Floresta Amazónica. Foto: Rosa Maria/Pixabay

Cientistas querem conhecer melhor a Amazónia, aliada contra pandemias

Uma equipa internacional de cientistas defende que se deve multiplicar por seis, pelo menos, o registo da floresta Amazónia, antes que desapareça esta aliada contra pandemia como o Covid-19.

 

A Amazónia é uma das zonas do planeta que alberga mais espécies e também algumas das mais desconhecidas.

Actualmente, o inventário das árvores da Amazónia tem entre 7.000 a 10.000 espécies. Mas esta lista está longe de estar completa. Os cientistas estimam que 5.000 novas espécies de árvores poderão ainda não ser conhecidas para a Ciência. É uma corrida contra o tempo, já que a desflorestação pode causar a extinção de muitas destas árvores.

 

Vista da Amazónia desde São Gabriel da Cachoierade. Foto: MNCN-CSIC

 

É impossível saber o que se descobrirá em futuros estudos científicos mas as florestas tropicais como a Amazónia, graças à sua riqueza de diversidade biológica, poderiam ser uma fonte de novos medicamentos, acredita esta equipa de cientistas.

“Conhecer a biodiversidade poderia ajudar hoje com a pandemia do Covid-19 e no futuro com muitas doenças”, disse, em comunicado, o co-autor do estudo Richard Ladle, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), no Brasil.

No entanto, a espantosa biodiversidade da Amazónia brasileira, que cobre cerca de 60% de toda a floresta tropical da Amazónia, está mal documentada e ameaçada pela desflorestação. Entre Agosto de 2018 e Julho de 2019 terão sido desflorestados 9.762 quilómetros quadrados de floresta na Amazónia brasileira.

Este estudo, publicado na revista científica Ecography, quantificou a perda de conhecimento causada pela desflorestação naquela região do planeta. A equipa analisou mais de 399.000 espécimes digitais de quase 6.000 espécies de árvores e relacionou-os com as estatísticas oficiais de desflorestação actuais e cenários futuros até 2050.

 

Botânicos a trabalhar na documentação das plantas amazónicas. Foto: MNCN-CSIC

 

“Descobrimos que, em 2017, 30% de todas as localizações onde espécimes de árvores foram recolhidos foram inteiramente desflorestadas. Nesse ano, cerca de 300.000 quilómetros quadrados da Amazónia brasileira foram destruídos, sem que uma única árvore tenha sido registada”, escrevem os investigadores no artigo.

“É como se tivéssemos queimado milhares de livros para aquecer a casa sem que nunca ninguém os tivesse lido, nem um”, comentou Juliana Stropp, investigadora do Museu Nacional espanhol de Ciências Naturais (MNCN-CSIC) que também participou no estudo.

Até 2050, estima-se que sejam desflorestados entre 250.000 e 900.000 quilómetros quadrados de floresta, ainda desconhecida. “Se quisermos conhecer as árvores dessa área, o esforço de amostragem tem de aumentar entre duas a seis vezes”, segundo os investigadores.

 

Como recuperar o desconhecido

Para conseguir documentar as florestas da Amazónia, os botânicos deveriam multiplicar por seis os esforços que estão a ser feitos na actualidade, defendem estes cientistas. Para isso, os investigadores propõem estabelecer uma estratégia de amostragem organizada através de projectos específicos para a flora.

“O nosso estudo mostra que os momentos nos quais aumentou mais o conhecimento da flora na Amazónia, coincidiram com projectos como a “Flora Amazônica” na década de 1980, a “Flora da Reserva Ducke”, ou a “Flora do Cristalino” na década de 1990 e 2000”, segundo o investigador Bruno Umbelino, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), no Brasil, que também participou neste estudo.

“As políticas mundiais sobre o conhecimento da biodiversidade não parecem encaminhar-se para resolver este problema, apesar de hoje existirem uma grande quantidade de medicamentos derivados de plantas das florestas tropicais”, comentou Richard Ladle.

 

Trabalho de campo para estudar as árvores da Amazónia. Foto: MNCN-CSIC

 

A falta de dados das espécies perdidas é um grave problema, já que este tipo de informação é impossível de recuperar. “Se os cientistas não têm informação histórica sobre as comunidades ecológicas, torna-se quase impossível planificar bons programas de restauro ou estimar o número de espécies presentes num ecossistema. Como podemos restaurar um habitat se não sabemos que espécies lá existem?”, questionou a professora Ana Malhado, também da UFAL.

“Ou aumentamos os nossos esforços agora para documentar a biodiversidade que ainda existe ou veremos como a desflorestação destrói qualquer oportunidade para gerar novos conhecimentos sobre a selva amazónica”, disse Stropp.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.