As barbatanas e parte do dorso de dois botos, no mar
Foto: Nic Davies

Cientistas alertam para situação destes golfinhos na costa portuguesa

Desde o início do ano já morreram 27 botos na costa portuguesa – em média, por semana morreu um destes golfinhos, também chamados de toninhas. A Wilder falou com Catarina Eira, investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, que explica o que se anda a passar.

 

A situação dos botos (Phocoena phocoena), os cetáceos mais pequenos que ocorrem em Portugal, está ainda mais preocupante do que nos últimos anos, em especial desde o Minho à Nazaré. Nessa área da costa, só entre Janeiro e Junho, foram registados 25 destes animais mortos, na maioria arrojados entre o Porto e a Nazaré.

“Este valor já ultrapassa em muito os valores registados para o primeiro semestre dos anos anteriores, desde que há registos”, disse à Wilder Catarina Eira, que foi também coordenadora do projecto LIFE MarPro (2011-2017), projecto co-financiado por fundos europeus dedicado à conservação de espécies marinhas portuguesas como o boto e o golfinho-roaz.

Apesar de serem animais tímidos, dos quais só avistamos muitas vezes uma pequena barbatana dorsal fora da água, estes pequenos cetáceos aproximam-se muito da costa, o que os torna vítimas de capturas acidentais pelas embarcações de pesca.

Foi esta a principal causa de morte apurada pelos cientistas ligados ao projecto LIFE MarPro, concluído em Dezembro do ano passado, que além da Universidade de Aveiro teve como parceiros a Universidade do Minho, a SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

Sempre que há um arrojamento os animais são transportados e faz-se uma análise post mortem. “Na maioria das vezes, a observação externa pode ser suficiente para identificar a captura acidental como causa do arrojamento”, explica Catarina Eira. “Alguns animais aparecem com a barbatana caudal ‘amputada’, o que indica muito obviamente que foi preciso desenredar o animal das redes de pesca. Outros sinais de captura acidental são os cortes lineares na pele (no corpo, nas barbatanas e no bico), que indicam também que o animal esteve emaranhado em redes.”

 

Boto em cima de uma mesa de laboratório
Boto objecto de uma necropsia. Foto: LIFE MarPro

 

Se nada mudar, estima-se que a extinção do boto em Portugal deverá ocorrer nos próximos 20 anos ou no espaço de três gerações da espécie – mas isso com base em dados obtidos até 2015. Só que os últimos acontecimentos deixam antever um cenário mais negro, pois “é provável que um aumento na mortalidade venha a revelar um prazo de extinção ainda mais curto para esta subpopulação.” 

Certo é que o estatuto de conservação da espécie, a confirmar-se “a individualização da subpopulação de botos em Portugal”, deverá piorar. Classificado em 2005 como Vulnerável, pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, os dados mais recentes (de 2010 a 2015) indicam que o boto está agora Em Perigo, ou seja, com um risco de extinção muito elevado.

A média da população nacional, destaca a investigadora, está abaixo dos 2.000 indivíduos. E destes últimos, “com base na informação recolhida a partir dos animais arrojados”, os cientistas estimam que menos de metade são maturos, pelo que a maioria não atingiu ainda a idade de reprodução.

 

Arte xávega e pesca ilegal

Foi no âmbito do LIFE MarPro que os investigadores descobriram que a região mais preocupante é a costa do Porto à Nazaré, onde se encontra cerca de um terço da população portuguesa de botos.

É que também neste espaço “se concentra uma actividade de pesca bastante intensa”, adianta a bióloga. “Apesar dos esforços desenvolvidos pelos pescadores para evitarem as capturas acidentais, a xávega, cuja expressão é maior nesta área, pelo seu carácter muito costeiro, acaba por ser responsável por uma parte da mortalidade.” A xávega é uma arte de pesca tradicional, praticada com redes de cerco.

 

dois grupos de pescadores na praia puxam redes de pesca de dentro do mar
Pescadores puxam as redes típicas da arte xávega. Foto: Rui Ornelas/Wikimedia Commons

 

Nesta zona da costa também é comum a pesca ilegal, uma actividade que “por ser muito costeira” atinge igualmente estes golfinhos. Normalmente faz-se com “pequenas embarcações muito perto da costa, com redes utilizadas de maneira ilegal (semi-derivantes, não sinalizadas) ou que operam em zonas dentro de uma distância mínima da costa onde a pesca não está autorizada.”

