um tubarão-touro
Tubarão-touro

Cinco factos sobre os 73 tubarões do Oceanário de Lisboa

Uma boa parte dos tubarões do Oceanário de Lisboa contam cerca de 20 anos e estão lá desde o começo, mas alguns já nasceram ali, ajudados por programas de reprodução em cativeiro.

A Wilder falou com a curadora e directora de conservação do Oceanário, Núria Baylina, e conta-lhe cinco factos sobre estes animais intrigantes e ameaçados a nível mundial:

 

1. Vivem ali 73 tubarões de 16 espécies:

um tubarão dentro do oceanário
Tubarão-corre-costa, uma das espécies que ocorrem também em águas portuguesas

 

Quem visitar o Oceanário de Lisboa pode ver ali várias dezenas de tubarões, repartidos pelo grande aquário central e pelos restantes aquários. Pertencem a 16 espécies diferentes, naturais de várias regiões do mundo, mas quatro encontram-se também em águas portuguesas: o tubarão corre-costa, que mede entre dois e quatro metros de comprimento e pode ser visto no aquário central, e os mais pequenos pata-roxa, pata-roxa-gata e cação-liso, na zona do ‘habitat’ do Atlântico. 

Na sua grande maioria, estes animais vieram para o Oceanário por volta da data em que o espaço começou a receber visitantes, na Expo 98, há cerca de 20 anos.

Núria Baylina, 47 anos, que começou como aquarista, recorda como se fez a escolha das 16 espécies – uma tarefa complexa. “Tivemos de pensar na mensagem que queriamos passar, sobre a necessidade de conservarmos os oceanos. Tivemos de ter em conta o espaço e o ambiente que temos dentro do Oceanário e quais é que nestas condições melhor se adaptam ao espaço disponível, tendo em conta a qualidade da água e a compatibilidade com outras espécies.”

Quem procurar atentamente pelo tubarão-gato-listrado (assim chamado pelas riscas negras), vai poder contar 23 indivíduos no ‘habitat do Antártico’.  Mas a dificuldade vai ser maior com o tubarão-touro, o tubarão-de-focinho-negro e o tubarão-de-pontas-brancas-do-recife (os três no Aquário Central), o tubarão-gato-tímido (‘habitat do Antártico’) e o cação-liso (‘habitat do Atlântico’). É que actualmente só há um exemplar de cada uma destas cinco espécies no Oceanário.

Alguns dos 73 tubarões vieram de outros aquários, onde há programas de reprodução em cativeiro, aos quais é dada prioridade; outros foram capturados no meio natural. Outros ainda nasceram mesmo ali, como alguns dos tubarões-de-port-jackson que se podem ver no aquário dos Peixes do Sul da Austrália.

 

2. Foi o primeiro aquário do mundo a reproduzir tubarões-de-port-jackson:

Há cerca de cinco anos que o Oceanário de Lisboa começou a ter sucesso na reprodução em cativeiro dos tubarões-de-port-jackson. Na verdade, nota Núria Baylina, esse foi “o resultado de um trabalho desenvolvido ao longo dos 15 anos anteriores”.

E há boas razões para este orgulho no trabalho feito. “Nos port-jackson, fomos os primeiros a conseguir fechar o ciclo todo em cativeiro”, sorri.

As formas de reprodução dos tubarões variam. A maioria das espécies são ovovivíparas, ou seja, os embriões desenvolvem-se dentro dos ovos, no interior do corpo da mãe. Mas outras espécies põem os ovos, que eclodem cá fora, como os tubarões-de-port-jackson, em que o processo está totalmente dependente da temperatura da água. Quando há sucesso e machos e fêmeas acasalam, estas põem cerca de 12 ovos.

“Proporcionámos ciclos iguais de temperatura da água aos da natureza para verificar se os ovos se desenvolviam. Demora cerca de um ano desde que os ovos são postos até à eclosão.”  Os pequenos tubarões nascem com cerca de 20 centímetros, mas quando adultos, podem atingir 1,65 metros.

Ao todo, o Oceanário está envolvido numa dezena de programas internacionais de reprodução e monitorização de tubarões e de outras espécies, através dos quais aquários europeus e de outros pontos do mundo investigam e trocam dados científicos para ajudar na conservação desses animais.

 

tubarão cornudo no oceanário
Tubarão-cornudo, espécie com Informação Insuficiente a nível mundial

 

Uma tarefa importante, destaca a directora de conservação, até porque a informação sobre muitos tubarões é insuficiente para os cientistas avaliarem se estão ou não em risco, em especial quando se trata de espécies com pouco interesse comercial. No Oceanário, há hoje duas espécies com Informação Insuficiente, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza: o tubarão-cornudo (pode ser visto no aquário ‘Floresta de Kelp’) e o tubarão-gato-leopardo (‘habitat do Antártico’).

Em 2017, o Fundo para a Conservação dos Oceanos, do Oceanário e da Fundação Oceano Azul, atribuiu 100.000 euros a três projectos portugueses de conservação e monitorização de tubarões e raias em águas portuguesas.

 

3. São animais “tímidos e cautelosos”:  

um tubarão-touro
Tubarão-touro

 

A imagem de marca dos tubarões ferozes e assassinos, alimentada pelo célebre filme ‘Shark’ de Steven Spielberg, dos anos 1970, é na verdade enganadora. Obviamente que são predadores de topo e é melhor não ir lá fazer festinhas, mas estes animais são na sua maior parte “tímidos e cautelosos”, confirma Núria Baylina.

