Baleias-de-bico marcadas nos Açores fornecem novas pistas sobre estes animais fugidios

Baleia-de-bico-de-sowerby fotografada ao largo de São Jorge, nos Açores. Foto: Christine Veeschkens/Biodiversity4All

Duas baleias-de-bico marcadas com sensores ao largo da Ilha Terceira estão a ajudar os cientistas a compreenderem melhor as estratégias de caça destes mamíferos tímidos e difíceis de observar.

O mar dos Açores é um habitat muito procurado por várias espécies de baleias-de-bico, assim chamadas devido ao bico que têm, que lhes dá uma aparência parecida com a dos golfinhos. Dentro dos 21 membros desta família, que pertence ao grupo dos Odontocetos (cetáceos com dentes), as mais comuns são as do género Mesoplodon ou mesoplodontes – baleias que medem entre quatro a seis metros de comprimento, cujo corpo se assemelha a um fuso, e que são conhecidas por caçarem a grandes profundidades.

Mas os cientistas pouco mais sabem sobre as 16 espécies de mesoplodontes hoje conhecidas, uma vez que são tímidas e raramente avistadas à superfície. Assume-se por exemplo que “usam a ecolocalização para caçar peixes relativamente pequenos, lulas e crustáceos”, descreve uma equipa de investigadores liderada por Fleur Visser, da Universidade de Amesterdão, que publicou agora um estudo no Journal of Experimental Biology sobre o comportamento destes animais.

Na tentativa de saberem mais sobre este grupo de mamíferos marinhos, estes cientistas conseguiram marcar duas baleias-de-bico-de-sowerby (Mesoplodon bidens) junto à Ilha Terceira recorrendo a ‘biologging’, em que os animais são marcados com pequenos sensores electrónicos que medem valores ambientais e fisiológicos. Os aparelhos ficaram presos ao dorso das duas baleias com a ajuda de ventosas e desprenderam-se passadas poucas horas, sendo recuperados no mar.

Baleias-de-bico-de-sowerby nas águas da Ilha Terceira, Açores. Crédito: Universidade de Amesterdão

“Os aparelhos registaram informação detalhada sobre os mergulhos, movimentos e estratégias de ecolocalização destes animais extremamente tímidos, o que providenciou a primeira oportunidade para se investigar o seu comportamento alimentar”, descreve uma nota de imprensa da Universidade de Amesterdão.

A informação assim obtida, o que aconteceu pela primeira vez para as baleias-de-bico-de-sowerby, foi depois comparada com os dados já conhecidos de outra baleia muito semelhante, mas mais comum e bastante mais escrutinada: a baleia-de-bico-de-blainville (Mesoplodon densirostris).

Baleia-de-bico-de-blainville. Foto: NOAA Photo Library

Desta forma, a equipa tentou perceber se as estratégias de caça usadas por ambas são ou não diferentes. Ou seja, “até que ponto [estas duas espécies] conseguem evitar competirem entre si pelas mesmas presas”, explica a nota de imprensa.

No que respeita à baleia-de-bico-de-blainville, esta é conhecida por mergulhar a grandes profundidades em busca das suas presas, movendo-se muito devagar de forma a conservar energia – uma característica que se considera ser comum aos outros mesoplodontes. No entanto, a baleia-de-bico-de-sowerby, descobriram agora os investigadores, “difere fortemente” de outras baleias do mesmo grupo na forma como nada e captura outros animais.

Baleia-de-bico-de-sowerby. Foto: Universidade de Amesterdão

“Quando perseguem a uma profundidade semelhante (entre 800 a 1.300 metros), nadam consistentemente mais depressa, realizam mergulhos profundos mais curtos e ecolocalizam a uma velocidade mais rápida, com ‘cliques’ em frequências mais elevadas”, nota a equipa.

“Este primeiro registo de uma baleia-de-bico ‘rápida’ sugere que as baleias mesoplodontes exploram uma maior diversidade de nichos no mar profundo do que suspeitávamos”, conclui a Universidade de Amesterdão, sobre os resultados obtidos com as duas baleias-de-bico no mar dos Açores. “O mar profundo é um território de caça rico e diverso para os mamíferos marinhos predadores, que desenvolveram claramente um leque de estratégias mais especializadas para o conseguirem explorar do que era conhecido até agora”, admitem estes cientistas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.