No entanto, “se não se conseguir inverter o padrão de declínio do boto, não será certamente por falta de colaboração dos pescadores”, afiança Catarina Eira, que destaca a “atitude bastante construtiva” que estes têm mostrado em relação ao problema.

 

Soluções há, mas aguardam respostas

Foi graças à consciencialização e à colaboração dos pescadores, aliás, que os cientistas conseguiram testar diferentes artes de pesca e materiais de redes, para perceber o que provoca mais capturas acidentais.

Foi assim que descobriram que uma das soluções mais eficazes é o uso de ‘pingers’ – pequenos aparelhos que se fixam às redes e que emitem um sinal para avisar os cetáceos. “No caso particular do boto, sabemos que a utilização dos ‘pingers’ nas redes fundeadas, de cerco e de xávega, contribuem para a diminuição da captura acidental.”

Todavia, é uma tecnologia muito cara para frotas de pesca mais numerosas, ressalva a bióloga, que acredita que se devem “ainda ensaiar novas medidas que sejam eficazes, ou seja, que permitam a detecção da presença da rede e que representem um baixo custo económico.”

Outras acções importantes para o futuro da espécie em Portugal? O combate à pesca com redes ilegais e a aprovação dos Sítios de Importância Comunitária (SICs) propostos no âmbito do LIFE MarPro – em especial o SIC na zona marinha entre a Praia da Maceda (Ovar) e a Praia da Vieira (Leiria), “pela abundância de botos que alberga”. Os SICs são uma das figuras de protecção ambiental no âmbito da Rede Natura 2000, previsto pelas directivas europeias.

Como resultado, seria posto em prática o Plano de Gestão também proposto para estas áreas. Este inclui várias medidas, como o alargamento do uso de ‘pingers’ a todas as redes de xávega nessas zonas e a realização de ensaios de novas medidas de mitigação de capturas em redes de cerco e fundeadas, exemplifica a coordenadora do projecto. A recolha dos restos de artes de pesca perdidas e continuar a monitorizar os níveis de captura acidental são outras das acções previstas.

 

Financiamento precisa-se

Depois da conclusão do LIFE MarPro, em Dezembro passado, a equipa está à procura de financiamento para substituir as baterias dos ‘pingers’ oferecidos aos pescadores e entralhados nas redes, de forma a que estes ainda os possam usar durante os próximos anos.

Para já, admite a investigadora, só tem sido possível continuar os trabalhos relacionados com o resgate de animais vivos para o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos do ECOMARE, em Ílhavo, e a recolha de animais arrojados mortos para determinar a causa de morte e para recolher amostras para trabalhos de investigação.

“Estes trabalhos, em parte realizados no âmbito de mestrados e de doutoramentos de alunos da Universidade de Aveiro, estão a produzir informação, por exemplo, sobre a utilização das zonas costeiras por pequenos cetáceos, incluindo o boto.” Descobriu-se, por exemplo, que as principais presas destes animais são algumas espécies de peixes não comerciais – o que “contraria a ideia de que os golfinhos retiram uma parte importante de recursos que deveriam ser utilizados pela pesca.”

 

dorso de um boto, no mar
Boto. Foto: Shutterstock 

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Gostaria de observar um boto? Saiba quais são as principais características deste pequeno cetáceo, que em adulto pode medir entre 1,40 e 1,90 metros de comprimento, descritas por Catarina Eira:

“Aproximam-se muito da costa e, por vezes, é possível observá-los a olho nu a partir das praias e especialmente a partir de pontos mais altos, como por exemplo o Cabo Mondego. No entanto, os botos têm um comportamento pouco exuberante, ou seja, praticamente só se vê a barbatana dorsal e uma pequena parte do dorso à superfície da água e durante muito pouco tempo. Assim, uma pessoa destreinada pode não detectar facilmente um boto, mesmo que este esteja a alimentar-se muito perto da costa.

Normalmente observam-se indivíduos solitários, pares progenitora-cria ou grupos muito pequenos. Distinguem-se dos outros pequenos cetáceos pelo seu menor tamanho corporal e principalmente pela sua barbatana muito triangular e coloração bastante escura.

Para identificar um boto também ajuda observar o comportamento do animal, uma vez que raramente saltam fora de água, como é frequente observarmos, por exemplo, no caso do golfinho-comum. Ao deslocar-se, o boto também tem a particularidade de realizar tipicamente três mergulhos rápidos seguidos de um mais longo.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.