Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Cinco espécies vulneráveis à exploração de lítio na Peneda e Soajo

Cerca de 74,800 quilómetros quadrados, junto ao Parque Nacional da Peneda-Gerês, poderão vir a ser prospectados e explorados por uma empresa mineira australiana. Miguel Dantas da Gama, do FAPAS, explica o que está em causa.

 

A Fortescue Metals Group Exploration Pty Ltd. requereu a atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais de ouro, prata, chumbo, zinco cobre, lítio, tungsténio, estanho e outros depósitos minerais ferrosos e minerais metálicos associados.

A área do pedido abrange 74,764 quilómetros quadrados nos concelhos de Melgaço, Monção e Arcos de Valdevez.

A 21 de Abril, o FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (representante nacional das Organizações não Governamentais de Ambiente no Conselho Estratégico do Parque Nacional da Peneda-Gerês) manifestou, em comunicado, “a sua enorme perplexidade e preocupação” face à eventual atribuição de direitos de prospeção e exploração de lítio e outros minerais nas Serras da Peneda e Soajo.

“O perímetro definido para prospecção confina com os limites do Parque Nacional da Peneda-Gerês, imediatamente com parcelas do seu território classificadas com os mais elevados estatutos de proteção (Áreas de Proteção Parcial I e II e Área de Proteção Total)”, sublinha o FAPAS.

A Wilder falou com Miguel Dantas da Gama, conservacionista do FAPAS, para saber o que está em causa. Estas são apenas algumas das espécies mais vulneráveis.

 

Lobo-ibérico (Canis lupus signatus):

 

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

 

Esta espécie protegida é o único membro que resta da família dos grandes predadores de Portugal. Desde os anos 30 do século XX, a espécie tem vindo a recuar até ao Norte do país, desaparecendo de zonas como o Algarve e o Alentejo. Hoje apenas existem lobos no Alto Minho, Trás-os-Montes e numa região a Sul do Douro.

Segundo Miguel Dantas da Gama, a zona em questão é território de reprodução de duas alcateias de lobo-ibérico. “Esta espécie prioritária e emblemática tem criado naquela zona”, disse o responsável.

 

Águia-real (Aquila chrysaetos):

 

Águia-real. Foto: Gregory “Slobirdr” Smith/Wiki Commons

 

Outra das espécies prioritárias que ocorre naquelas serras é a águia-real, a maior águia de Portugal, com uma envergadura de asa que pode atingir os 2,25 metros.

Esta ave, classificada como Em Perigo de extinção no nosso país, “é rara e de distribuição muito localizada, quase exclusivamente restringida ao interior do território, encontrando-se sobretudo nos vales encaixados e pouco acessíveis”, segundo o portal Aves de Portugal.

“Aquela área é uma zona de caça para a águia-real e ali ocorre um dos casais que foram reintroduzidos na natureza pelos conservacionistas espanhóis”, disse Miguel Dantas da Gama. Na verdade, “desde o ano 2000, o Parque Natural do Baixo-Límia-Serra do Xurés – confinante com o Parque Nacional da Peneda-Gerês – tenta fazer regressar esta águia à região transfronteiriça”, lembra o FAPAS.

 

Carvalhos e azevinhos da Mata do Ramiscal:

 

 

Parque Nacional da Peneda-Gerês. Foto: Libânia Pereira/Wiki Commons

 

A Mata do Ramiscal é um dos santuários do Parque Nacional da Peneda-Gerês e está protegida pelo estatuto máximo, a Protecção Total. “Esta mata é o refúgio de muitas espécies ligadas ao carvalhal, como a marta, o gato-bravo ou o bufo-real. Também foi o último bastião da águia-real”, segundo Miguel Dantas da Gama.

A riqueza e o valor desta Mata deve-se às suas árvores e vegetação. “Lá sobrevive um núcleo importante de carvalho-alvarinho (Quercus roble) e muitos azevinhos centenários.”

Mas a zona em causa para a prospecção e exploração de lítio “confina quase imediatamente com o Vale do Ramiscal pelo Norte e pelo Nascente”. “Espero que isso nunca venha a acontecer. Este é um dos santuários do parque. É um núcleo isolado na serra da Peneda, já rodeado por pressão humana, que devia estar mais protegido, por exemplo, por vedações nas estradas.”

