Cientistas temem que crise climática transforme recifes brasileiros em “cidades-fantasma”

Metade da vida marinha dos recifes tropicais do Atlântico Sul vai desaparecer até o final do século se o mundo não reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, alertam cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil.

As projecções sobre o impacto da intensificação do aquecimento global na vida marinha daquela região do planeta acabam de ser publicadas na revista científica Ecosystems, na edição de 17 de Agosto.

Durante sete anos, os investigadores do grupo liderado por Guilherme Longo, Leonardo Capitani e Ronaldo Angelini, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tentaram perceber como o aumento de temperatura do planeta afecta diretamente animais marinhos, recifes e matéria orgânica.

Foto: Cícero Oliveira

Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), divulgado a 9 de Agosto, chegaremos ao limite de +1,5°C de aquecimento global em relação à era pré-industrial em 2030, dez anos antes do previsto, “o que poderá trazer consequências também para a vida nos oceanos”, escrevem os autores, em comunicado.

O sítio escolhido para este estudo foi o Atol das Rocas, primeira Reserva Biológica Marinha do país, localizada a 150 quilómetros de Fernando de Noronha.

“Por ser uma área protegida, os recifes do Atol são um laboratório do que seria um ecossistema natural, com mínima interferência humana direta”, explicou Guilherme Longo, co-autor do estudo que contou com o apoio e seguimento do Programa Ecológico de Longa Duração das Ilhas Oceânicas e da equipa da reserva biológica do Atol das Rocas.

Os investigadores conseguiram criar um modelo matemático da cadeia alimentar dos recifes tropicais do Atlântico Sul, algo inédito para as pesquisas da área.

Esse modelo “consegue comparar a biomassa de diversos organismos a cada ano, incluindo peixes, algas, corais e outros invertebrados, levando em consideração a eficiência daquele recife em circular energia e matéria. A projeção indica que, se o crescente nível de emissão de gases de estufa na atmosfera for mantido da maneira que está, a sobrevivência de muitos animais entrará em colapso já em 2050”.

“O aquecimento dos oceanos vai levar a uma diminuição drástica na diversidade marinha, isso porque a biomassa dos recifes vai transferir menos energia para o próximo animal da cadeia, as algas vão ter menos nutrientes e os peixes serão menos resistentes, diminuindo e fragilizando as espécies”, explicou Leonardo Capitani.

Para Guilherme Longo a situação poderá ser dramática. “Os recifes correm o risco de se tornarem ‘cidades-fantasma’ no mar, totalmente sem vida”.

Os investigadores sublinham que as consequências da crise climática não se farão sentir apenas na vida selvagem marinha. Haverá graves impactos na “atividade pesqueira e no turismo do litoral brasileiro, já que os recifes são reservas importantes de cardumes de peixes”.

Guilherme Longo destacou a importância de projetos de seguimento de longo prazo dos ecossistemas marinhos e do fortalecimento de unidades de conservação para reduzir impactos humanos locais. “Com isso, podemos preparar os recifes para impactos globais.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.