Lince-ibérico, cria. Foto: Programa Ex-situ (arquivo)

Centro nacional de reprodução em Silves já “deu” 86 linces-ibéricos à natureza

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Peça central da conservação ex situ do lince-ibérico, o Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI), em Silves, já “deu” 86 crias para reforçar as populações selvagens. Depois do fogo de 2018 e de uma reabilitação, este centro enfrenta novos desafios.

Em Agosto de 2018, o CNRLI foi atingido pelo incêndio que começou na serra de Monchique. Vinte e nove linces foram retirados do centro, que ficou parcialmente destruído pelas chamas.

Desde então, o CNRLI mudou. Hoje tem dois novos cercados de treino, três cercados de recuperação e um módulo clínico autónomo (CTRLI). Este módulo permite intervenções veterinárias de animais vindos da natureza e que possam necessitar de reabilitação devido a traumas ou a doenças, sem interferir com as estruturas existentes dedicadas em exclusivo à reprodução.

Paralelamente continua o trabalho crucial de reprodução.

CNRLI em Silves. Foto: Joana Bourgard/Wilder

Nesta Primavera nasceram várias crias no centro português. Jabaluna e Juromenha tiveram, cada uma, três crias e Fresa teve duas.

Para conseguir maior diversidade genética, na temporada reprodutora de 2020/2021 o CNRLI recebeu os machos Juncabalejo (do Centro de Cria Zarza de Granadilla), Odiel (El Acebuche) e Quiñones (La Olivilla), disse à Wilder Rodrigo Serra, director do CNRLI. E enviou para outros centros do Programa Ex Situ Fado (centro de Cria de La Olivilla) e o Foco (Centro de Cria El Acebuche).

De momento e até 2022, Portugal assume a coordenação do Programa de Conservação Ex Situ do lince-ibérico. Esta é a segunda vez que Portugal coordena o programa, depois de o ter feito em 2013/2014.

Para Rodrigo Serra, “os principais objetivos da coordenação do Programa de Conservação Ex Situ do lince ibérico são a elaboração de uma estratégia ibérica que recolha a contribuição dos centros de cria e outras facetas do Programa de Conservação Ex Situ do Lince Ibérico, como os bancos de recursos biológicos e grupos assessores, para o futuro da espécie a curto e médio prazo; e a preparação da revisão, possivelmente ainda a concretizar dentro deste biénio, do Plano de Ação para a Conservação Ex Situ do Lince Ibérico, que não é revisto desde 2008″.

“Isto para além de assegurar a continuidade técnica e científica do trabalho realizado até aqui pelos centros de cria e demais componentes do Programa e a tão importante gestão genética e demográfica da espécie.”

Fêmea e crias no CNRLI. Foto: Joana Bourgard/Wilder (arquivo)

A época dos nascimentos no CNRLI, na Primavera, é o culminar de um ano de trabalho para a equipa que garante o funcionamento do centro e para os voluntários. O grande objectivo é conseguir crias saudáveis, treiná-las para a liberdade e, meses depois, soltá-las na natureza, para que novas populações de linces voltem aos territórios de onde se extinguiram há décadas.

Já foram reintroduzidos na natureza 86 linces nascidos no CNRLI.

Entretanto, esta peça do puzzle conservacionista dedicado ao lince-ibérico enfrenta os seus desafios: “Os principais prendem-se com a manutenção, alguma recuperação e até reconversão das condições dos centros de cria de forma a que os mesmos possam continuar a dar resposta adequada às solicitações dos projetos de conservação in situ como o LIFE Lynxconnect”, que começou em Setembro de 2020 e deverá estar no terreno até 2025.

“É necessário dar também resposta a novas solicitações, como sejam a possível necessidade de incrementar a produção anual de crias para novos projetos de reintrodução, stepping stones e reforço genético das populações já existentes, além de desenvolver protocolos e preparar instalações para lidar com animais ‘problemáticos’ ou em recuperação de forma a podermos devolver estes animais ao meio silvestre”, acrescentou Rodrigo Serra.

Rodrigo Serra e parte da equipa do CNRLI. Foto: Joana Bourgard/Wilder (arquivo)

“Internamente, temos o desafio permanente de manter a população saudável do ponto de vista genético e equilibrado do ponto de vista demográfico – o que significa manter também uma parte das crias nascidas nos centros de cria a cada ano dentro do Programa Ex Situ, para podermos manter a diversidade genética e animais reprodutores suficientes para a substituição dos atuais.”

Actualmente, há um novo desafio, o envelhecimento da população ex situ. Isto “não só obrigará a um esforço para reequilibrar a pirâmide demográfica, como significará a passagem de uma quantidade significativa de animais para a situação de pós-reprodutores. Um dos desafios permanentes do Programa Ex Situ é encontrar espaço para todos estes animais, e será um desafio particularmente importante nos próximos tempos”.

Novas técnicas são desenvolvidas, em nome da conservação da espécie.

“Há já largos anos que o Programa Ex Situ conserva materiais nos seus bancos de recursos biológicos, entre eles gâmetas (espermatozoides e oócitos) e até embriões recolhidos da Azahar no CNRLI e congelados, Azahar que é fundadora e nunca deixou descendência. Temos gâmetas congelados de vários fundadores que não deixaram descendência e, dado o desafio genético que esta espécie enfrenta, seria útil poder utilizar essas “fontes” de diversidade genética e até mesmo “prolongar” a vida reprodutiva de alguns dos animais especialmente valiosos geneticamente, ainda que já tenham deixado descendência.”

Para isso, a equipa de veterinários do CNRLI tem desenvolvido várias técnicas de inseminação artificial (IA) usando por enquanto sémen fresco de animais do Programa. “Neste momento acreditamos ter desenvolvido a técnica que mais utilidade pode ter no futuro, quer para a inseminação artificial utilizando sémen congelado, quer posteriormente para a transferência de embriões se tivermos em conta as taxas de êxito encontradas com outros felinos, doméstico e selvagens.”

Lince-ibérico. Foto: MITECO

No entanto, as taxas de êxito “são globalmente baixas, e dado o número reduzido de fêmeas de lince-ibérico inseminadas até ao momento, ainda não obtivemos êxito”. “Esperamos muito em breve poder ampliar o número de fêmeas sujeitas a IA para podermos afinar a técnica e ter maiores hipóteses de sucesso. Dado que a técnica tem menores taxas de êxito quando se usam gâmetas ou embriões congelados, queremos primeiro assegurar-nos de que a técnica está devidamente afinada e só depois começar a usar materiais dos bancos de recursos.”

O futuro reserva ainda novidades para o CNRLI, que tem funcionamento previsto até 2025. Segundo Rodrigo Serra, “o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) tem vindo a estabelecer contactos com a empresa Águas do Algarve, proprietária da Herdade das Santinhas, onde foi edificado o CNRLI e de todas as estruturas que o integram (com exceção do Complexo de Treino e Recuperação de Lince Ibérico – CTRLI), com autarquias mais relevantes no tema lince-ibérico (Silves, Mértola, Serpa e outras) e com outras entidades, no sentido de ser constituída uma entidade pública que, embora permanecendo sob controlo do ICNF, fique responsável pela continuidade da operacionalização do CNRLI para além de 2025 e, eventualmente, da implementação do próprio PACLIP, em todas as suas vertentes, incluindo a componente in situ.”

Isto porque o Estado Português assumiu um compromisso junto da Comissão Europeia de dar continuidade à recuperação da população de lince-ibérico.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.