Primeira cria nascida em cativeiro em 2021. Foto: Hans Frey/VCF

Conheça a primeira cria de quebra-ossos de 2021 na Europa

Cada ave conta no esforço para trazer de volta o quebra-ossos, o abutre mais raro da Europa e uma das maiores aves do mundo. A primeira cria de 2020/2021 nascida em cativeiro tem um papel importante nesse regresso.

A espécie que quase se extinguiu no Velho Continente durante o século XX está a começar a prosperar novamente na natureza, num esforço de conservação que junta vários países e que começou em 1976.

Hoje estima-se que existam pouco mais de 200 casais na Europa, 130 dos quais em Espanha.

A 23 de Janeiro de 2021, a primeira cria de quebra-ossos (Gypaetus barbatus) do ano nasceu na Áustria, no Centro de Reprodução em Cativeiro para o Quebra-ossos Richard Faust.

Primeira cria nascida em cativeiro em 2021. Foto: Hans Frey/VCF

“A cria parece estar a crescer bem de saúde, com os seus pais a tratarem de si com todos os cuidados”, segundo um comunicado da Fundação VCF (Vulture Conservation Foundation). Esta pequena cria vai crescer e tornar-se numa das maiores aves do mundo.

O pai da cria tem 32 anos de idade e a sua mãe, 29. Estas duas aves estão juntas como casal desde 2001 e já deram 24 crias ao programa de reprodução do quebra-ossos.

Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Por estes dias, o casal está a cuidar da sua cria. Mas o segundo ovo foi removido. “Eles não podem criar uma segunda cria devido a um comportamento evolutivo chamado ‘cainismo’, segundo o qual a cria mais velha mata a cria mais nova no ninho”, explica a Fundação. Por isso, Hans Frey, o gestor do Centro austríaco, removeu o ovo do ninho antes de este ter eclodido. A boa notícia é que do segundo ovo deverá sair uma cria a qualquer momento. Se isso acontecer, os tratadores do centro vão cuidar dela durante os primeiros dias e depois transferi-la para ser adoptada por um casal de abutres. Desta forma evita-se a habituação desta pequena ave selvagem aos humanos.

Há mais de 40 anos que este Centro austríaco reproduz quebra-ossos em cativeiro. Desde então já nasceram ali mais de 170 crias. O objectivo é devolver o quebra-ossos aos territórios de onde desapareceu na Europa.

Uma história de conservação

Todos estes esforços começaram em 1976, quando a Fundação VCF e os seus parceiros se uniram para reintroduzir o quebra-ossos nos Alpes. Para isso, começaram a ser reproduzidas crias em cativeiro para depois serem reintroduzidas na natureza. A primeira libertação aconteceu em 1986 no Parque Nacional austríaco Hohe Tauern.

A primeira libertação em 1986 no Parque Nacional austríaco Hohe Tauren. Foto: D.R.

Mas este é um processo que leva muito tempo, porque os quebra-ossos apenas se reproduzem depois dos 10 anos de idade e apenas uma cria sobrevive por ano.

Ainda assim, graças a estes esforços, a espécie regressou aos Alpes, fazendo deste um sucesso de conservação.

Desde então, mais projectos têm sido lançados. Hoje, a Rede de Reprodução em Cativeiro do Quebra-ossos – coordenada por Alex Llopis, da VCF – trabalha de perto com mais de 40 parceiros, incluindo zoos, para garantir os melhores resultados de reprodução das 179 aves em cativeiro. 

Todos os anos, a VCF e os seus parceiros libertam jovens abutres na natureza em vários pontos da Europa, para reforçar populações vulneráveis ou para reintroduzir a espécie em zonas onde estava extinta.

Quebra-ossos. Foto: Hansruedi Weyrich

Até hoje já foram libertados um total de 343 quebra-ossos, nascidos em cativeiro.

Em Portugal, onde estas grandes aves costumavam reproduzir-se há alguns séculos, os últimos relatos oficiais sobre a sua presença datam do final do século XIX. Aqui, a espécie está dada como extinta.

Mas o quebra-ossos começa a fazer incursões no nosso país. Nos últimos anos há registos de, pelo menos, nove quebra-ossos em terras portuguesas.


Saiba mais sobre o quebra-ossos

Como é um quebra-ossos: esta é uma ave com quase três metros de envergadura de asa e até oito quilos de peso. A plumagem pode ser muito escura na sua fase juvenil e tornar-se mais clara com as sucessivas mudas. Mas talvez o que melhor a caracteriza são as barbas escuras perto do bico e o vermelho vivo em redor dos olhos.

Onde nidifica: nas saliências rochosas das grandes cadeias montanhosas.

O que significa o seu nome científico: em Latim, Gyp quer dizer abutre, aetus quer dizer águia e barbatus quer dizer com barba.

Alimenta-se de quê: esta ave é a única do planeta que se alimenta quase exclusivamente de ossos, principalmente de ungulados. Pode chegar a alimentar-se de ossos com 20 centímetros, que digere graças ao seu potente estômago. Quando não os consegue comer inteiros, agarra neles com as suas garras e lança-os de grandes alturas em zonas rochosas para os quebrar.

Quais as maiores populações de quebra-ossos na Europa: esta é uma espécie em perigo de extinção no Velho Continente. As maiores populações são as da cordilheira Pirenaica, da Córsega e Creta. A nível mundial, a União Internacional para a Conservação da Natureza classificou-a como Quase Ameaçada.


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Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

O calendário pode ser encomendado aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.