roque-de-castro
Roque-de-castro. Foto: Pedro Geraldes

Ave ameaçada nidifica pela primeira vez na Berlenga

A erradicação dos ratos-pretos na Berlenga, anunciada pelo projecto Life Berlengas, permitiu que um casal de roques-de-castro pusesse agora pela primeira vez um ovo nesta ilha ao largo de Peniche. A Wilder falou com Joana Andrade, coordenadora do projecto.

 

Um dos 20 ninhos artificiais para roques-de-castro que a equipa do projecto Life Berlengas instalou na ilha principal do arquipélago ganhou um pequeno ocupante neste Outono: um ovo, que se tudo correr bem irá eclodir em Janeiro do próximo ano.

Até hoje, não havia registos da nidificação de roques-de-castro na ilha, mas apenas em ilhéus mais pequenos ali à volta, como o Ilhéu da Velha e o Farilhão, explicou Joana Andrade. “Não estávamos à espera que acontecesse de forma tão rápida.”

 

roque de castro no solo, à noite
Roque-de-castro. Foto: Afonso Rocha

 

Para esta nidificação terá contribuído o facto de já não existirem predadores na ilha da Berlenga: os ratos-pretos “que chegaram às ilhas ‘à boleia’ de embarcações humanas” e foram um dos principais alvos do Life Berlengas, segundo um comunicado da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que coordena este projecto. Estes animais “dizimam as populações de aves marinhas, que ao longo de milhares de anos evoluíram sem predadores por perto.”

“A última vez que encontrámos vestígios de rato-preto foi em Novembro de 2016, pelo que passados dois anos, podemos agora declarar que a Berlenga está finalmente livre de predadores”, indicou Joana Andrade, ressalvando que são necessários todos os cuidados para que estes não voltem a ser introduzidos na ilha.

Para os roques-de-castro, a verdade é que isso faz toda a diferença. Pensa-se que esta pequena ave marinha – considerada Vulnerável – já terá tido uma área de distribuição mais alargada, e até poderá já ter nidificado na ilha da Berlenga, mas está hoje “remetida para ilhas e ilhéus desabitados e sem predadores”.

 

Sons e cheiros ajudaram

“Os ninhos artificiais são feitos de vasos de cerâmica, ligeiramente enterrados no solo, com um buraco por onde as aves entram e saem. O vaso fica de pé e por cima da abertura coloca-se o prato, que serve de ‘tampa'”, descreveu a mesma responsável. Ao contrário dos ninhos naturais, estes ficam protegidos e as aves resistem mais facilmente aos ataques das gaivotas.

 

ave dentro de um vaso de cerâmica
Interior de um ninho artificial. Foto: Life Berlengas

 

Para ajudar a atrair casais reprodutores, a equipa montou também um sistema de reprodução de sons, que emite os barulhos típicos de uma colónia de roques-de-castro. E em cada ninho, foi colocado um saco de tecido usado em campanhas de anilhagem, que servem para proteger estas aves quando os especialistas as medem e pesam. “Os roques-de-castro têm um cheiro muito característico e intenso. Não lavámos os sacos e colocámo-los nos ninhos.”

 

ninhos no terreno
Ninhos artificiais de roque-de-castro. Foto: Life Berlengas

 

Qual é a importância desta nidificação? Antes de tudo, adiantou a coordenadora, aumenta o potencial de crescimento da população de roques-de-castro. A espécie ocorre actualmente por todo o Atlântico e Pacífico, mas na Europa só nidifica no arquipélago das Berlengas, Açores e Madeira e ainda nas Canárias.

Por outro lado, torna mais fácil aos cientistas do projecto estudarem estas aves, que podem passar uma dezena de dias sem regressarem aos ninhos e por isso são difíceis de monitorizar.

“Ter esta espécie a nidificar na Berlenga é uma prova de sucesso, sem dúvida, mas manter este sucesso depende de todos: não só das equipas que trabalham no terreno, mas também daqueles que aí desenvolvem a sua atividade e dos milhares de pessoas que visitam as Berlengas todos os anos”, acrescentou Joana Andrade, citada na nota da SPEA. A esperança é que durante os próximos meses, mais roques-de-castro resolvam usar os ninhos colocados na ilha.

No âmbito do Life Berlengas, falta agora eliminar da ilha outro invasor: um mamífero herbívoro que não é considerado predador mas tem outros efeitos negativos, o coelho.

A equipa espera ter sucesso até ao final do projecto, que termina em Junho de 2019 e no qual colaboram, além da SPEA, o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, a Câmara Municipal de Peniche e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Vai visitar as Berlengas? Para garantir que não põe em risco o roque-de-castro e outras espécies ameaçadas nesta Reserva Natural, pode consultar quais são os cuidados que deve ter, no site do projeto Life Berlengas, nos quiosques das empresas marítimo-turísticas em Peniche, nas embarcações e na própria ilha. Por exemplo, a bagagem e aos materiais transportados para a ilha devem ser sempre verificados e acondicionados previamente.

Por agora, a equipa do Life Berlengas vai seguir de perto o desenvolvimento deste novo habitante, e vigiar a ilha durante os próximos meses, na esperança de que mais roques-de-castro visitem também a Berlenga e decidam dar uso a mais ninhos artificiais.

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Quer conhecer melhor os roques-de-castro? Consulte o Atlas das Aves Marinhas de Portugal.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.