Aves: sete espécies ameaçadas que dependem das zonas húmidas

Andorinhas-do-mar, rouxinóis, borrelhos, felosas, alfaiates, zarros e milherangos são aves ameaçadas que dependem das nossas zonas húmidas, segundo a SPEA e o ICNF.

Na semana em que o mundo celebra as zonas húmidas, a Wilder mostra-lhe que espécies ameaçadas em Portugal mais dependem destes habitats. 

Desta vez, falamos de aves.

As zonas húmidas portuguesas são “extremamente importantes a uma escala global para um grande elenco de aves, sendo fulcrais para a manutenção das suas populações saudáveis”, explica Jaime Sousa, técnico de conservação da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves).

São fundamentais para os milhões de aves que, todos os anos, usam a rota migratória do Atlântico-Leste entre o Árctico e o Norte da Europa (onde se reproduzem) e África (onde passam o Inverno), e que atravessam a Península Ibérica.

“Antes de chegar ao oceano, os principais rios de Portugal desaguam em estuários, rias e lagoas costeiras de dimensões consideráveis, com extensas planícies de vasa, sapais, caniçais e juncais, juntamente com habitats moldados pelo Homem, como salinas, pastagens costeiras e arrozais, tornando-as áreas muito valiosas para as aves.”

Segundo Jaime Sousa, “as grandes dimensões destas zonas húmidas e a variedade de habitats permitem que recebam um grande número de aves aquáticas, proporcionando grande manancial de alimento e refúgio”.

As zonas húmidas costeiras nacionais são, acrescenta, “particularmente importantes para as aves que se guiam pela costa, sendo locais fundamentais de stop-over, permitindo repousar e recuperar energia nas suas longas viagens, e importantes locais de invernada para centenas de milhares de aves que passam por aqui o inverno”.

“De facto, sete zonas húmidas nacionais – estuário do Minho, Ria de Aveiro, Ria Formosa, estuário do Tejo, estuário do Sado, Lagoa dos Salgados e estuário do Guadiana – são consideradas sítios-chave na rota migratória do Atlântico-Leste para a conservação de várias espécies de aves aquáticas, recebendo um número igual ou superior a 1% da sua população global.”

Destas destacam-se as populações invernantes de milherango, fuselo, alfaiate, pilrito-comum, borrelho-grande-de-coleira, tarambola-cinzenta e a população reprodutora de pernilongo.

Aqui ficam sete espécies ameaçadas que dependem das zonas húmidas portuguesas, segundo a SPEA e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF):

Milherango ou maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa) – Quase ameaçado NT (Global); Pouco preocupante LC (Nacional)

Maçarico-de-bico-direito. Foto: Kaiserm123/Wiki Commons

“O milherango tem visto as suas populações declinarem bastante nos últimos anos, o que lhes valeu uma actualização no estatuto de conservação (de LC para NT)”, segundo Jaime Sousa. Esta ave nidifica em países do norte e centro da Europa – como a Islândia, Holanda e Alemanha – e o grosso dos indivíduos passa o inverno na África ocidental. “Em Portugal podem ser vistos em passagem migratória e como invernante, em estuários, salinas e arrozais. É na migração pré-nupcial, entre janeiro e fevereiro, que podem ser encontrados os maiores números de indivíduos, com os arrozais da lezíria do estuário do Tejo a receberem mais de 50.000 indivíduos regularmente.” O técnico da SPEA refere que “os arrozais, por esta altura alagados e em repouso, oferecem abundância de alimento, do restolho a invertebrados, e rápida recuperação de reservas energéticas, podendo em alguns anos receber cerca de 40% da população ocidental de milherangos”.

Felosa-aquática (Acrocephalus paludicola) – Vulnerável (Global); Em perigo EN (Nacional)

Felosa-aquática. Foto: Bouke ten Cate/WikiCommons

“O passeriforme migrador mais ameaçado da Europa é dependente de caniçais e juncais. Reprodutor na Europa oriental e invernante em África, tem uma parte significativa da população a passar pela Península Ibérica na migração pós-reprodutora, para a qual as zonas húmidas portuguesas servem de refúgio. Em Portugal pode ser visto em passagem migratória nos meses de agosto a setembro, com mais de 90% dos seus registos nacionais a serem obtidos nos caniçais e juncais de Salreu.”

