidade de Évora – está previsto ser apresentado perante um júri, composto por docentes da Unidade Curricular de Projeto em Ciências Biológicas II, dia 14 de Junho de 2022. O projecto conta ainda com a coorientação do Doutorando Denis Medinas.


Duas perguntas a João Albuquerque:

WILDER: Porque está a tirar a Licenciatura de Biologia?

João Albuquerque: Tenho 21 anos e desde que me lembro que quero ser biólogo, “quero estudar e ver animais”. Dito isto, a escolha da licenciatura em Biologia foi fácil. Já no que toca aos interesses dentro da área, variaram muito ao longo dos anos. Comecei por querer estudar o impacto positivo das Áreas Marinhas Protegidas nos stocks de pescas, passando depois para um interesse enorme por Botânica, que hoje em dia perdeu o lugar para uma paixão maior que todas as outras pela ecologia e taxonomia de Aves. Tornei-me fotógrafo e observador amador de aves, tentando registar o maior número de espécies no maior número de locais possíveis, bem como aprender a identificá-las e partilhando esses dados em plataformas de ciência cidadã.

WILDER: A que gostaria de se dedicar no futuro?

João Albuquerque: No futuro tenciono ingressar no Mestrado em Biologia da Conservação da Universidade de Évora e desenvolver a minha dissertação na Conservação de Rapinas ou pequenos Passeriformes. Sou um eterno interessado em temas de Conservação, partilhando uma visão não só funcional, mas também espiritual da biodiversidade e da Natureza. É a trabalhar no mundo da Ornitologia e Conservação que me imagino realizado.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.