Cientistas portugueses decifram mistério da invasão do coelho-europeu na Austrália

Coelho registado em Sydney (Austrália). Foto: Mike Letnic

O mistério de terem sido necessários mais de 70 anos para se verificar a invasão do coelho-europeu no continente australiano terá sido agora decifrado por uma equipa de investigação internacional liderada por investigadores do CIBIO-InBIO/BIOPOLIS (Universidade do Porto) e das Universidades de Cambridge e Oxford.

A colonização da Austrália pelo coelho-europeu é uma das invasões biológicas mais famosas da história. Levado para o continente pela primeira vez em 1788, só na segunda metade do século XIX é que o coelho se tornou uma praga.

Carregamento de coelhos capturados na região de Braidwood (Austrália). Foto: D.R.

A expansão, que cobriu uma área 13 vezes maior que a Península Ibérica, mudou irreversivelmente a paisagem australiana e deixou um rastro de destruição nos ecossistemas e propriedades agrícolas.

Através da combinação de dados de ADN com documentos históricos, os investigadores demonstraram que a invasão foi desencadeada pela ação de uma única pessoa: Thomas Austin, um emigrante britânico que, em 1859, importou 24 coelhos de Inglaterra. 

“A história era célebre, mas a evidência do papel de Thomas Austin na invasão era difusa porque há registo de outras introduções”, comentou, em comunicado, Joel Alves, primeiro autor do artigo e investigador no CIBIO-InBIO/BIOPLIS e na Universidade de Oxford. “No entanto, o perfil genético dos coelhos australianos permitiu-nos rastrear a origem da invasão precisamente à propriedade onde Austin viveu, no Sudeste da Austrália.”  

Os investigadores foram ainda mais longe neste estudo, publicado a 22 de Agosto na revista americana PNAS, e conseguiram seguir a linhagem genética dos coelhos, chegando à vila onde Austin nasceu em Inglaterra e de onde os coelhos foram capturados para serem transportados para a Austrália.

Grupo de coelhos registado no âmbito de trabalhos de monitorização do vírus da mixomatose na ilha de Wardang (Austrália) em 1938. Foto: M W Mules

Mas o que tornou os coelhos de Austin tão bem-sucedidos? Uma análise da composição genética dos coelhos mostra que, contrariamente às introduções iniciais que utilizavam animais domésticos, os coelhos de Austin tinham uma origem maioritariamente selvagem. Esta característica, que Austin escolheu propositadamente já que pretendia usar os coelhos para caça, concedeu-lhes uma vantagem adaptativa em relação aos anteriores.

“Durante a domesticação, os coelhos foram selecionados para várias características, como diferentes colorações e mansidão. Isto tornou-os menos preparados para sobreviver no ambiente selvagem australiano” explicou Miguel Carneiro, investigador do CIBIO-InBIO/BIOPOLIS e coautor do estudo.

Além dos genes, houve outros fatores que contribuíram para o sucesso dos coelhos de Austin, acrescentou Joel Alves. “O facto de estarem mais bem-adaptados conferiu uma vantagem determinante aos coelhos de Austin, mas o impacto humano na Austrália como a eliminação de predadores e a expansão de terrenos agrícolas também contribuiu para o seu sucesso.”

O cenário de praga na Austrália contrasta com a importância que o coelho tem em Portugal e Espanha, de onde a espécie é nativa e está atualmente ameaçada.

Coelho registado em Sydney (Austrália). Foto: Mike Letnic

Este mamífero perdeu 90% das suas populações ibéricas durante os últimos 70 anos, como consequência das mudanças no uso do solo e de doenças, nomeadamente a mixomatose e a doença hemorrágica viral. Resultado: a espécie passou a ser considerada Em Perigo de extinção nos territórios onde é nativa. A nível nacional, este mamífero está classificado como Quase em Perigo em território português.

“Este estudo mostra a excecionalidade do coelho como modelo biológico a todos os níveis mas, mais do que tudo, é uma demonstração inequívoca da importância da Ciência para informar e desenvolver políticas de conservação”, comentou Nuno Ferrand, um dos autores sénior do estudo e diretor do CIBIO-InBIO/BIOPOLIS.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.