Guaxinim. Foto: Dawn Beattie/WikiCommons

Ameaça do guaxinim ainda não chegou a Portugal mas estará iminente

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Durante um ano uma equipa de biólogos esteve a fazer o mais actual e completo retrato da presença do guaxinim em Portugal e em Espanha. Saiba qual o estado de ameaça que esta espécie exótica representa no nosso país.

Em Janeiro de 2020 falámos com Vasco Valdez, estudante de Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que partia numa missão: tentar descobrir como se está a expandir em Portugal o guaxinim (Procyon lotor), carnívoro de origem americana e uma das 100 espécies exóticas mais invasoras da Europa. Hoje está presente em pelo menos 27 países.

Guaxinim. Foto: Isiwal/WikiCommons

O guaxinim é uma ameaça para espécies nativas, como o visão-europeu (Mustela lutreola), o toirão (Mustela putorius), a lontra (Lutra lutra) ou ainda o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) e o mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera), espécie classificada como Em Perigo de Extinção.

Agora, Vasco Valdez está confiante em como os dados obtidos representam “de forma bastante aproximada a situação atual da espécie na Península Ibérica”. Ainda que o guaxinim seja um animal muito elusivo, sendo absolutamente noturno, o que dificulta a sua deteção.

Este estudo, publicado recentemente na revista científica Journal for Nature Conservation, olhou para a presença do guaxinim na parte continental da Península Ibérica, estudando artigos científicos e dados de peritos, de colecções zoológicas e de programas de erradicação de guaxinins em Espanha da última década. Em Portugal, o trabalho também aconteceu no campo, através de transectos, de 18 câmaras de foto-armadilhagem (instaladas nas margens do rio Erges, em Castelo Branco) e com a ajuda dos cidadãos que tivessem visto este animal.

Trabalho de campo nas margens do Rio Minho, Vila Nova de Cerveira. Foto: D.R.

A equipa percorreu um total de 40,8 quilómetros em duas áreas de Portugal (Noroeste e Centro-Este) ao longo das margens de diferentes rios das bacias hidrográficas do Minho, Lima, Cávado, Ave e Tejo, à procura de vestígios de guaxinim, como pegadas e rastos. A maior parte deste trabalho de campo (31,4 quilómetros) foi feito com a ajuda de Gretta, um cão treinado a detectar o cheiro desta espécie exótica.

“Percorremos, sempre que possível, pelo menos um quilómetro ao longo da margem dos rios e numa faixa perpendicular ao limite da água de até cerca de 50 metros”, explicou Vasco Valdez à Wilder. A equipa percorreu “troços de rios em ambientes mais urbanizados até troços pouco ou nada utilizados onde a perturbação humana era quase inexistente”, acrescentou.

Gretta em trabalho de campo nas margens do Rio Minho, Vila Nova de Cerveira. Foto: D.R.

A equipa de biólogos conseguiu um total de 1.039 registos de presença confirmada de guaxinim na Península Ibérica. Destes, 94% (980 registos) são de locais com evidência de populações reprodutoras e 6% (59 registos) são de indivíduos isolados.

A anterior estimativa para a Península Ibérica, feita há uma década, falava em apenas 160 registos de guaxinins. “Este aumento deve-se principalmente à ausência de publicação dos dados existentes em trabalhos que se realizam de forma nas diferentes comunidades autónomas de Espanha e pelo Ministério do Meio Ambiente de Espanha”, explicou Vasco Valdez. Quando as acções de controlo e erradicação, para que as populações desta espécie não aumentem, não são sistemáticas e são interrompidas (por exemplo devido devido à falta de financiamento), as populações vão aumentando pouco a pouco.

Segundo os autores do estudo, 79% das populações reprodutoras de guaxinim na Península Ibérica estão nas províncias de Madrid e Guadalajara. Mas também foram encontradas populações reprodutoras em Lugo, Ourense, Cantábria, Biscaia, Toledo, Huelva, Sevilha e Alicante.

Em Portugal os biólogos não encontraram “qualquer indício da presença de guaxinim” no país, disse Vasco Valdez. “A única ‘evidência’ que obtivemos foi a da Gretta, a cadela especialmente treinada para detetar guaxinins. A cadela fez um sinal muito fraco, na margem do rio Minho, em Monção, perto de onde tinha sido observado um guaxinim do lado espanhol. Contudo não tivemos em consideração este sinal devido à sua fraca intensidade que geralmente pode levar a erros, não querendo dizer com certeza que tenha sido induzido pela presença da espécie.”

Ainda assim, a equipa dá conta de 10 registos de presença de indivíduos isolados no nosso país. Neste registos estão incluídos “possíveis registos recolhidos no âmbito deste estudo, reportados por pessoas que observaram animais na natureza com uma descrição morfológica compatível com guaxinim, ainda que não tenha havido prova fotográfica para verificar a veracidade das ocorrências”, explicam os autores do estudo.

“Estes registos possíveis em Portugal foram identificados por pessoas que se interessaram pelo nosso trabalho e nos enviaram mensagem com a localização do avistamento e a descrição do animal observado. Contudo, nenhum destes registos foi confirmado fotograficamente. A nossa prospeção de campo incidiu em alguns dos locais destes registos e não encontrámos nenhum indício da presença da espécie. Como tal não podem ser tidos em conta como registos confirmados, visto que o guaxinim é uma espécie que muitas vezes pode ser confundida com o texugo e com a geneta devido à sua morfologia”, explicou o biólogo.

Além disso, a equipa identificou 16 locais, incluindo Zoos e colecções privadas de animais, com guaxinins em cativeiro na última década. Estes locais podem ser fontes de animais que fugiram de cativeiro. Aliás, as fugas de cativeiro serão a origem provável da expansão do guaxinim a nível ibérico. Por exemplo, foram registadas fugas de guaxinins em, pelo menos, dois voos de Espanha (em Lugo e Alicante).

