Foto: Museu de História Natural de Londres

Cientistas sequenciam genoma e desvendam segredos da mítica lula gigante

Uma equipa liderada por uma cientista portuguesa da Universidade de Copenhaga sequenciou todo o genoma da lendária lula gigante conhecida como Kraken, mítico habitante das profundezas do oceano.

 

Este animal gigantesco foi por muito tempo considerado um monstro marinho. Raramente observado, acredita-se que tem 10 tentáculos, costuma crescer até aos 12 a 13 metros e pode pesar mais de 900 quilos. Agora, os novos conhecimentos sobre o ADN desta criatura vão ajudar a conhecê-la.

Os resultados do trabalho, em que a equipa sequenciou e anotou o genoma da espécie, foram publicados esta quinta-feira na revista científica GigaScience.

Foi um naturalista dinamarquês, Japetus Steenstrup, em 1857, o primeiro a ligar os contos dos marinheiros sobre um mostro marinho que arrastava os navios para as profundezas à existência desta lula gigante, que descreveu e baptizou com o nome científico Architeuthis dux. Mais de 160 anos depois, os novos resultados “podem revelar várias questões sobre a evolução relativas a esta espécie escondida”, afirma Rute Fonseca, autora principal do artigo científico e professora associada na Universidade de Copenhaga, citada em comunicado.

 

Ilustração original do livro “20.000 Léguas Submarinas”, de Júlio Verne. Autor: Alphonse de Neuville

 

Não foi fácil obter o material para o trabalho em laboratório. A equipa teve de usar as poucas amostras recolhidas ao longo do tempo, guardadas em museus de todo o mundo. Com base numa investigação anterior, já se sabia que independentemente da sua origem, todas essas amostras pertenciam a uma única espécie.

Mas a sequenciação mostrou-se “tão desafiante como encontrar um destes animais no seu ambiente natural”. Para começar, as amostras disponíveis eram de animais em decomposição, preservados em formol ou etanol nas colecções de história natural. Ou seja, uma grande parte tinha falta de condições para a extracção de ADN com a qualidade necessária. Os níveis elevados de amónia e polissacarídeos encontrados nos tecidos também estavam a travar a obtenção de resultados.

 

Um golpe incrível de sorte

Felizmente, a equipa conseguiu ter acesso ao tecido recentemente congelado de uma lula gigante recolhida por uma embarcação de pesca na Nova Zelândia.

Essa amostra permitiu finalmente aos cientistas obterem uma das melhores qualidades hoje disponíveis na sequenciação do genoma de um cefalópode. Descobriram, por exemplo, que o genoma desta espécie é grande: estima-se que tem 2,7 mil milhões de pares base de ADN, o que representa cerca de 90% do tamanho do genoma humano.

Os novos dados vão ajudar a responder a muitas questões sobre esta criatura misteriosa, sem a necessidade de filmá-la a 1200 metros de profundidade. Por exemplo? Entender os fundamentos genéticos da idade que pode alcançar, a velocidade a que cresce e como evoluiu até chegar a este tamanho.

 

Fonte: Universidade de Copenhaga

 

Por outro lado, vão ser uma ferramenta importante para compreender os cefalópodes e definir medidas de conservação.

“Tem sido detectado mercúrio em altas concentrações no tecido de espécimes de lulas gigantes e também a acumulação de químicos retardantes de fogos, nos tecidos de cefalópodes do mar profundo”, avisam os investigadores, no artigo científico agora publicado. “Em consequência, há uma necessidade urgente de termos um maior entendimento biológico destes importantes animais, mas raramente encontrados, para ajudarmos os esforços de conservação e assegurarmos que continuam a existir.”

Da equipa internacional que participou nesta investigação fazem parte cientistas de várias universidades. Além da Universidade de Copenhaga, também investigadores do CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (ligado à Universidade do Porto), da Universidade de Vigo e da Universidade de Exeter, Reino Unido, entre outros.

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.