“Não se aproximam facilmente dos humanos, não fazem como outros animais marinhos que se aproximam das embarcações quando ficam curiosos. Daí que seja muito difícil vê-los ao largo da costa portuguesa.”

E se um tubarão estiver sempre de mandíbulas à mostra? Isso não significa que seja ameaçador ou sorridente, mas pode ser simplesmente uma característica morfológica. Como o tubarão-touro, que “está sempre a mostrar os dentes. Se não mostrar, ficamos preocupados”, ri-se a curadora.

Por outro lado, alguns nem sequer dão na vistas. O corre-costa e o tubarão-touro criam mais impacto, devido ao tamanho, mas as pessoas não associam os tubarões a animais pequenos, que permanecem no fundo do aquário e quase não se mexem. “O que é importante é mostrar a diversidade.”

 

4. Comem separados dos peixes mais pequenos:

Tubarão-de-pontas-negras-do-recife no oceanário
Tubarão-de-pontas-negras-do-recife

 

O Departamento de Biologia emprega 35 pessoas. Um dos cuidados que os aquaristas têm, ao lidar com estes predadores de topo e com outras espécies do Oceanário dentro do aquário central, é alimentá-los em grupos separados. “Não misturamos peixes maiores com outros mais pequenos.”

Tanto os tubarões como outros peixes de grande porte, como é o caso das garoupas, têm de vir à superfície para receberem o alimento: peixe, polvo e lulas que foram adquiridos congelados, aos quais se acrescentam suplementos vitamínicos.

É nessas alturas que se torna mais fácil observá-los e perceber se estão todos de boa saúde, até porque os aquaristas esforçam-se para conhecer os tubarões um a um.

E não se pense que são predadores vorazes. “Como os tubarões têm um metabolismo muito lento, são alimentados apenas duas ou três vezes por semana.”

 

5. Mais de metade estão em risco de extinção ou quase ameaçados:

Tubarão-zebra no oceanário
Tubarão-zebra, espécie classificada Em Perigo a nível mundial

 

O papel dos aquários é muito importante para a conservação dos tubarões, sublinha a curadora do Oceanário. Muitas das mais de 400 espécies em todo o mundo correm riscos de extinção ou nem sequer há informação suficiente para avaliar se estão em perigo. Quase um terço dos tubarões e raias – ambos peixes com um esqueleto feito de cartilagens, num total de mais de 1000 espécies – estão ameaçados.

A situação não é muito diferente nos tubarões que nadam no Oceanário. A nível internacional, quatro espécies estão em risco de extinção: o tubarão-corre-costa (Vulnerável), o cação-liso (Vulnerável), o tubarão-touro (Vulnerável) e o tubarão-zebra (Em Perigo). Outras cinco não estão muito melhor, uma vez que estão classificadas como Quase Ameaçadas: o tubarão-de-pontas-negras-do-recife, o tubarão-de-pontas-brancas-do-recife, o tubarão-tímido-africano, o tubarão-gato-listrado e o tubarão-de-focinho-negro.

 

Tubarões-de-pontas-negras no Oceanário
Tubarões-de-pontas-negras

 

“Ao nível da reprodução, os maiores desafios com os tubarões de maior porte prendem-se com a idade. É preciso esperar vários anos até que cheguem à idade adulta e estejam prontos para se reproduzirem”, explica Núria Baylina. Como o tubarão-corre-costa, em que a fêmea só começa a reproduzir-se quando chega aos 16 anos. 

Estas características, aliadas ao facto de terem poucas crias e de haver sobrepesca – tanto propositada como acidental – são os grandes perigos para a sobrevivência de muitas espécies por todo o mundo.

Quer ajudar na conservação destes peixes? Núria Baylina deixa um último conselho: “Com a falta de informação que hoje existe, o melhor mesmo é nunca consumirmos qualquer espécie de tubarão. Não devemos consumir tubarões, incluindo o cação, nem também raias. E é importante questionarmos sempre sobre a espécie, qual o estatuto de conservação. Só assim quem vende vai também fazer um esforço para estar bem informado.”

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Fique a saber quais são as 16 espécies de tubarões que pode ver no Oceanário:

Aquário Central: Tubarão-zebra (Stegostoma fasciatum), tubarão-touro (Carcharias taurus), tubarão-de-focinho-negro (Carcharhinus acronotus), tubarão-de-pontas-negras-de-recife (Carcharhinus melanopterus), tubarão-de-pontas-brancas-de-recife (Triaenodon obesus), tubarão-corre-costa (Carcharhinus plumbeus).

Habitat do Antártico: Tubarão-tímido-africano (Haploblepharus edwardsii), tubarão-gato-tímido (Haploblepharus pictus), tubarão-gato-listrado (Poroderma africanum), tubarão-gato-leopardo (Poroderma pantherinum).

Habitat do Atlântico: Pata-roxa (Scyliorhinus canicula), pata-roxa-gata (Scyliorhinus stellaris), cação-liso (Mustelus mustelus).

Habitat do Pacífico: Tubarão-leopardo (Triakis semifasciata).

Floresta de Kelp: Tubarão-cornudo (Heterodontus francisci).

Peixes do Sul da Austrália: Tubarão-de-port-jackson (Heterodontus portusjacksoni).

 

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Visite a exposição “Shark, uma missão de Brian Skerry”, que está patente no Oceanário de Lisboa até ao próximo dia 6 de Janeiro. Saiba mais neste artigo da Wilder sobre esta mostra de 50 fotografias de tubarões, por todo o mundo, da autoria do fotógrafo e fotojornalista Brian Skerry, em trabalho para a National Geographic.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.