Aves e morcegos entre os que mais serão afectados pelo novo aeroporto

O Estudo de Impacte Ambiental, em consulta pública de 29 de Julho a 19 de Setembro, fala em impactes negativos significativos.

Em causa está a possibilidade de um aeroporto complementar na Base Aérea do Montijo, na margem esquerda do rio Tejo, a 25 quilómetros de Lisboa. O objectivo é aumentar a capacidade do aeroporto da capital, com uma estimativa de 7,8 milhões de passageiros e 46.000 movimentos de aeronaves para o ano previsto de abertura, em 2022.

No que diz respeito à natureza, as preocupações começam com a proximidade da obra a zonas de grande importância para a conservação de espécies e habitats.

Todos os anos, o Estuário do Tejo é local de refúgio, alimentação, nidificação e passagem para largos milhares de aves que migram entre o Norte da Europa e África, como o pato-trombeteiro, o ganso-bravo, a marrequinha, o flamingo e o alfaiate. Segundo a associação ZERO, o estuário alberga regularmente mais de 100.000 aves aquáticas invernantes. É uma das zonas húmidas mais importantes da Europa.

Alfaiate. Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

A área prevista para o novo aeroporto tem, segundo o Estudo de Impacte Ambiental, “uma taxa de movimentos de aves muito significativa, indiciando que esta é uma zona de passagem bastante utilizada (…) nomeadamente por aves aquáticas”.

O perímetro do novo aeroporto estará a seis quilómetros da Reserva Natural do Estuário do Tejo e confinará com as salinas do Samouco (espaço que resultou de uma medida de compensação ambiental associada à construção e exploração da Ponte Vasco da Gama).

Além disso, segundo o Estudo de Impacte Ambiental, sobrepõe-se “em pequena extensão” ao Sítio de Importância Comunitária (SIC) e à Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo. Esta zona está ainda classificada como IBA (Important Bird Area, ou Zona Importante para as Aves), pela Birdlife International.

Na área a ser afectada pelo novo aeroporto, nas margens costeiras da península da Base Aérea do Montijo, foram encontradas 260 espécies de animais diferentes, “um número bastante elevado”, segundo o documento. São espécies protegidas 45 aves e 19 vertebrados. 

Quanto às plantas, a zona a intervencionar regista 260 espécies, das quais nove são endemismos ibéricos – Picris spinifera subsp. spinifera; Anchusa calcarea subsp. calcareaAnchusa undulata subsp. undulata; Iberis ciliata subsp.welwitschiiJuniperus navicularisDipsacus comosusPterocephalidium diandrumPycnocomon intermediumStauracanthus genistoides  – e três são endemismos lusitânicos (Herniaria maritima; Ulex australis subsp. welwitschianusThymus capitellatus). Há seis espécies protegidas pela legislação nacional e comunitária.

Aves e morcegos, os mais em risco

As fases de construção e de exploração do aeroporto trazem impactes para todos os grupos de espécies, mais ou menos significativos.

Para os anfíbios, répteis e mamíferos terrestres os impactos serão “pouco significativos”.

Já as aves e os morcegos, entre os quais um “significativo número” de espécies protegidas, “poderão ser afectados de forma negativa e significativa” pela perturbação associada à presença de pessoas e máquinas.

A construção do novo aeroporto poderá causar a alteração no comportamento das espécies; perturbações humanas no meio; destruição, degradação e fragmentação de habitats; destruição de locais de refúgio; fragmentação das populações com menor mobilidade e mortalidade por atropelamento e esmagamento.

Estes impactes poderão afectar espécies ameaçadas de aves que ocorrem na zona, como o goraz (Nycticorax nycticorax), a garça-vermelha (Ardea purpurea) ou a coruja-do-nabal (Asio flammeus).

A fase de construção do aeroporto terá um impacte “negativo, significativo e de média magnitude” nas aves, principalmente por causa da alteração dos locais de repouso, alimentação, reprodução e de passagem habituais e interrupção de atividades alimentares.

No caso dos morcegos, há quatro espécies confirmadas para a zona de intervenção: morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus); morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus); morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii) e morcego-rabudo (Tadarida teniotis).

Durante a construção da obra, os maiores impactes para estes animais serão o aumento de ruído, luminosidade e movimentação nas frentes de obra. “É previsível que espécies menos cosmopolitas e mais sensíveis (legalmente protegidas) abandonem a área, dando lugar a espécies oportunistas que se alimentam junto às fontes de iluminação, como o morcego-anão”, explica o documento.

