Rola-brava (Streptopelia turtur). Foto: Kev Chapman/Wiki Commons

Conservação: o pior e o melhor de 2022

Com o final do ano à porta, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza e a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável revelam o que de melhor e de pior aconteceu em 2022.

A seca extrema na maior parte do ano surge como o primeiro pior facto ambiental de 2022 para a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. A associação pede “práticas agroecológicas, exploração florestal mais próxima da natureza, uma gestão com critérios ecológicos em todo o território (em particular abandono do uso do fogo por queima de sobrantes e queimadas) e mudanças alimentares com redução do consumo de alimentos de origem animal”. Assim, entende a Quercus, “será possível reduzir a pressão sobre o território e os ecossistemas que abrirá mais caminhos para redução do consumo de energia, a recuperação dos solos, a regeneração natural e o restauro ecológico, e com isso a recuperação dos ciclos naturais, designadamente do ciclo hidrológico (ou ciclo da água)”.

Para a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, o Governo geriu a situação de seca de “forma errática”, com recurso a “medidas avulsas e sem qualquer efeito de longo prazo evidenciando a inexistência de uma estratégia política para a gestão dos recursos hídricos em Portugal capaz de responder aos desafios impostos pelas alterações climáticas e assegurando uma maior resiliência a situações de seca e escassez hídrica”.

“Esta situação foi ainda agravada pela gestão insustentável dos rios transfronteiriços com o Governo a mostrar-se conivente com o incumprimento de Espanha relativamente aos caudais estabelecidos no âmbito da Convenção de Albufeira”, lamenta a ZERO.

Um outro pior facto de 2022 para a Quercus foi o grande incêndio que destruiu 22 mil hectares do Parque Natural da Serra da Estrela. “Este incêndio evidenciou, mais uma vez, a ineficácia das medidas em vigor nas Faixas de Gestão de Combustível, em que áreas intervencionadas meses antes com desmatação, incluindo os aceiros, não travaram a progressão do fogo, o que só aconteceu em área densamente arborizadas com folhosas caducifólias, no caso em concreto uma área dominada por castanheiros, em Manteigas”, escreve a Quercus em comunicado.

O “avanço desenfreado das centrais fotovoltaicas” foi, para a associação, uma das piores coisas que aconteceram em 2022, em termos ambientais. “Em nome da emergência climática, facilitada pelo Simplex Ambiental, tem-se assistido a uma acelerada degradação de valores naturais do país, com o abate de áreas florestais com espécies autóctones folhosas e a destruição de habitats que estão a afetar inclusive habitats e espécies ameaçadas, como a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), que tem o estatuto de conservação Criticamente em Perigo de extinção, da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN).”  

“A Quercus defende as energias renováveis com o respeito pela regulação ambiental e apoio em larga escala à produção descentralizada e às cadeias de distribuição curtas. Esta complexa situação desafia-nos a encarar a questão de fundo que é a necessária redução significativa do consumo de energia.”

Nota negativa da Quercus vai ainda para a transferência de competências do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) porque, considera, “enfraquece a conservação da natureza, florestas e agricultura”. “Em causa está o definhamento do ICNF enquanto órgão central responsável pelas políticas de conservação e das florestas com a desresponsabilização da efetiva gestão das áreas protegidas nacionais.”

A ZERO lembra como um dos factos mais negativos de 2022 o avanço da Barragem do Pisão. Na sua opinião, o processo de avaliação de impacte ambiental do Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato foi “apressado e com lacunas”, além de não ter sido capaz de “justificar a sua principal função de abastecimento público – pela existência de alternativas que não implicam a destruição de mais de 600 hectares de montado e vários habitats protegidos. O Governo classificou o empreendimento como sendo de “interesse público nacional” para procurar garantir a alocação dos 120 milhões de euros previstos na medida do Plano de Recuperação e Resiliência, cuja conformidade está a ser avaliada”.

Os melhores factos ambientais de 2022

O acordo firmado na COP15 em Montreal, Canadá, para proteger 30% do planeta até 2030 e disponibilizar 30 mil milhões de dólares (cerca de 28 mil milhões de euros) de ajudas anuais à conservação da natureza e biodiversidade, para os países em desenvolvimento, entre outras medidas, é um dos factos mais positivos de 2022 para a Quercus.

Esta associação destaca ainda a suspensão da caça à rola-brava (Streptopelia turtur) até 2024. “A medida de proteção temporária da espécie já adotada na época venatória anterior, foi prolongada por mais duas épocas por via da publicação da Portaria n.º 161/2022, de 20 de junho.” A Quercus lembra que esta “é uma espécie migradora – todos os anos estas aves atravessam duas vezes o deserto do Saara nas suas viagens entre a Europa e África, e foi muito abundante em Portugal. Apesar de ter estatuto de proteção no âmbito da Diretiva Aves (Diretiva 2009/147/CE) e de ser considerada ameaçada pela União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), há uma tendência de regressão nas últimas décadas em Portugal, e na Europa, pelo que é de saudar a medida do governo”.

Para a ZERO, um dos melhores factos de 2022 foi a aprovação da redação final da Lei Europeia sobre Desflorestação. “Este novo regulamento Europeu para produtos livres de desflorestação é um marco em termos de combate à desflorestação ligada a um conjunto de mercadorias globais através de mecanismos de rastreabilidade e de classificação de risco.”

“O diploma tem margem para melhoramento e sofrerá atualizações nos anos seguintes à implementação (após 2024), onde poderá incluir outros ecossistemas, regular o papel do setor financeiro e rever as mercadorias a controlar.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.