Toupeira-de-água. Foto: ©Joel Sartore - PhotoArk Project

Cinco coisas que Portugal pode fazer para salvar a toupeira-de-água

A toupeira-de-água está em declínio em Portugal. Este pequeno mamífero, que vive junto aos rios mais límpidos e frescos, está hoje confinado a meros refúgios. Um novo estudo científico lançou o alerta para o desaparecimento desta espécie e revelou o que podemos fazer para o travar.

 

Algo de errado se deve estar a passar nos rios de montanha. Nos últimos 20 anos, a toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus) desapareceu de 63,5% dos locais onde existia nas bacias do Tua e do Sabor, concluiu um estudo publicado a 20 de Junho na revista científica Animal Conservation por uma equipa de cinco investigadores do CIBIO-InBIO.

Não são boas notícias para este mamífero, que está há 10 anos classificado como Vulnerável pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). O Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicado em 2005, deu-lhe o mesmo estatuto.

Em todo o mundo só existem toupeiras-de-água nos rios e ribeiras de montanha nos Pirenéus (Andorra e França), no Centro e Norte de Espanha e no Norte de Portugal. Em todos estes territórios, a espécie está em regressão.

 

Toupeira-de-água. Foto: ©Joel Sartore – PhotoArk Project

 

Para entender por que razão as toupeiras-de-água do Norte do país estão ameaçadas, há que começar nos rios Sabor e Tua. Foi aí que, de Maio a Setembro de 2014 e de Maio a Novembro de 2015, dois investigadores fizeram um censo da espécie, revisitando os mesmos 74 sítios do último censo, feito há 20 anos por técnicos do actual Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

A toupeira-de-água faz parte da galeria dos animais que dependem dos rios de Portugal, como a lontra, o melro-d’água, a enguia e uma miríade de libélulas e libelinhas, por exemplo. Prefere águas rápidas, pouco profundas e bem oxigenadas. Usa os rios para se deslocar e alimentar-se, durante a noite, de pequenos crustáceos e larvas de insectos aquáticos.

Nesta altura do ano, em alguns troços dos rios Sabor e Tua, as toupeiras-de-água estão quase a terminar a sua época de reprodução. Estes pequenos mamíferos semi-aquáticos, que vivem em média três anos, usam as cavidades nas margens dos rios – criadas pelas raízes das árvores, arbustos ou rochas – para ter entre três a quatro crias, depois de uma gestação de cerca de um mês. Estes abrigos naturais nas margens dos rios são um local ideal para se reproduzir e também para repousar. A área vital dos machos será entre os 500 e os 700 metros de rio e a das fêmeas cerca de 300, segundo Lorenzo Quaglietta, investigador do CIBIO-InBIO e um dos autores do estudo.

Graças a Lorenzo e à sua equipa sabemos hoje que “só em 20 anos, a toupeira-de-água registou uma diminuição drástica da sua área de distribuição no Sabor e no Tua”, explicou à Wilder. “Desapareceu dos troços principais dos rios e ficou confinada às suas cabeceiras”, mais frescas e montanhosas.

Lorenzo Quaglietta passou várias horas nas águas límpidas, frescas e de correntes fortes do Tua e do Sabor, no canto Nordeste de Portugal. Procurava observar ou encontrar vestígios de um dos mamíferos europeus menos estudados.

 

Lorenzo no censo de 2014 e 2015. Foto: ©Lorenzo Quaglietta

 

O censo levou-o a 74 locais, a maioria riachos de águas correntes e pouco profundas, com muitas rochas e potenciais abrigos. Em cada sítio foi definido um transecto com um máximo de 600 metros para procurar, cuidadosamente, vestígios de toupeira (dejectos) ao longo do leito do rio e nas margens, usando uma lanterna nas áreas mais escuras e nas cavidades.

Em 1993-1996, as toupeiras-de-água foram detectadas em 85.1% dos 74 sítios; em 2014 e 2015, já só foram detectadas em 31.1%. “A taxa de extinção entre os dois censos é de 63.5%, com a espécie a desaparecer de grandes sectores dos rios Tua e Sabor”, escrevem os autores no artigo.

“Este estudo documenta um grande declínio na ocorrência da toupeira-de-água no Nordeste de Portugal nos últimos 20 anos. A espécie pode ter sofrido uma grande degradação do seu estatuto de conservação desde que foi classificada como Vulnerável em 2008”, acrescentam.

Entre as causas são as alterações climáticas – já que o aumento das temperaturas extremas no Verão pode reduzir a disponibilidade de água e a abundância de presas aquáticas – e a invasão daqueles rios por dois lagostins exóticos – lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii) e lagostim-do-Pacífico (Pacifastacus leniusculus) – que se alimentam das mesmas presas.

Ainda assim, disse Lorenzo Quaglietta, “há algum optimismo” para a espécie. “Nos sítios onde ainda ocorre, há alguns animais, apesar da redução bastante forte.” A questão é que não se sabe ao certo qual a área de distribuição nacional de toupeira-de-água.

 

Cinco coisas para fazer pela toupeira-de-água

Os investigadores consideram que a situação actual exige “medidas urgentes de conservação para travar ou reverter a tendência negativa” da espécie. “Os nossos resultados suportam a necessidade de aumentar os esforços de conservação desta única e esquiva toupeira, que pode estar a aproximar-se de estar Criticamente Em Perigo”.

  1. Monitorização: os investigadores propõem uma monitorização contínua e urgente das populações de toupeira-de-água. Idealmente em toda a área de distribuição, para identificar ameaças e prioridades de conservação. “Seria muito importante continuarmos a estudar a toupeira. Só assim poderemos saber aquilo que a espécie precisa”, contou Lorenzo à Wilder.
  2. Visão-americano e lagostins exóticos: apesar de ser uma espécie relativamente recente naquela região, o visão-americano pode ter um impacto na sobrevivência da toupeira. Por isso, o estudo defende o estudo da influência desta espécie exótica. Além disso, acrescenta o investigador, é essencial “fazer a prevenção e o combate às espécies invasoras que competem por alimento e têm efeitos negativos no habitat”.
  3. Reavaliação do estatuto da espécie: o estudo mostra “que a espécie pode estar a sofrer um declínio acentuado”. Por isso, os autores pedem uma reavaliação do seu estatuto. “Isto seria importante para elevar a prioridade da espécie e atrair recursos muito necessários para melhorar a sua conservação”.
  4. Prioridade às cabeceiras dos rios: uma das principais conclusões deste estudo foi a importância das zonas de nascente dos rios em zonas montanhosas, autênticos refúgios contra as alterações climáticas e espécies invasoras. “Por isso, conservar esses refúgios deveria ser uma prioridade da maior importância”, com a conservação da qualidade da água, das galerias ripícolas e do fluxo dos rios.
  5. Ligar populações: Por fim, os investigadores consideram “importante compreender os padrões de conectividade das populações de toupeira, confinadas a refúgios, e desenvolver estratégias de conservação porque várias dessas populações podem estar muito isoladas”. Esta situação “poderá levar ao seu desaparecimento, tendo em conta as populações muito pequenas e consequente risco de consanguinidade e perda de diversidade genética.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.