Bosque nativo plantado por associação trava fogo e defende casas, hortas e fauna local

O fogo queimou os eucaliptos em redor de duas micro-reservas no distrito de Aveiro, plantadas pela BioLiving para a conservação da natureza. O bosque nativo e os charcos conseguiram travar as chamas. Mas com um custo. Agora, é preciso mãos para repor o que ficou destruído deste oásis de biodiversidade.

Os incêndios que lavraram em meados de Julho nos concelhos de Oliveira de Azeméis, Estarreja e Albergaria-a-Velha (distrito de Aveiro) causaram “consideráveis impactos” nas duas micro-reservas para a conservação da natureza geridas pela BioLiving, alerta esta associação.

Foto: BioLiving

As duas propriedades – Fonte do Cabreiro e Marçaneira – são geridas pela associação desde 2016 e 2018, respetivamente. “Localizadas na freguesia de Canelas, em Estarreja, as duas propriedades são pequenos oásis de biodiversidade insertos num mar de eucaliptos e foram fundamentais para proteger as populações (humanas e animais) do pior.”

A Fonte do Cabreiro tem um bosque nativo, atravessado por uma pequena ribeira que, com os incêndios a montante, estava quase seca. Nesta área, a BioLiving mantinha o seu pequeno viveiro florestal, com centenas de espécimes nativos que serviriam as plantações do próximo Inverno, um telheiro onde dinamizava atividades e um pequeno armazém de alfaias e materiais, como enxadas, picaretas, ancinhos, luvas e mangueiras, que eram usados nos trabalhos de restauro ecológico.

As chamas destruíram o viveiro, o telheiro e o armazém, localizados numa parte limítrofe da propriedade, colada a um eucaliptal vizinho, onde o incêndio ardeu com violência. “Depois de consumirem estas áreas logísticas, as chamas encontraram o bosque nativo plantado pela BioLiving em Março de 2016 e aí pararam depois de chamuscar as duas primeiras filas de arvoredo.”

Uma segunda frente, vinda de sul, encontrou o lado oposto do mesmo bosque, que também desse lado travou as chamas, impedindo o seu alastramento para junto de casas e hortas nessa região.

Foto: BioLiving

A menos de um quilómetro da Fonte do Cabreiro, a BioLiving gere terrenos que formam a Reserva da Marçaneira, uma antiga área de eucaliptal que o grupo de ambientalistas e biólogos vinha a converter para floresta nativa, com a ajuda de dezenas de voluntários. Esta área fica numa intrincada rede de eucaliptal que ardeu por completo.

“As chamas foram travadas pelos charcos para a vida selvagem que a associação tinha construído, pela vegetação nativa que tinham plantado, bem como pelos carvalhos que preservavam como santuários para a vaca-loura, uma espécie protegida de escaravelho.” 

“O cenário é dantesco e desolador”, descreve a associação em comunicado. “No entanto, apesar dos severos danos, de um mar de cinzas ergue-se a vegetação nativa, bombeira, que protegeu a fauna local e evitou o pior.” 

Segundo comentou à Wilder Sofia Jervis, da BioLiving, “as plantas da bordadura ficaram queimadas ou chamuscadas, as mais do interior do bosquete viveram. No entanto, os carvalhos-alvarinho, os amieiros e os medronheiros mostraram uma elevada resistência ao calor intenso”.

A BioLiving há muito que alerta para o “perigo dos extensos quilómetros de eucaliptal ininterrupto, e maioritariamente mal gerido, que cobrem esta região do país”. “Este episódio demonstra claramente a importância, por um lado, da floresta nativa para a segurança das populações humanas e selvagens, e, por outro, a necessidade de uma gestão florestal pensada à escala do território e não da propriedade.”

Na opinião da BioLiving, os grandes incêndios, como estes, que consumiram mais de 2.500 hectares de monoculturas ininterruptas, dificilmente cessarão se não se implementarem soluções de compatibilização do ordenamento florestal industrial com a conservação e valorização dos valores naturais endógenos.

Foto: BioLiving

A BioLiving pede ajuda para “reparar os danos, adquirir as ferramentas ardidas e reconstruir o telheiro e o armazém, estruturas fundamentais para prosseguir a sua atividade pedagógica e de intervenção para o restauro ambiental”.

Segundo Sofia Jervis, “o prejuízo ascende a vários milhares de euros”.

Ainda este verão, a associação vai abrir um programa de voluntariado para dar início à reparação dos danos que, ao longo do tempo, incluirão a construção de mais reservatórios de água, plantações, controlo de espécies invasoras e a reconstrução das infraestruturas.

O trabalho voluntário para recuperar as micro-reservas irá começar a 22 de Agosto com um projeto de voluntariado jovem apoiado pelo IPDJ, no âmbito do programa Voluntariado Jovem para a Natureza e Florestas. Jovens dos 14 aos 30 anos podem inscrever-se no programa e o voluntariado funcionará todas as semanas, às segundas-feiras, até ao fim de Novembro.

“Iremos também promover ações de voluntariado complementar a este programa, abertos à comunidade geral, e no fim do ano, com o início da época das plantações, iremos ainda organizar várias ações de plantação.”

“Até ao momento, tivemos algumas pessoas individuais que se tornaram nossos sócios e/ou fizeram donativos, o que é uma ajuda importante”, contou Sofia Jervis. “Temos também estado em contacto com algumas empresas locais que se disponibilizaram para nos ajudarem com a doação de ferramentas e materiais que fossem necessários. Fomos também contactados por outras ONG que se voluntariaram para disponibilizar árvores e arbustos para repor o que perdemos no nosso viveiro.”

A associação está já a preparar uma campanha de crowdfunding e “a considerar possíveis financiamentos que nos ajudem não só a recuperar o que foi perdido mas que também fortaleça a nossa floresta evitando que isto volte a acontecer no futuro. A onda de solidariedade que se formou foi bastante significativa e estamos muito comovidos e agradecidos com  a disponibilização de ajuda que temos recebido”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.