 

Turfeiras e prados de altitude:

 

Exemplo de turfeira na Escócia. Foto: Michal Klajban/Wiki Commons

 

As turfeiras “são habitats raros e vulneráveis que se desenvolvem em solos encharcados”, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Ali existem espécies únicas, como as bolas-de-algodão (Eriophorum angustifolium), a orvalhinha (Drosera rotundifolia) e a pinguícula (Pinguicula lusitanica), a nível da flora, e a narceja (Gallinago gallinago), a salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra) e o tritão-de-ventre-laranja (Triturus boscai).

“Estas zonas de prados de altitude, não muito arborizadas, são muito importantes para inúmeras espécies” e têm um papel crucial na retenção de água nos solos.

 

Escrevedeira-amarela (Emberiza citrinella):

 

Escrevedeira-amarela. Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

 

Nas zonas de altitude das serras do Soajo e da Peneda ocorrem espécies raras de aves, como a escrevedeira-amarela que se pode observar no Verão.

Esta é uma espécie “de distribuição bastante reduzida (…), sobretudo associada a zonas de lameiros e prados de altitude, no extremo norte do país”, segundo o portal Aves de Portugal.

Miguel Dantas da Gama recorda que a zona em causa é muito importante para aves como a escrevedeira-amarela e que importa conservar.

“Em termos de avifauna, estas zonas de altitude são o limite Sul na Europa para algumas espécies nidificantes, como o chasco-cinzento e a escrevedeira-amarela. Mas com as alterações climáticas, esse limite está a ser empurrado cada vez mais para Norte.”

Além destas espécies, o FAPAS denuncia também os impactos da eventual exploração no vale do rio Vez e nos seus vestígios glaciários, área que está parcialmente integrada na Rede Natura 2000.

Outro tipo de impactos será na Paisagem Cultural de Sistelo, cuja importância é reconhecida pelo Estado Português pelo seu testemunho “de uma ocupação humana e do património rural, que se impõe também preservar”.

“A zona em questão é fundamental ainda por funcionar como zona tampão para o Parque Nacional da Peneda-Gerês”, recorda Miguel Dantas da Gama.

O Parque Nacional da Peneda-Gerês foi criado em 1971 e tem hoje uma área de 69.593 hectares. “O Gerês é a jóia da coroa e ninguém se interessa. Hoje muitos esqueceram aquilo que este parque nacional poderia ser, a nível de vegetação e de fauna, e acham tudo normal. Mas o parque tem vindo a perder espécies, como a águia-real e várias espécies de pica-paus, o fogo tem destruído a manta morta e o bosque já não está consolidado, reduzido a árvores dispersas”, lamentou o conservacionista.

A eventual prospecção e exploração de lítio numa área que confina com o parque iria “destruir o solo, alterar a paisagem, criar rupturas nas populações de fauna e destruir habitats importantes, como as turfeiras”.

“Seria uma pressão muito grande, até para o Turismo, principal sustento destas regiões.”

Por tudo isto, o FAPAS pediu para que “não seja autorizada qualquer atividade de prospeção, nomeadamente nas cotas mais elevadas das vertentes das serras do Soajo e da Peneda entre os troços superior – Lamas e Glaciar do Vez – e inferior do vale do rio Vez, nas freguesias do Soajo, Gavieira, Cabreiro e Sistelo (concelho dos Arcos de Valdevez), Parada do Monte e Lamas de Mouro (concelho de Melgaço) e Riba de Mouro (concelho de Monção)”.

“O FAPAS apela ao ministro do Ambiente e aos presidentes dos três municípios abrangidos, para que intervenham no sentido de impedir toda e qualquer movimentação no terreno, desde logo a abertura de novos acessos.”

Entretanto foi criado o movimento local “Em defesa das Serras da Peneda e do Soajo”, que neste momento já com mais de 6.250 aderentes no Facebook.

Além disso, decorre a petição pública “Contra a prospecção e extração de depósitos minerais na área denominada Fojo – Serra da Peneda e Soajo” que, até ao momento, tinha sido assinada por 4.969 pessoas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.