Alfaiate (Recurvirostra avosetta) – Pouco preocupante LC (Global); Quase ameaçado NT (pop. residente) Pouco preocupante (invernada)

Alfaiate. Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

“Portugal é o destino de invernada de uma porção bastante considerável da população europeia de alfaiate, sendo dos poucos países do continente onde podem ser vistos alguns milhares do indivíduos juntos”, explica Jaime Sousa. Os estuários do Tejo e do Sado são as zonas húmidas mais importantes para a espécie. Ali “podem ser encontrados a alimentar-se na coluna de água, na vasa ou em salinas. De facto, com um número que pode regulamente ascender a 25% da população invernante na Europa, o símbolo da RNET é um alfaiate.”

Zarro (Aythya ferina) – Vulnerável (VU) – Global; Em perigo (população residente) Vulnerável (invernada)

Zarro. Foto: Dr. Raju Kasambe/WikiCommons

“Pato mergulhador em declínio acentuado, pode ser encontrado em Portugal sobretudo enquanto invernante, onde podem chegar em bandos de pequenas centenas, ocupando pauis, lagoas, açudes e albufeiras interiores. O paúl do Boquilobo, albufeiras do Alentejo e lagoas costeiras no Algarve são dos locais mais importantes para a espécie a nível nacional, onde chega a reproduzir-se.”

Rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus): Pouco preocupante LC

Rouxinol-grande-dos-caniços. Foto: Eugene Stolyarov/WikiCommons

O rouxinol-grande-dos-caniços, é a maior felosa de Portugal. Esta é uma espécie que apenas vive em zonas húmidas com caniçais e tabuais, como pauis, valas e margens de ribeiros com vegetação densa. O rouxinol é uma ave de caniçal. É ali que constrói os seus ninhos, taças suspensas das hastes dos caniços, entrelaçadas com mestria, e é ali que se movimenta. O rouxinol-grande-dos-caniços é um visitante estival que, normalmente, chega a Portugal a partir do fim de Março, ficando no país até Agosto. Mas, nos últimos tempos, é cada vez mais difícil ver rouxinóis-grandes-dos-caniços. A escassez de alimento, concretamente insectos, e de habitat podem explicar esta situação.

Conheça aqui os resultados do 1º Censo nacional dedicado a esta espécie, que decorreu em 2019.

Andorinha-do-mar-anã ou chilreta (Sterna albifrons): Vulnerável (VU)

Andorinha-do-mar-anã. Foto: Dûrzan Cîrano/WikiCommons

A andorinha-do-mar-anã reproduz-se, entre Abril e Julho, em praias e dunas, sapais, salinas, piscicultura e em ilhas em lagoas ou barragens. Utiliza ainda as zonas húmidas, como lagoas costeiras e rias, para se alimentar. Esta é uma espécie classificada como Vulnerável, porque tem uma área de ocupação reduzida e tem uma população pequena. Além disso, a qualidade do seu habitat tem vindo a degradar-se, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (2005).

Borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus): Pouco preocupante (LC) – Continente; Criticamente Em Perigo (CR) – Madeira

Borrelho-de-coleira-interrompida. Foto: Dr. Raju Kasambe/WikiCommons

O borrelho-de-coleira-interrompida é uma pequena ave de patas pretas e acastanhada por cima e branca por baixo. Ao pescoço tem uma coleira preta que não é completa, daí o seu nome. Este borrelho, conhecido como rolinha-da-praia na Madeira, ocupa ambientes costeiros, de preferência arenosos, e zonas húmidas mais interiores. As maiores ameaças a esta espécie são a degradação e a diminuição da área de habitat adequado e a introdução de mamíferos predadores, particularmente nos Açores. Na Madeira, apenas ocorre no Porto Santo, onde tem uma população extremamente reduzida.

Conheça Afonso Rocha, investigador que desde 2005 segue as populações nidificantes de borrelho-de-coleira-interrompida nas salinas do Samouco, no Estuário do Tejo. 


Já que está aqui…

Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.

Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

O calendário pode ser encomendado aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.