Foto: Joel Berglund / Wiki Commons

Cientistas sequenciam pela primeira vez genoma do mexilhão-de-rio

Equipa do CIIMAR, da Universidade do Porto, liderou investigação feita por um consórcio internacional que visa conservar melhor este molusco Criticamente em Perigo de extinção em Portugal.

Antes de se tornar comum o uso de pérolas de espécies marinhas, o mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera) foi durante vários séculos o principal recurso para a produção destas pedras preciosas na Europa. Em média, apenas um em cada 3.000 destes mexilhões contém uma pérola no seu interior.

Mas apesar de ter diminuído a procura dos mexilhões-de-rio, o aumento da pressão sobre os ecossistemas de água doce ao longo do século XX fez com que a sua sobrevivência esteja hoje ameaçada, explica um comunicado divulgado pelo CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental. Em Portugal, a espécie subsiste apenas nalguns rios do Norte do país e está Criticamente em Perigo de extinção, igual à classificação global a nível da Europa.

E não são poucas as ameaças ao futuro deste bivalve fundamental para a manutenção dos ecossistemas onde está presente, nos quais ajuda por exemplo a filtrar a água. Passam pelo aumento de poluição, a alteração dos habitats, a construção de barreiras físicas nos rios, a introdução de espécies invasoras e também pelas alterações climáticas. Entre as seis famílias de mexilhões de água doce conhecidas no mundo, aliás, a família deste mexilhão – Margaritiferidae – é hoje a mais ameaçada.

Mas apesar de estarem em curso vários processos de investigação e de reintrodução em vários países europeus, num esforço para a sua conservação, “pouco se sabe sobre os processos genéticos e biológicos que controlam a interação da espécie com o ecossistema e consequentemente asseguram a sua sobrevivência”.

A sequenciação do genoma do mexilhão-de-rio, agora publicada na revista DNA Research da Oxford University Press, quer contribuir para “colmatar esta lacuna”. “Construímos um catálogo de toda a informação genética da espécie”, uma espécie de “livro aberto” que permitirá alavancar os estudos de conhecimento e conservação deste bivalve, afirma o autor principal do artigo científico, André Gomes dos Santos, investigador no CIIMAR.

Uma longevidade impressionante

Além de conseguir produzir pérolas, outra das qualidades que despertou a curiosidade dos cientistas é a sua longevidade, uma das maiores entre os invertebrados. Com efeito, o mexilhão-de-rio pode viver até aos 280 anos.

Entre as 800 espécies conhecidas de mexilhões de água doce, esta é apenas a quarta que teve o seu genoma sequenciado, que é também um dos mais completos. “O tamanho do genoma é pouco menor do que o genoma humano e um dos maiores entre os bivalves e permitiu caracterizar pela primeira vez em mexilhões de água doce, os genes Hox, que são um conjunto de genes fundamentais no desenvolvimento de todos os animais e, portanto, essenciais para compreender a sua evolução”, descreve o CIIMAR.

“Este trabalho abrirá portas para que possamos compreender um pouco melhor os fatores genéticos essenciais para otimizar e guiar a protecção e conservação destas espécies, tais como os genes envolvidos na resposta a poluentes e aos efeitos das alterações climáticas”, acrescenta André Gomes dos Santos.

A equipa está a trabalhar também na sequenciação de genomas de outras três espécies europeias, para estudar como é que as alterações climáticas poderão afectar a sua obrevivência nos climas mediterrânicos por toda a Europa. Já o mexilhão-de-rio “ocorre apenas em habitats pristinos de cabeceiras” da chamada região atlântica, pelo que vai também “contribuir para o estudo alargado dos impactos das alterações climáticas”, acredita o investigador.

Da equipa que participou neste projecto faz também parte o coordenador internacional da lista vermelha de espécies de bivalves de água doce para a União Internacional para a Conservação da Natureza, Manuel Lopes Lima, ligado ao CIBIO-ICETA, na Universidade do Porto. “A publicação deste genoma é extremamente importante, pois irá identificar os traços biológicos e fisiológicos que nos permitirão identificar os pontos críticos para melhoramento dos programas de conservação e sobrevivência da espécie, não só em Portugal mas no mundo”, sublinha.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.