Arranca hoje a temporada de anilhagem de aves nidificantes em Portugal

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Melros, toutinegras, chapins, piscos-de-peito-ruivo e tantas outras espécies nidificantes começam hoje a ser anilhadas em várias estações espalhadas por Portugal, num trabalho que só terminará a 22 de Julho. Nos últimos 15 anos já foram anilhadas mais de 20.800 aves pelo Projecto Estações de Esforço Constante.

Todos os anos é assim. Quando começa a época de reprodução das aves, as Estações de Esforço Constante (EEC) ganham vida, enchendo-se de anilhadores credenciados, com as suas redes, alicates, anilhas e guias de identificação.

Foto: Ricardo Jorge Lopes

São 18 as estações que fazem parte deste mapa da anilhagem em Portugal. Como as da Quinta da Atalaya (Estuário do Tejo), do Parque Biológico de Gaia, da Fonte da Benémola (Algarve) ou do EVOA (Vila Franca de Xira).

Mas nem todas participam todos os anos. “O número de EEC activas por ano tem-se mantido sempre superior a cinco, com flutuações”, explicou à Wilder Ricardo Jorge Lopes, investigador no CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) e curador de Aves no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto.

As anilhagens decorrem de 25 de Março a 22 de Julho. A cada período de 10 dias os anilhadores saem para o campo – para florestas, zonas húmidas ou de matos – e instalam redes verticais para capturar as aves. O dia de trabalho começa bem cedo, cerca de meia hora antes do nascer do Sol. Termina seis horas depois.

Foto: Ricardo Jorge Lopes

“Este projeto pretende monitorizar as aves nidificantes mais capturadas por intermédio da anilhagem e, por isso, decorre na época de reprodução, entre 25 de Março e 22 de Julho, com uma sessão de captura realizada em cada período de 10 dias, resultando um total de 12 sessões”, explicou Carlos Pacheco, da Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves (APAA).

O grande objectivo é descobrir qual a abundância das aves, qual a produtividade e sobrevivência das espécies mais representativas.

Foto: Ricardo Jorge Lopes

Graças a este esforço de anilhagem já sabemos hoje como têm estado a evoluir a longo termo as populações das aves que fazem ninho no nosso país. Por exemplo, há aves que hoje já não são tão abundantes, como o chapim-real (Parus major), que registou um declínio de 80% entre 2008 e 2020, a toutinegra-dos-valados (Sylvia melanocephala) com um declínio de 69%, e o melro-preto (Turdus merula) com um declínio de 62% no mesmo período.

As coisas parecem estar a correr melhor para o chapim-azul (Cyanistes caeruleus), que se mantém estável.

“Outras, como por exemplo o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), parecem estar a aumentar, mas há muita variabilidade entre estações para assegurar que essa tendência é significativa”, acrescentou Ricardo Jorge Lopes.

Foto: Ricardo Jorge Lopes

O objectivo destas EEC é tentar manter, de ano para ano, o mais igual e constante possível o número e posição da redes, bem como o tempo em que estas estão operacionais. Depois é preciso que os locais onde as redes estão localizadas não sofram alterações que que possam influenciar a captura das aves. Tudo para que as alterações no número de aves capturadas entre anos reflicta as variações reais da densidade das aves nesse local.

Este conceito começou a ser testado em Portugal em 2005, explica Vítor Encarnação, do CEMPA – Centro de Estudos de Migrações e Proteção de Aves, do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). “O conceito da obtenção de dados sobre as aves mais anilhadas, uniformizando o esforço de anilhagem, foi implementado pela primeira vez no Reino Unido. Vários países da Europa juntaram-se a essa iniciativa, que agora tem um contexto europeu, com a partilha de dados e análises ao nível regional ou europeu. Em 2001, o CEMPA-ICNF, com a colaboração da APAA (Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves), por iniciativa do seu presidente e sócio fundador (Paulo Tenreiro), começaram a testar o conceito, que após 2005 foi implementado em larga escala”. 

Mas faltam estações em algumas regiões do país, especialmente no interior. Ainda que por vezes haja falta de pessoas ou que o habitat se altere – o que leva à paragem de uma estação -, “tem sido possível manter um número adequado para ter resultados”, comentou Ricardo Jorge Lopes.

Foto: Ricardo Jorge Lopes

Segundo Vítor Encarnação, “a maioria destas 18 EEC são mantidas por um ou mais anilhadores credenciados, muitas vezes em grupos de anilhagem. Estes contam muitas vezes com a ajuda de vários voluntários, desde anilhadores aprendizes a qualquer pessoa interessada em participar em sessões de anilhagem”.

Por isso, acrescentou, “este projecto é bastante importante como dinamizador da formação de novos anilhadores e como uma oportunidade para qualquer cidadão participar em projectos de monitorização nacionais”.

Os dados recolhidos durante as sessões de anilhagem “são armazenados numa base de dados central e analisados pelo grupo de trabalho para posterior divulgação e utilização”, disse Ricardo Jorge Lopes. “Por exemplo, estes dados podem ser utilizados para avaliar as tendências destas espécies na futura Lista Vermelha das Aves ou nos relatórios nacionais da implementação da Directiva Aves em Portugal.”

Foto: Ricardo Jorge Lopes

“No futuro será possível também obter dados robustos sobre o sucesso reprodutivo, devido ao facto de serem capturadas aves adultas e juvenis e também sobre a sobrevivência a longo termo, porque muitas aves são recapturadas em várias épocas de amostragem.”

Para 2021, o maior desafio deste projecto é o estado de pandemia. “O contexto de pandemia em que nos encontramos foi e continua a ser um desafio, que tem sido superado com o empenho dos anilhadores, que conseguiram manter e aumentar o número de EEC em 2020, mantendo as precauções necessárias”, salientou Carlos Pacheco. 

O objectivo principal para a temporada que agora começa é “continuar este esforço e promover e divulgar os resultados obtidos nestes 15 anos de esforço contínuo”.

O Projecto das Estações de Esforço Constante (PEEC) é coordenado por Ricardo Jorge Lopes (CIBIO-UP),  Vitor Encarnação (ICNF – CEMPA) e Carlos Pacheco (APAA). É da responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF – CEMPA), organizado em conjunto com a Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves (APAA) e o Centro de Investigação em Recursos Genéticos e Biodiversidade da Universidade do Porto (CIBIO-UP).


Agora é a sua vez.

Saiba como partipar:

Este projecto está aberto a todos os grupos de anilhagem e anilhadores com credencial de anilhagem de passeriformes. Informação detalhada sobre o programa e o protocolo pode ser consultada no site das EEC e no Manual. As estações activas devem enviar os dados anuais utilizando a Folha de introdução de dados.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.