Bióloga portuguesa descobre nova espécie de lagarto em Angola

Duas expedições à procura dos répteis de Angola terminaram com uma “boa surpresa”, uma nova espécie de lagarto, o lagarto-espinhoso-de-N’Dolondolo.

A nova espécie de lagarto (Cordylus phonolithos) mede 138 milímetros (do focinho à ponta da cauda).

Este réptil de tons castanhos alaranjados tem o corpo achatado e robusto, porém bastante leve, coberto por uma forte “armadura” de escamas. A cabeça é triangular e achatada, coberta com grandes escamas espinhosas.

Pertence à família Cordylidae, endémica da África Subsariana, e está inserido no género Cordylus. Actualmente são conhecidas 22 espécies de lagartos Cordylus

“Encontrar uma nova espécie do género Cordylus para Angola foi realmente uma boa surpresa”, contou à Wilder Mariana Marques, estudante de doutoramento do CIBIO-InBIO, e curadora assistente da Colecção de Herpetologia do Museu Nacional de História Natural e da Ciência de Lisboa.

A descoberta aconteceu quando Mariana Marques estava a estudar os Inselbergs ou “ilhas-montanhas” do Sudoeste-de-África, usando a herpetofauna como modelo, no âmbito da sua dissertação de doutoramento. Um dos locais visitados nas suas expedições foi a Serra da Neve, na província do Namibe, Sudoeste de Angola. A região foi escolhida por causa do “seu desconhecimento, natureza única e elevada diversidade biológica”, acrescentou a bióloga.

A Serra da Neve foi apenas prospectada duas vezes, a primeira em 2016 e a segunda em 2019, e cada expedição teve a duração de aproximadamente um mês.

“Foi durante a primeira expedição que esta espécie foi encontrada na área do N’Dolondolo na base da Serra da Neve, no interior de uma fenda”, contou Mariana Marques.

De início, foi considerado um exemplar de lagarto-espinhoso-do-Kaokoveld  (Cordylus namakuiyus), espécie da província do Namibe descrita em 2016.

“Mas, ao observar com mais detalhe o arranjo das suas escamas cefálicas, foi colocada em cima da mesa a possibilidade de se tratar de uma espécie nova.”

Esta nova população de lagarto-espinhoso da Serra da Neve tem uma “combinação distinta de caracteres morfológicos que o distinguem de todas as espécies descritas do género, tanto em Angola, como nos países vizinhos”, explicou a investigadora. Segundo Mariana Marques, “estamos a falar principalmente do arranjo das escamas cefálicas, que apresentam diferentes zonas de contacto entre estas, diferentes formatos, bem como uma escama intrusiva não observada em nenhuma outra espécie”. A nova espécie tem também um maior número de escamas labiais, de poros femorais, por exemplo, e tem uma coloração alaranjada, mais vibrante, quando comparada com as congéneres. 

“Com base nessas diferenças e na distinção genética que obtivemos, essa população foi descrita como nova.”

Depois de um intenso trabalho de análise morfológica e genética, o artigo com a descrição da nova espécie foi publicado em Setembro na revista científica Zootaxa.

Foram recolhidos dois espécimes da nova espécie que estão hoje na Academia de Ciências da Califórnia e no Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação de Angola.

Uma expedição desafiante

Mas chegar até ao lagarto-espinhoso-de-N’Dolondolo na Serra da Neve não foi tarefa simples.

“Os acessos são bastante limitados e estão em muito mau estado de conservação, o que dificulta a circulação de carro. Por isso, a prospeção é realizada maioritariamente a pé o que, com a limitação de tempo no campo, limita o raio de acção e a maior cobertura de área possível.”

Mariana Marques e os seus colegas – de várias instituições portuguesas e norte-americanas, do Instituto da Biodiversidade e Áreas de Conservação (INBAC) e do Ministério do Ambiente de Angola – transportaram vários materiais necessários à expedição.

Entre eles material de campismo, material para colectar exemplares – fitas-de-borracha, canas de pesca telescópicas com um fio em laço, pinças, varas, ganchos específicos para serpentes e camaroeiros para anfíbios – e ainda material para recolher e preservar os espécimes capturados.

O local da expedição, a Serra da Neve, é o segundo pico mais alto de Angola, com 2.489 metros de altitude, e é uma das áreas menos estudadas no país a nível de biodiversidade.

O habitat onde foi encontrada a nova espécie é caracterizado por floresta esparsa de Miombo, o que contrasta com as áreas circundantes que são maioritariamente dominadas por savanas e pelas areias do Deserto do Namibe.

É ali que vive este lagarto diurno, que se abriga em fendas e aberturas de afloramentos rochosos.

Durante a manhã, o lagarto-espinhoso-de-N’Dolondolo sai do abrigo para se aquecer e caçar pequenos invertebrados.

Conta com os espinhos que lhe cobrem o corpo para se proteger de predadores, tal como os outros lagartos Cordylus. Esta espécie de armadura diz muito do local onde vivem, explicou Mariana Marques.

Lagartos com escamas mais espessas estão normalmente associados a habitats onde o risco de predação é maior: zonas abertas com pouca vegetação. “Esta pressão relaxa quando o habitat tem maior coberto vegetal, e maior proximidade entre afloramentos, dando uma maior possibilidade de refúgio para estes animais.” Nesta situação os lagartos têm, normalmente, armaduras menos robustas.

No caso da nova espécie, os indivíduos habitam locais mais fechados e por isso têm uma armadura menos completa e menos forte que o Cordylus namakuiyus, por exemplo. Este lagarto habita as zonas mais xéricas e semi-desérticas da Província do Namibe, com menor área de refúgio.

A riqueza da Serra da Neve

No artigo científico, os investigadores alertam para a importância da biodiversidade da Serra da Neve.  

“Este inselberg ou “ilha-montanha” apresenta um habitat único, diferente de todo o habitat encontrado nas planícies circundantes, a cerca de 600 metros de altitude.”

É um ecossistema independente “com um importante papel na diversificação e estrutura de populações de fauna e flora, suportando uma vasta gama de diferentes microhabitats”.

“As descobertas que temos vindo a realizar com descrição de já duas novas espécies, e outras em curso, revelam a unicidade e a riqueza que este inselberg acolhe”, salientou Mariana Marques. 

Acampamento numa das expedições

Devido ao seu isolamento, este inselberg está particularmente vulnerável a pressões externas, como destruição e degradação de habitat e poluição, e encontra-se principalmente vulnerável às alterações climáticas.

Os investigadores defendem, por isso, a “necessidade de ser considerado como área prioritária de conservação e de elevado interesse biológico”.

“Os padrões biogeográficos e de diversificação deste inselberg estão agora a ser estudados e a ser, aos poucos, compreendidos (…). É deste modo imperativo que esta área seja considerada como de especial interesse para conservação pelas autoridades nacionais e internacionais e que futuros trabalhos com outros grupos faunísticos e florísticos sejam levados a cabo, para realçar o valor extraordinário desta área.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.