Em Portugal foram identificados três locais com guaxinins em cativeiro. “Na altura em recolhemos os dados (2020) existiam, pelo menos, três locais com guaxinins em cativeiro registados em Portugal, incluindo em centros zoológicos públicos ou coleções privadas. As localizações são em Lisboa, Aldeia de João Pires (Castelo Branco) e Lavre (Évora). No total existiam pelo menos 5 indivíduos distribuídos pelas diferentes instalações, a maioria dos quais encontrando-se esterilizados”, explicou o biólogo.

A reprodução do guaxinim em Portugal estará iminente

Em Portugal ainda não são conhecidas populações reprodutoras da espécie. Mas, “se nada for feito, é muito provável que ao longo dos próximos anos o guaxinim seja detetado em território português e estabeleça populações reprodutoras, com potencial impacto negativo na biodiversidade nativa”, avisa Vasco Valdez.

“O guaxinim é uma espécie muito adaptável a novas regiões e, como mostrámos no nosso artigo, a Península Ibérica tem vários habitats favoráveis para a colonização para onde este animal ainda se pode expandir.”

Trabalho de campo nas margens do rio Lima. Foto: D.R.

Outra das conclusões desta investigação é que a grande maioria dos guaxinins na Península Ibérica foi localizada ao longo dos rios e de zonas húmidas, que parecem oferecer abundância de alimento (como o lagostim-do-Louisiana e aves aquáticas) e de refúgio (como árvores ocas).

Em Portugal, as principais bacias hidrográficas no Noroeste têm a maior probabilidade de uma invasão com sucesso desta espécie, apontam os investigadores.

Vasco Valdez explicou porquê. “Primeiro, porque são a zona em Portugal em que nosso modelo identificou como mais adequadas para a presença de guaxinins, face à sua produtividade primária, condições metereológicas e intensa rede hidrológica. Segundo, porque são zonas próximas de populações conhecidas de guaxinins em Espanha (incluindo na bacia do rio Lima em Ourense, próximo do Parque Nacional Peneda-Gerês) e uma vez que esta espécie é conhecida por migrar ao longo de cursos de água tornam-se áreas de alto risco para uma potencial invasão.”

“Estes resultados salientam uma ameaça iminente para Portugal, dado que a região Noroeste foi identificada como a área mais adequada e vulnerável a uma invasão, ainda que não tenham sido encontradas provas de populações reprodutoras estabelecidas durante os trabalhos de campo”, explicam os autores do artigo. Avançam, concretamente, o rio Minho na fronteira com Espanha. Este “é um habitat muito adequado e, por isso, é uma rota de invasão importante”. Além disso, há vários registos isolados em Espanha perto deste rio e um possível, mas não confirmado, na margem portuguesa.

O rio Lima também poderá ser uma importante rota de invasão, “já que atravessa os dois países e tem uma pequena população reprodutora num grande afluente em Espanha, a cinco quilómetros da fronteira com Portugal (perto da aldeia de Tourém, Montalegre), na província de Ourense. “Esta população, apesar de ter sido alvo de um programa de erradicação, ainda se mantém ativa, com alguns registos recentes, segundo fontes espanholas”, disse Vasco Valdez.

Trabalho de campo perto de Tourém. Foto: D.R.

Também o Rio Tejo poderá ser uma porta de entrada, “já que a maior população reprodutora de Espanha (em Madrid e Guadalajara) está na bacia do Tejo e foi feito um registo isolado em Cáceres, a oito quilómetros da fronteira portuguesa”.

Soluções?

Os investigadores acreditam que “uma invasão ainda pode ser evitada ou controlada em Portugal porque esta invasão ainda só agora está a começar”.

Esta equipa sugere que se comecem a monitorizar as zonas fronteiriças onde haja registos próximos em Espanha e aplicar programas de erradicação assim que a presença seja detetada.

Guaxinim. Foto: Dawn Beattie/WikiCommons

“Desta forma, torna-se urgente implementar um plano de acção nacional direcionado ao controlo desta espécie e de outros carnivoros invasores como o visão-americano (Neovison vison), à semelhança do já existente em Espanha”, defendeu Vasco Valdez.

Adicionalmente, sugerem uma “articulação com os planos de ação aplicados em Espanha”, o que traria, defendem, “vantagens para uma deteção precoce desta espécie em Portugal, para além de promover uma troca de informação mais eficaz acerca desta espécie entre os 2 países”.

Os investigadores pedem também o reforço da actual legislação que impõe a esterilização dos guaxinins em cativeiro e o seu registo no Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), pois é proibida a criação de espécies incluídas na Lista Nacional de Espécies Invasoras (Decreto-Lei nº 92/2019 e Decreto-Lei nº 565/99).

“A nossa proposta é que a legislação promova a segurança destas instalações para que não haja fugas destas ou de outras espécies exóticas, assegurando monitorizações regulares a estas instalações”, especificou Vasco Valdez.

A comunidade científica também tem trabalho pela frente dedicado a esta espécie exótica invasora. “Os próximos passos passam por identificar em concreto que impactos a presença de guaxinim tem na fauna nativa da Península Ibérica”, adiantou Vasco Valdez.

Além disso, “é importante também conhecer a ecologia espacio-temporal desta espécie invasora, ou seja, que habitats utiliza com mais frequência, qual a amplitude dos seus movimentos e a que hora do dia é mais ativa, num contexto ibérico. Percebendo estes comportamentos poderemos prever melhor os seus impactos e assegurar uma prevenção mais fácil e eficaz da sua ocorrência em liberdade”.


Saiba mais.

Saiba aqui como identificar um guaxinim na natureza.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.