lobo ibérico
Lobo ibérico conservado no Museu de História Natural, Lisboa. Foto: Joana Bourgard

Ameaça dos venenos na vida selvagem em debate hoje em Lisboa

A dimensão do problema dos venenos que, apesar de serem ilegais há décadas, ainda matam animais em Portugal e novas soluções para o combater estarão esta tarde em debate pela comunidade conservacionista em Lisboa.

 

O debate público “Veneno e fauna selvagem”, organizado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN), acontecerá a partir das 17h00 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A moderação estará a cargo da jornalista da Wilder Inês Sequeira.

O veneno é uma arma usada há milhares de anos numa guerra contra os animais selvagens. As razões são várias mas o resultado é sempre o mesmo. Um pouco por todo o país há veneno escondido nos campos e nas cidades e a morte surge mais ou menos rápida, mas sempre dolorosa.

“A ocorrência de casos estende-se por todo o território nacional mas com maior incidência, no caso da fauna selvagem, nas regiões interiores, em particular nos distritos de Castelo Branco, Portalegre e Beja”, segundo um comunicado da SPEA.

A ameaça dos venenos é especialmente grave para espécies muito ameaçadas como o lince-ibérico, o lobo-ibérico, o abutre-preto, o britango ou a águia-imperial-ibérica.

Nesta história, o dia 8 de Novembro de 2003 ficou como um marco. Em Idanha-a-Nova, 33 grifos, três abutres-pretos e três milhafres-reais morreram por terem ingerido uma ovelha com veneno, destinada a matar cães assilvestrados.

A 12 de Março de 2015, a lince Kayakweru, então com dois anos, foi encontrada morta na região de Mértola, onde tinha sido libertada, no âmbito do projecto de conservação Iberlince. O resultado da necropsia confirmou que morreu por envenenamento.

Em Novembro de 2016, a LPN e a GNR encontraram envenenados nove milhares-reais, uma águia-imperial e uma raposa em Castro Verde, naquele que é o caso mais grave registado no Alentejo, desde que há registos.

E em Novembro de 2018, um casal de abutres-do-Egipto foi encontrado morto no Parque Natural do Douro Internacional, envenenado com carbofurão, um veneno ilegal.

“Estes envenenamentos não nos preocupam apenas por causa da biodiversidade, pois são também uma ameaça séria para animais domésticos e para a saúde pública”, disse à Wilder, no final do ano passado, Joaquim Teodósio, da SPEA.

Por que razão se espalham venenos? “Depende”, disse anteriormente à Wilder Ricardo Brandão, médico veterinário coordenador do CERVAS (Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens), em Gouveia. Ricardo conhece histórias de pássaros envenenados por comerem fruta nos pomares, lontras mortas por pescadores de rio ou crias de aves mortas nos ninhos porque os progenitores lhes deram alimento tóxico sem disso se aperceberem. Mas estes não são os casos mais frequentes.

“Nas zonas onde há carnívoros, como o lobo-ibérico, o veneno é uma perseguição directa para proteger o gado. Isto acontece mais no Minho e em Trás-os-Montes. Já na Beira Interior e no Alentejo é mais pela gestão cinegética e os iscos são colocados para matar raposas e sacarrabos”, explicou à Wilder.

Entre as medidas para tentar travar e investigar esta ameaça conta-se a criação de equipas cinotécnicas do Sepna, em que agentes e cães-polícia se especializaram na detecção de venenos.

“É fundamental que haja uma preocupação com o problema dos venenos a nível nacional e nas zonas de fronteira com Espanha, país onde a investigação a este nível está bem mais avançada, pois em Portugal só se detectam os casos que ocorrem em zonas onde estão a decorrer projectos como o LIFE Rupis e o LIFE Imperial”, avisou Joaquim Teodósio. “Quando ainda funcionava, o programa Antídoto recolhia informações sobre ocorrências destas em todo o país.”

No debate sobre a dimensão do problema dos venenos em Portugal e a implementação de novos procedimentos para o combater estarão o tenente Luís Filipe Rodrigues Pires (Grupo de Intervenção Cinotécnica/Unidade de Intervenção da GNR), Domingos Leitão (director executivo da SPEA), Paulo Marques (da LPN), Francisco Petrucci-Fonseca (Presidente Grupo Lobo), João Loureiro (Chefe da Divisão de Gestão de Espécies da Fauna e da Flora, ICNF), Ricardo Brandão (do CERVAS) e David de la Bodega, coordenador do projeto Life Nature Guardians, Sociedade Española de Ornitologia (SEO/BirdLife).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.