Polvo-comum (Octopus vulgaris). Foto: Emanuele Santarelli/Wiki Commons

Cientistas criticam planos da Pescanova para primeira quinta de produção de polvo

Segundo a BBC, o projecto que está previsto para o arquipélago espanhol das Canárias está a levantar “profunda preocupação” sobre o bem-estar destes animais.

De acordo com a estação televisiva britânica BBC, o grupo espanhol Pescanova projecta avançar com a primeira quinta de produção em cativeiro de polvo, desde sempre, e rejeita as críticas sobre a forma como estes animais irão ser tratados.

O polvo é um alimento consumido um pouco por todo o mundo, mas é capturado na natureza. Até hoje nunca houve produção intensiva deste cefalópode, até porque se trata de um animal territorial, que procura a solidão e sítios escuros. Além do mais, as larvas necessitam de alimentos vivos e de um ambiente cuidadosamente controlado.

Segundo uma notícia da BBC, os planos para a futura quinta de produção de polvo, da espécie Octopus vulgaris, prevêem que estes sejam guardados em tanques juntamente com outros polvos, por vezes sob luz constante. Os planos citados pela televisão britânica apontam para cerca de 1000 tanques num edifício de dois andares, na ilha da Grande Canária. O grupo espanhol estima a produção de 3000 toneladas de polvo por ano – o equivalente a cerca de 1 milhão de indivíduos – com uma taxa de mortalidade entre 10 a 15%.

Polvos são “seres sencientes” que sentem “dor e prazer”

Cientistas ouvidos pela BBC mostraram-se contra o projecto. É o caso de Jonathan Birch, professor associado na London School of Economics, que liderou uma revisão de mais de 300 estudos científicos, concluindo, num trabalho publicado em 2021, que estes cefalópodes sentem dor e prazer. O resultado foi a inclusão destes animais na legislação britânica como “seres sencientes”, em 2022. Este investigador e outros co-autores do estudo avisam que o bem-estar de polvos na produção em cativeiro é “impossível”.

“Grandes números de polvos nunca devem ser mantidos juntos próximos uns dos outros”, sublinham. “Fazer isso leva a stress, conflito e mortalidade elevada… Um valor de mortalidade de 10 a 15% não deveria ser aceitável para qualquer tipo de produção.”

O método de morte dos animais é outro dos motivos de crítica: está previsto que sejam colocados em contentores com uma temperatura de água de 3 ºC negativos. Este método usado com alguns peixes criados em cativeiro já foi alvo de estudos científicos, que o classificam como causador de mortes lentas e stressantes.

Em resposta à BBC, a Pescanova defendeu que os níveis requeridos para o bem-estar na produção de polvos ou outras espécies, nas quintas desta multinacional, “garantem que se lida de forma correcta” com estes animais. Quanto à forma como são mortos, esta “envolve um processo que evita dor ou sofrimento para o animal”.

A Pescanova sustenta ainda que a aquacultura será uma solução para assegurar a sustentabilidade do consumo de polvo, que ajudará à recuperação das populações deste cefalópode no futuro. Todos os anos, são capturados cerca de 350.000 toneladas de polvo, o que coloca pressão sobre o futuro. Já os conservacionistas ouvidos pela estação televisiva britânica acreditam que a esperada redução de preços, devido à criação em cativeiro, levará ao crescimento deste mercado e ao aumento da procura, fazendo assim com que não ocorra uma redução do lado das pescas.

O projecto para a construção da quinta terá sido enviado pela Pescanova para a Direcção-Geral de Pescas das Ilhas Canárias, que contactada pela BBC optou por não comentar.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.