Foto: Joana Bourgard

As três “armas” dos cidadãos na defesa do Estuário do Sado

O “não” às dragagens no Porto de Setúbal, e em defesa do Estuário do Sado, cresce com duas providências cautelares, uma petição pública com mais de 10.000 assinaturas e uma manifestação que juntou cerca de 500 pessoas em Setúbal.

 

Ao longo do último mês têm-se multiplicado os protestos da sociedade civil contra as obras de alargamento e aprofundamento do canal marítimo de acesso ao Porto de Setúbal, pela Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS). O objectivo do projecto, a executar entre 2018 e 2019, é permitir a passagem de navios porta-contentores de maior calado.

Na fase de construção está prevista a dragagem de cerca de 6,5 milhões de metros cúbicos de areia do rio Sado, em duas fases, em três zonas: Canal da Barra, Canal Central e Canal Norte. Os sedimentos serão depostos num aterro na zona nascente do Terminal Ro-Ro [destinado a navios que transportam automóveis e outros veículos] e no bordo superior da vertente do delta do Estuário do Sado.

Na fase de exploração e manutenção, estão previstas dragagens anuais para garantir as condições de navegabilidade, com um volume estimado em cerca de 100.000 metros cúbicos por ano.

Os protestos subiram de tom depois da assinatura, a 12 de Setembro, do auto de consignação do contrato para a execução das dragagens.

A medida mais recente foi anunciada esta quinta-feira. O Movimento Cívico SOS SADO revelou que vai “intentar uma providência cautelar para suspender o projeto de intervenção no Porto de Setúbal, mais especificamente no Estuário do Sado”.

Este grupo de cidadãos setubalenses alerta que a empreitada “irá causar danos irreversíveis no ecossistema” da região.

No entender do SOS Sado, “as nefastas repercussões não foram devidamente identificadas e aprofundadas em sede de Estudo de Impacte Ambiental”. Por isso, reclama “a sua suspensão imediata”.

Além da providência cautelar, o movimento informou já ter solicitado duas audições, uma à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação e outra à Comissão de Agricultura e Mar. O objectivo desta iniciativa é “expor as suas profundas preocupações e para sensibilizar o poder político para o impacte negativo das obras de melhoria de acessibilidade marítima do Porto de Setúbal”.

Mas esta não é a única providência cautelar dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada para travar as dragagens. A 14 de Setembro, o Clube da Arrábida já tinha avançado com a entrega de uma providência cautelar com o mesmo propósito. Segundo um comunicado desta associação de residentes, utentes e comerciantes do Portinho da Arrábida, citado pelo Diário de Notícias, as obras – que ascendem a cerca de 25 milhões de euros, dos quais 14,7 milhões representam um apoio financeiro da União Europeia – poderão ter muitos “impactos negativos”.

“O quase inevitável desaparecimento do que resta das praias da Arrábida, o possível afastamento para sempre dos golfinhos roazes do Sado, assim como um desequilíbrio de todo o ecossistema de zonas sensíveis, nomeadamente do Parque Marinho Luiz Saldanha”, são algumas das consequências previsíveis das dragagens, segundo o comunicado.

 

Petição já tem quase 12.000 assinaturas

O “não” às dragagens originou também a petição pública Pela defesa da Reserva Natural do Estuário do Sado, cuja autora diz não ter “qualquer filiação partidária nem interesses sobre qualquer negócio, movendo-a apenas a protecção e preservação do rio, da serra e da cidade onde cresceu e foi feliz”. Esta sexta-feira, a petição tinha já 11.908 assinaturas – mais do que as 10.000 necessárias para serem enviadas à Assembleia da República, para uma discussão em plenário.

No sábado passado, 13 de Outubro, cerca de 500 pessoas manifestaram-se no jardim Luís da Fonseca em Setúbal contra as dragagens.

“Isto é um atentado ao rio Sado. Os golfinhos vão desaparecer, a retirada da areia do fundo do mar vai fazer desaparecer a flora e o rio vai morrer, porque vão retirar o alimento aos golfinhos e aos peixes”, disse à agência Lusa Rui Venâncio, setubalense de 19 anos que esteve na manifestação, citou o jornal Público.

Este protesto foi organizado por um conjunto de entidades, como a Zero, a Quercus, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN) e o Clube da Arrábida.

No início de Outubro, o SOS Sado mobilizou cerca de 150 pessoas numa acção de protesto público na Praça do Bocage, também em Setúbal, noticiou a rádio TSF.

As obras de alargamento do canal marítimo de acesso ao Porto de Setúbal começaram a 1 de Outubro. Surgem no âmbito da “Estratégia para o Aumento da Competitividade Portuária – Portos Horizonte 2016-2026”.

De acordo com a APSS, o objectivo é “adaptar o acesso marítimo aos principais terminais do porto de Setúbal ao aumento da dimensão dos navios utilizados nos diversos tráfegos marítimos e responder às novas exigências em termos de segurança, oferecendo uma capacidade portuária competitiva que privilegia o transporte marítimo”.

A APSS afirmou, em comunicado divulgado a 4 de Setembro, que “o Projeto de Execução da Melhoria das Acessibilidades Marítimas ao Porto de Setúbal tem por base um Estudo de impacte Ambiental, que contou com a colaboração de técnicos e académicos com vasto conhecimento e publicações cientificas sobre o estuário do Sado, e que contempla uma avaliação e simulações em modelos matemáticos dos impactes hidrodinâmicos e transporte sedimentar, resultante das alterações à geometria do Canal da Barra e canal Norte, locais onde irão ser realizadas as dragagens de aprofundamento”.

Refere também que os “eventuais impactes no ecossistema, seja ele na micro-fauna, macro-fauna ou nas comunidades de golfinhos residentes no estuário (…) são temporários e de pequena magnitude”.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais aqui sobre a população residente de golfinhos no Sado.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.