Estuário do Tejo. Foto: Joana Bourgard/Wilder

Cientistas descobrem que as “conversas” destes peixes do Tejo são mais complexas do que se pensava

Já se sabia que os machos de xarroco (Halobatrachus didactylus) “cantam” para atrair as fêmeas. Um novo estudo revela agora que estes peixes comuns no estuário do Tejo comunicam e interagem entre si emitindo sons com maior complexidade do que se pensava.

Muitos peixes produzem sons para comunicar, principalmente durante a época de reprodução. É o caso do xarroco (Halobatrachus didactylus), peixe comum no estuário do Tejo e um modelo para o estudo da comunicação acústica em peixes.

“Nesta espécie os machos ‘cantam’ para atrair as fêmeas para os seus ninhos, que preparam em espaços entre ou debaixo de rochas. As fêmeas põem os ovos no ninho, mas são os machos os responsáveis por protegê-lo e pelo cuidado parental”, explica hoje, em comunicado, o cE3c – Centro para a Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Os machos de xarroco reúnem-se e vocalizam em conjunto, aumentando assim a propagação dos seus “cantos” e as suas hipóteses de se reproduzir. Assim, os xarrocos constroem os seus ninhos perto uns dos outros e produzem centenas de sons por hora para convencer as fêmeas a depositar os ovos nos seus ninhos.

No estudo agora publicado, os investigadores descobriram que os machos de xarroco não se limitam a emitir vocalizações, ou seja, a ‘cantar’ para atrair as fêmeas: monitorizam o ‘canto’ dos seus vizinhos e, face a isso, ajustam o seu próprio ‘canto’.

“Na maior parte dos casos que analisámos, os indivíduos evitam sobrepor as vocalizações, alternando normalmente com vocalizações de outros indivíduos”, explica Manuel Vieira, primeiro autor do estudo, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c e Centro de Ciências do Mar e do Ambiente – MARE, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). “Mas também observámos momentos em que os machos sobrepõem propositadamente as suas vocalizações com as de outro macho. Pensamos que este sincronismo deve ocorrer em situações de competição entre machos, mas só vamos poder confirmar esta hipótese em estudos controlados.”

Para este estudo, os investigadores recorreram a um sistema de reconhecimento automático de voz cujos algoritmos foram inicialmente desenvolvidos para o reconhecimento da fala humana, e analisaram registos acústicos obtidos junto a vários ninhos ocupados por machos de xarroco durante a época de reprodução, nas margens da Base Aérea do Montijo no estuário do rio Tejo.

Os investigadores analisaram também os ritmos acústicos diários em três locais na Base Aérea do Montijo, cada um caracterizado por uma diferente influência da maré e da presença humana. Os resultados revelam que uma grande parte das variações observadas não pode ser explicada por esses factores . Nesses casos, as variações observadas podem corresponder a interações entre machos vizinhos e entre machos e fêmeas.

“Este trabalho representa o culminar de várias observações do nosso grupo de investigação ao longo dos anos e mostra que a comunicação nos peixes é muito mais complexa do que se pensava. Estes resultados abrem a porta para estudos que incorporem os padrões temporais das ‘conversas’ entre peixes”, explica Manuel Vieira, a desenvolver este projeto no âmbito do seu doutoramento.

São também autores do estudo Paulo Fonseca, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, e Maria Clara Amorim, investigadora da Ciências ULisboa e MARE-ISPA, ambos orientadores de Manuel Vieira.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.