Foto: Virvoreanu Laurentius/Pixabay

Cinco críticas das associações de natureza à nova lei-orgânica do ICNF

Desde 29 de Março há uma nova lei-orgânica do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Sete organizações conservacionistas criticam o documento, vendo-o como “mais um entrave à conservação da natureza”.

 

Esta nova lei-orgânica estabelece novas regras de organização para o ICNF, a autoridade nacional para a conservação da natureza e autoridade florestal nacional.

De acordo com o decreto-lei que define esta nova organização, as novas regras “garantem maior preservação e valorização das florestas”, “permitem maior e melhor ordenamento e gestão do território”, “tornam mais eficaz a prevenção e o combate aos incêndios rurais”, “reforçam a autoridade do ICNF, que passa a ser responsável pela competitividade das fileiras florestais (por exemplo, produção e comercialização de cortiça), e o papel e competências dos serviços regionais” e “aproximam o Estado e os diferentes territórios do país”.

A opinião das organizações – ANP|WWF, APECE, FAPAS, LPN, QUERCUS, SPEA e SCIAENA – é que “esta nova lei-orgânica contribui para que o ICNF seja cada vez mais uma entidade de gestão complexa e burocrática, e cada vez menos uma autoridade de conservação da natureza com responsabilidades sobre as áreas protegidas terrestres e marinhas”, segundo um comunicado conjunto divulgado ontem.

Consideram a nova lei-orgânica “um entrave à missão da Instituição e um enfraquecimento da conservação da natureza em Portugal”.

Apresentam cinco razões para este descontentamento.

A primeira razão é que sai da alçada do ICNF a gestão das Áreas Marinhas Protegidas, passando a manter apenas a gestão das 46 áreas terrestres protegidas, desde o parque nacional aos parques naturais e reservas naturais, por exemplo.

Assim, a gestão das Áreas Marinhas Protegidas e da Rede Natura 2000 passa a ser partilhada com a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Estes organismos não têm na sua missão e orgânica, objetivos e competências técnicas para a conservação da natureza”, afirmam as organizações naturalistas.

As organizações lembram que não ficou claro quais serão “as responsabilidades de cada uma destas entidades, o que põe em causa a própria gestão e eficiência das Áreas Protegidas e da Rede Natura 2000 no que respeita aos seus objetivos de conservação”.

A segunda causa do desagrado das organizações é o facto de que “a criação de novas áreas classificadas marinhas não adjacentes à linha de costa não ficará sob responsabilidade do ICNF”. As sete entidades estão preocupadas com “a designação e gestão integrada da rede de Áreas Marinhas Protegidas”.

“A conservação do meio marinho deve ser, clara e inequivocamente, competência da Autoridade Nacional de Conservação da Natureza, e só desta forma pode ser assegurado o cumprimento de diretivas europeias como o caso da diretiva Aves e Habitats. É fundamental que a articulação do ICNF com outras entidades seja estabelecida de forma eficaz e sob gestão dessa instituição”, acrescentam.

A terceira crítica vai para a descentralização da actividade do ICNF “se não for acompanhada de uma monitorização efetiva e de planeamento estratégico adequado”. Isto, dizem, “pode ser algo preocupante e até perigoso para a natureza”.

Adicionalmente, as organizações estão preocupadas com a possibilidade desta alteração ser preparatória da descentralização de competências de conservação da natureza do Estado central para as autarquias locais.

Uma outra crítica é o facto de a preferência por um modelo único de governança das áreas protegidas não ter em conta o contexto individual de cada área protegida. “As ONGA querem ser envolvidas na preparação do diploma de descentralização de competências de conservação da natureza no âmbito do processo de descentralização em curso”, acrescentam.

A quinta razão de descontentamento é a “sub-orçamentação do ICNF e a sub-execução orçamental dos últimos anos”.

Como “um dos poucos pontos positivos” desta nova lei-orgânica, as organizações destacam o facto de o ICNF ter um “mandato inequívoco para trabalhar mais na prevenção estrutural e gestão dos fogos rurais”. No entanto, este mandato “não pode colocar em causa outras atribuições fundamentais para garantir a efetiva conservação da natureza em Portugal”.

As ONGA pedem ao Presidente da República e ao Governo “que voltem atrás e revejam a lei orgânica do ICNF, dando a este Instituto competências para garantir uma efetiva conservação da natureza terrestre e marinha em Portugal”.

Em complemento, as ONGA vão pedir aos partidos com assento na Assembleia da República que façam uma apreciação parlamentar da lei orgânica, apresentando as preocupações das ONGA e a necessidade de haver apreciação parlamentar.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Pode descobrir mais sobre a nova lei-orgânica do ICNF aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.