Clima está a empobrecer comunidades de borboletas da serra de Guadarrama

Em 50 anos, as alterações climáticas mudaram a composição das comunidades de borboletas da serra de Guadarrama, no centro da Península Ibérica. Estas têm hoje menos espécies típicas de zonas frias, alertam investigadores espanhóis e britânicos.

 

A Serra de Guadarrama é uma cadeia montanhosa que se estende ao longo de 80 quilómetros e que, no pico mais alto, pode atingir os 2.430 metros de altitude.

Investigadores da Universidade Rey Juan Carlos e da Universidade britânica de Exeter estudaram as comunidades de borboletas de várias localidades da Serra de Guadarrama entre 2006 e 2012 e compararam os seus resultados com os obtidos num trabalho realizado na mesma zona entre 1967 e 1973.

Os resultados do estudo, publicado recentemente na revista científica Diversity and Distributions, sugerem que “as alterações climáticas estão a ter impactos importantes sobre determinadas comunidades biológicas, modificando a sua composição”, diz a universidade espanhola em comunicado publicado hoje.

Durante o período de estudo de 50 anos, observou-se um aumento da temperatura regional de 1,78ºC. Tendo em conta o efeito da altitude (que implica, por si só, uma alteração da temperatura), os investigadores comprovaram que as comunidades de borboletas registadas durante 2006-2012 são compostas por espécies de zonas mais quentes, em relação às comunidades registadas entre 1967 e 1973.

“Uma vez que o aumento da temperatura é um fenómeno que está a acontecer e que vai continuar num futuro próximo, é de esperar que as alterações venham a ser ainda maiores, podendo chegar a produzir-se extinções regionais das espécies restritas às zonas mais elevadas”, explica David Gutiérrez, investigador da Universidade Rey Juan Carlos e co-autor do estudo.

Ainda assim, as comunidades de borboletas mudaram em termos de composição de espécies mas não tanto quanto o que seria de esperar, tendo em conta o aumento da temperatura na zona. Os investigadores explicam esta diferença com o efeito de amortecimento micro-climático, ou seja, a capacidade de alguns habitats, como por exemplo os bosques, de actuarem como refúgios térmicos para espécies de zonas frias. Isto porque a sua elevada cobertura vegetal reduz a radiação e proporciona um microclima relativamente fresco.

Perante a situação actual de aquecimento do clima, uma das respostas possíveis das espécies é deslocarem a sua distribuição, como é o caso das borboletas estudadas. No entanto, os investigadores lembram que as borboletas têm uma capacidade limitada de dispersão, para fugir a temperaturas menos favoráveis. Uma das razões é a “falta de recursos nos lugares climaticamente propícios para colonizarem, nomeadamente as plantas das quais dependem na sua fase larvar”.

À luz dos resultados, os investigadores sugerem que parte dos impactos das alterações climáticas poderiam ser aliviados com um uso do solo que aumentasse a cobertura vegetal, já que isso poderia aumentar a probabilidade de persistência das espécies das zonas mais frias.

Não obstante, para poder avaliar em detalhe os impactos das alterações climáticas e dos usos do solo sobre as comunidades biológicas, os investigadores vão realizar monitorizações detalhadas em locais com características climáticas muito diferentes.

Este trabalho faz parte do projecto “Efeitos da variabilidade climática temporal sobre a abundância e fenologia das espécies: avaliação a longo prazo de um gradiente altitudinal”, liderado pelo investigador David Gutiérrez e financiado pelo Ministério da Economia e Competitividade.

Os investigadores lembram que as borboletas proporcionam serviços ecossistémicos essenciais como a polinização, são indicadores de diversidade e saúde dos ecossistemas e são uma componente importante do valor estético dos mesmos que podem traduzir-se em benefícios económicos.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Se quiser saber mais sobre borboletas, explore o site do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.