Centrais solares: Zero alerta para impactos sobre paisagem e aves e exige mais planeamento

Foto: Ceinturion / Wiki Commons

Alguns dos parques solares fotovoltaicos que estão agora planeados recaem em grande parte sobre áreas florestais, alerta esta associação ambiental.

As nove centrais solares fotovoltaicas que estiveram em consulta pública no primeiro trimestre deste ano vão traduzir-se na ocupação de áreas vedadas com mais de 3.500 hectares, alertou esta sexta-feira a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, em comunicado.

São nove as centrais solares fotovoltaicas que estão previstas para os concelhos de Viseu (CSF Lupina), Vila Nova de Paiva (CSF Adomingueiros e Nave), Alenquer e Azambuja (CSF Cerca), Alenquer (CSF Carregado), Azambuja (CSF Rio Maior e Torre Bela), Niza (CSF Falagueira), Albufeira (CSF Montechoro I e II), Santiago do Cacém (CSF THSiS) e Moimenta da Beira e Armamar (CSF Douro Solar). 

Os projectos estão associados a uma potência de 2,4 gigawatts e ocupam uma área que é “aparentemente pequena tendo em consideração todo o território nacional”. No entanto, são “um alerta para o presente e para o futuro”, afirma a organização não governamental de ambiente (ONGA), que fez as contas tendo em conta os objectivos do Governo até 2030, e conclui que nesse ano “o valor poderá chegar perto ou superar os 10 mil hectares, uma área equivalente ao concelho de Lisboa”.

“Considerando que a opção pode recair na concentração dos projetos em determinadas regiões e em áreas sensíveis, o resultado final pode ser desastroso”, sublinha.

Para já, quanto às nove centrais planeadas, mais de metade da área que vai ser ocupada com painéis fotovoltaicos – 2.200 hectares, cerca de 63% do total – corresponde a área florestal “com montado e sobreiros dispersos, outras folhosas, pinheiro-bravo e pinheiro-manso e eucaliptos”.

Central solar fotovoltaica no Alentejo. Foto: Hugo Cadavez / Wiki Commons

A associação afirma olhar “com muita apreensão para esta nova corrida à instalação de parques solares fotovoltaicos, alguns de grande dimensão”, uma vez que na maior parte dos casos “a seleção dos locais recai em grande parte sobre áreas florestais”. “Com a destruição das florestas, os benefícios ambientais que decorrem da instalação podem não ser superiores aos da manutenção da área florestal”, alerta. 

Os resultados deste “alcatifamento” do território também se podem traduzir numa “enorme alteração” de paisagens e “artificialização de áreas rurais”, provocando “perdas para o potencial turístico e para a valorização do património natural da região”.

A associação destaca a situação do concelho de Santiago do Cacém, “muito procurado para a instalação de centrais solares”. Numa das freguesias, São Domingos e Vale de Água, está prevista a instalação de três centrais que deverão ocupar cerca de seis por cento dessa freguesia – incluindo uma central com uma área contínua vedada com 1 262 hectares e com uma vedação que chega a atingir os 30 km de extensão, lembram os ambientalistas.

Riscos para as aves

Por outro lado, estudos realizados nos Estados Unidos apontam para a existência de “impactos significativos sobre a avifauna”, acrescenta a Zero. Embora os valores conhecidos sejam inferiores à mortalidade causada pelas linhas eléctricas, é “ainda assim muito significativo e deve traduzir-se no evitar de parques solares de grandes dimensões quando em presença de espécies com estatuto de conservação desfavorável.” 

A ONGA portuguesa defende que a instalação de infra-estruturas destas com grandes dimensões deve por isso ser evitada em áreas atravessadas por corredores primários da Rede Ecológica e também em zonas de protecção especial – criadas no âmbito da Rede Natura 2000, ligadas à Directiva Aves.

Central solar fotovoltaica no Algarve. Foto: Lacobrigo / Wiki Commons

Os nove projectos em cima da mesa deverão necessitar também de mais de 100 quilómetros de linhas aéreas para transporte de energia e ligação à Rede Nacional de Transporte de Eletricidade, das quais 48,7 km são Linhas de Muito Alta Tensão.

“A instalação de linhas elétricas trará consigo um conjunto de impactes significativos para a avifauna com mortalidade decorrente de colisão com os condutores aéreos e a eletrocussão em apoios ou postes elétricos”, indica a Zero, que aponta que 25% das espécies afectadas estão ameaçadas de extinção, segundo estudos já realizados. A associação sugere que as novas linhas fiquem instaladas próximas de outras já existentes ou sejam mesmo enterradas no solo, em áreas mais sensíveis.

Entre as sugestões avançadas por esta ONGA, conta-se a criação de incentivos para que centrais solares fotovoltaicas se instalem em áreas já degradas, como pedreiras inactivas e minas desocupadas, e a exclusão destes projectos em áreas protegidas, áreas da Rede Natura 2000 e também da Reserva Agrícola Nacional.

“Seria de extrema utilidade que o Ministério do Ambiente elaborasse uma carta que delimitasse com o máximo detalhe possível as áreas do território com aptidão para receber instalações fotovoltaicas de grande dimensão”, aconselha também esta ONGA, referindo-se a uma carta de ocupação para o solar.

Entre outras propostas, a associação apela ainda à criação de mecanismos que estimulem a produção de energia elétrica renovável no setor residencial, industrial e serviços, já que os valores actuais estão muito aquém das expectativas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.