Outro impacte importante para os morcegos é a perda dos locais onde estes se abrigam e refugiam, nomeadamente pinheiros e edifícios, isto porque a fase de construção prevê o abate de árvores e a destruição de vários edifícios. O Estudo prevê a “mortalidade por esmagamento”.

“A destruição de locais de refúgio (abrigos) promove um aumento de stress e de dispêndio energético, visto que os morcegos terão de procurar outro local de refúgio e corresponde a perda efetiva de habitat.”

A destruição de locais de alimentação – áreas de matos, prados, pinhal e outras áreas florestais – é outro impacte considerado significativo para os morcegos. Prevê-se “a diminuição da disponibilidade imediata de áreas de alimentação para as comunidades de morcegos”. Por outro lado, ações de construção da extensão da pista sobre zonas húmidas levarão a uma “diminuição da disponibilidade alimentar pela afetação da comunidade de insectos”.

Zonas de alimentação e refúgio para aves com impactes negativos

Já na fase de exploração do aeroporto, “as alterações comportamentais para os vários grupos deverão agravar-se, uma vez que há maior mobilidade de pessoas, veículos e aeronaves”.

Os impactes mais importantes são para as aves. Na área de implantação do novo aeroporto foram confirmadas 122 espécies, 36 das quais com estatutos de ameaça.

Segundo o Estudo, os impactes mais significativos serão a “perturbação por circulação de aeronaves nos habitats de alimentação e refúgio no Estuário do Tejo”.

A circulação de aeronaves sobre o Estuário do Tejo, em especial para Norte, irá causar “uma elevada perturbação ao nível do ruído nos habitats de alimentação e refúgio para as aves”.

Foto: Helena Geraldes

Todas as aves que utilizam o espaço aéreo em redor do Projeto, especialmente a área dos cones de aproximação, poderão estar susceptíveis à perturbação, nomeadamente ao nível do ruído causado pela passagem de aeronaves, o que poderá implicar uma alteração dos seus movimentos nessa área, e da utilização do espaço.

As perturbações ao nível do ruído podem ter efeitos negativos a vários níveis, como a desadequação de habitat, alteração de comportamento, aumento do consumo energético, menor ingestão de alimento, menor repouso e, como consequência, uma pior condição física, redução de sucesso reprodutor e redução do efetivo populacional de algumas espécies.

Segundo o estudo, a perturbação nos refúgios e zonas de alimentação será elevada para o flamingo (Phoenicopterus roseus), alfaiate (Recurvirostra avosetta), pilrito-de-peito-preto (Calidris alpina), fuselo (Limosa lapponica), maçarico-galego (Numenius phaeopus), perna-verde (Tringa nebularia), perna-vermelha-escuro (Tringa erythropus), maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos), pernilongo (Himantopus himantopus) e borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus).

Para outras cinco espécies a importância do impacte será média: colhereiro (Platalea leucorodia), perdiz-do-mar (Glareola pratincola), seixoeira (Calidris canutus), pilrito-de-bico-comprido (Calidris ferruginea) e combatente (Philomachus pugnax). Para as restantes espécies a importância do impacte será reduzida.

Outro impacte é a mortalidade de aves por colisão com aeronaves. O Estudo prevê um aumento na taxa de mortalidade por colisão de aves, tendo em conta o aumento de tráfego aeronáutico.

Ainda assim, segundo dois estudos realizados na região, “as aves que voaram a alturas que comportam riscos globais de colisão mais elevados não incluem maioritariamente, e em geral, espécies relevantes do ponto de vista da conservação”.

Como está em causa a afectação de habitats de refúgio e alimentação de várias espécies importantes, são propostas medidas de compensação ou de mitigação.

Entre as medidas ambientais propostas estão planos de salvamento de fauna e de controlo e erradicação de espécies exóticas invasoras; compensação pela perda de dunas, sobreiros, salinas e áreas de sedimentos; e melhoria de habitats em áreas de refúgio para aves.

São também propostos programas de monitorização, mais concretamente de espécies exóticas invasoras, da evolução de habitats sensíveis, da perturbação das aeronaves sobre as aves na área classificada do Estuário do Tejo, da mortalidade da fauna e da comunidade de morcegos.


Agora é a sua vez.

Pode consultar o Estudo de Impacte Ambiental aqui.


Saiba mais.

Recorde aqui a entrevista a Afonso Rocha, responsável pelo Grupo de Anilhagem do Estuário do Tejo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.