Lesma-do-mar da espécie Elysia marginata, no seu ambiente natural. Foto: Rickard Zerpe / Wiki Commons

Cientistas descobrem uma nova capacidade incrível em lesmas do mar

Já se conheciam animais que conseguem regenerar uma cauda ou um braço, mas a habilidade agora encontrada em duas espécies de lesmas do mar vai muito além disso.

Foi por passar muito tempo a observar de forma atenta o comportamento destes animais que uma investigadora de doutoramento na Universidade Nara Women’s, no Japão, deparou com um fenómeno estranho.

Sayaka Mitoh trabalha num laboratório onde são criadas lesmas-do-mar, para se estudarem os seus comportamentos. Um dia, reparou que uma lesma se estava a mover sem o corpo, tinha apenas a cabeça. Acreditou que iria parar de se mexer e morreria passado pouco tempo.

Cabeça de lesma da espécie Elysia cf. marginata, logo após a autotomia. Foto: Sayaka Mitoh

Mas isso não aconteceu, como descrevem Sayaka Mitoh e Yoichi Yusa, líder do laboratório, num artigo publicado este mês de Março na revista científica Current Biology. “Ficámos surpreendidos ao ver a cabeça a mexer-se depois da autotomia [capacidade de alguns animais de se livrarem de partes do seu corpo]”, explica Sayaka Mitoh, em comunicado. “Pensámos que morreria em breve sem um coração e outros órgãos importantes, mas surpreendeu-nos de novo perceber que tinha regenerado todo o corpo.”

As duas cientistas observaram então que a cabeça destas lesmas, quando separada do resto do corpo, conseguia mover-se sozinha. Em animais jovens, aconteceu começarem a alimentar-se de algas passadas poucas horas. Alguns dias depois, a ferida na parte de trás ficou sarada; uma semana depois, os animais começam a gerar um novo coração. Ao fim de três semanas, a regeneração estava completa.

A cabeça e o corpo da Elysia cf. marginata, um dia após a autotomia. O corpo é muito mais pesado do que a cabeça, representando mais de 80% do peso total. Foto: Sayaka Mitoh

No entanto, nem sempre é o caso. A equipa percebeu que as cabeças de lesmas mais velhas não se alimentavam e morreram passados cerca de 10 dias. Quanto aos corpos sem cabeça, não têm capacidade de gerar uma nova, mas ainda reagiam quando eram tocados alguns dias depois. Nalguns casos, isso acontecia passados vários meses.

O fenómeno foi observado em duas espécies do grupo dos sacoglossos, Elysia cf. marginata e Elysia atroviridis. Para já, a descoberta está a dar lugar a novas pesquisas, para perceber por exemplo como é que tudo isto é possível. Sayaka Mitoh acredita que pode dever-se à existência de células estaminais no lugar em que a cabeça se separou do corpo, mas ainda ninguém percebeu porque é que estas lesmas fazem isso. Uma possibilidade é que ajude estes moluscos a removerem parasitas internos que impedem a sua reprodução.

Lesma-do-mar da espécie Elysia marginata, no seu ambiente natural. Foto: Rickard Zerpe / Wiki Commons

Estas lesmas “roubam” as algas

As lesmas do grupo dos sacoglossos são conhecidas por conseguirem reter os cloroplastos das algas de que se alimentam. Isso dá-lhes a capacidade de elas próprias fazerem fotossíntese, convertendo a luz solar em energia interna tal como fazem as plantas.

Em Portugal, por exemplo, essa capacidade conhecida como cleptoplastia acontece com uma outra espécie de lesma, a Elysia viridis, ainda que nesse caso seja apenas durante poucos dias, explicou à Wilder um especialista em moluscos, Gonçalo Calado, que é investigador associado do Instituto Português de Malacologia (IPM) e professor na Universidade Lusófona.

No Japão, no que respeita às duas espécies ali investigadas, a equipa da Universidade Nara Women’s acredita que a cleptoplastia poderá contribuir para a regeneração completa das lesmas, uma vez que ao transformarem a energia solar em “alimento” sobrevivem tempo suficiente para completarem um novo corpo.

“Como o corpo sem cabeça fica muito vezes activo durante meses, poderemos estudar o mecanismo e as funções da cleptoplastia usando órgãos vivos, tecidos ou mesmo células”, adiantou Sayaka Mitoh. “Quando não existem estudos a este nível, uma vez que a maioria das pesquisas sobre cleptoplastia em sacoglossos são realizadas quer a nível genético quer a nível dos indivíduos.”


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.