Ostraceiros que invernam na Islândia. Foto: Sölvi Vignisson

Animais do Ártico estão a mudar comportamentos em resposta às alterações climáticas

Estas espécies estão na linha da frente dos efeitos das alterações climáticas, avisam cerca de 150 investigadores de mais de 100 instituições, que assinam um artigo na Science.

Estes cientistas monitorizam há 30 anos os movimentos dos animais que habitam na zona polar ártica, junto ao Pólo Norte. E chegaram a uma conclusão: “As alterações climáticas que levaram o Ártico a entrar num novo estado ecológico provocaram alterações na dinâmica espácio-temporal dos animais que habitam a região”, avança em comunicado a Universidade de Aveiro (UA), à qual está ligado José Alves, um dos co-autores do artigo publicado esta quinta-feira na Science.

O trabalho demonstra também que nem todas as espécies estão a reagir às mudanças. As aves migradoras, por exemplo, “alteraram os seus padrões migratórios”, enquanto “várias populações de renas mudaram a sua fenologia reprodutora em resposta às alterações climáticas no Ártico”.

Em contrapartida, “ursos, alces e lobos não modificaram as suas taxas de deslocação em resposta à precipitação.” Isto embora os alces se movimentem mais com as temperaturas mais altas no Verão, o que segundo os investigadores sugere “diferenças nestas respostas em diferentes níveis tróficos do ecossistema ártico”.

Bando de ostraceiros em voo em Hvalfjörður, na costa oeste da Islândia. Foto: Sölvi Vignisson

Nesta região “o aquecimento global tem-se manifestado de forma muito notória” devido a um fenómeno conhecido por amplificação polar ártica, através do qual “as temperaturas têm aumentado nos polos de forma mais acentuada do que no resto do globo”.

Transmissores GPS em miniatura

À medida que crescia o interesse dos cientistas, foi diminuindo o tamanho dos localizadores GPS que a tecnologia permite usar, incluindo aparelhos com precisão que pesam apenas um grama. Resultado? Hoje é possível acompanhar animais à distância de uma maneira que há alguns anos seria impraticável.

“Desde mamíferos marinhos, como baleias e focas, a aves terrestres, como são exemplo as águias e os passeriformes, passando pelas aves marinhas, como a andorinha-do-mar ou o airo, e mamíferos terrestres, como ursos e renas, até às aves limícolas, como o ostraceiro ou o maçarico-de-bico-direito, todos estes animais têm cada vez mais sido alvos de programas de monitorização remota.” No total, há hoje 201 espécies acompanhadas no Ártico, “transformando esses indivíduos em autênticos bio-sensores.”

O seguimento de indivíduos de todas estas espécies “com muita precisão” permite perceber como estão a reagir – ou não – às alterações climáticas.

Respostas há, mas nem sempre favoráveis

Mas apesar das mudanças de comportamento mostradas por alguns animais, estas nem sempre “são suficientes ou se traduzem em resultados favoráveis para estas populações”, concluíram os cientistas.

Exemplo disso são os ostraceiros, uma das aves limícolas que José Alves estuda na Islândia desde 2006, conhecida como uma espécie que migra para o Reino Unido, Irlanda e outros países europeus nos meses mais frios.

Na Islândia, há cada vez mais ostraceiros que permanecem no país todos os meses do ano, uma mudança de comportamento que se relaciona com os Invernos cada vez mais amenos neste país. No entanto, como explica José Alves,  “quando há um Inverno mais rigoroso, como no ano passado, várias destas aves acabam por morrer! E esse é um preço muito alto a pagar”.

Outras alterações prendem-se com a fonologia de algumas aves limícolas. Por exemplo, “o maçarico-de-bico-direito tira partido da antecipação da Primavera, chegando às zonas de reprodução na Islândia cada vez mais cedo no ano”.

Macarico-de-bico-direito (Limosa limosa) capturado no seu território de reprodução em Floi í Fridland, Islândia, que recebeu um transmissor para seguimento detalhado dos seus movimentos. Foto: Verónica Mendez

No entanto, também os agricultores estão a reagir: o aumento dos dias com temperaturas favoráveis leva a que “expandam a área agrícola, pois têm mais tempo para tirar partido de épocas mais longas para crescimento de feno (uma das poucas culturas viáveis nestas latitudes)”. O resultado é que sem espaço para colocar os ninhos no habitat natural, os maçaricos optam cada vez mais pelas zonas agrícolas. 

Mas o crescimento rápido do feno não permite que haja tempo para incubar os ovos e fazer com que as crias dos maçaricos estejam suficientemente grandes quando começa a ceifa, para escaparem às máquinas. “O tempo de incubação e crescimento das crias é praticamente o mesmo, independentemente da temperatura. Estes ritmos não se alteram muito devido a factores extrínsecos”, explica o investigador português.

Assim, estes “são processos que estão ajustados aos habitats naturais no ártico e sub-ártico, mas desadequados para feno de crescimento rápido plantado nestes habitats artificiais, que se têm expandindo devido às alterações climáticas que aí se fazem sentir”.

Como evitar a 6ª vaga de extinção?

José Alves sugere que, numa altura em que se planeia o relançamento da economia na Europa, se façam esforços para reduzir as emissões de carbono, pois dessa forma será possível limitar o aquecimento global “que se faz sentir de forma muito prevalente no Ártico”: “É preciso dar tempo a estas espécies de responder às alterações que enfrentam, para que se evite a cada vez mais evidente sexta vaga de extinção, que é consequência da acção humana”, apela. 

O biólogo José Alves segura um moleiro-parasítico (Stercorarius parasiticus), ave predadora do ecossistema ártico, marcado no sopé do glaciar Eyjafjallajökull, Islândia. Foto: Verónica Méndez

O artigo científico publicado esta quinta-feira tem por base uma grande base de dados que permitiu a criação do AAMA – Arctic Animal Movement Archive. E os cientistas não querem ficar por aqui. Pedem a contribuição de mais investigadores, para que essas informações originem novas descobertas.

Nestes meses de Outono, a equipa de José Alves está a monitorizar e a seguir as aves limícolas no estuário do Tejo. “Muitas destas espécies migram para o ártico e sub-ártico na Primavera e a maior e mais importante zona húmida de Portugal para as aves limícolas desempenha um papel fundamental nesta fase do ano, permitindo que estas aves cheguem nas melhores condições aos seus locais de nidificação nessa região”, explica a Universidade de Aveiro. 

O conhecimento adquirido pelos investigadores nas últimas décadas ao longo da rota migratória do Atlântico Leste, que passa por vários países, incluindo a Islândia e Portugal, “tem sido crucial para a implementação de medidas de conservação para estas aves.”


Saiba mais.

Recorde porque é que José Alves ficou fascinado com a resistência de uma outra ave migradora, o maçarico-galego, nesta entrevista que deu à Wilder em 2016.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.