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COP15: o que é, quem vai lá estar e o que podemos esperar

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No meio de uma crise de extinção de espécies sem precedentes, o mundo reúne-se a partir de hoje e até 19 de Dezembro em Montreal, Canadá, para decidir o que fazer na próxima década. Portugal também vai estar presente. Desde o que está em cima da mesa ao que podemos esperar, aqui está o que vai gostar de saber para acompanhar a COP15.

O que é a COP15?

COP quer dizer Conferência das Partes (COP), ou seja, dos governos e organizadores que ratificaram a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica. Esta convenção – aberta para assinaturas a 5 de Janeiro de 1992, durante a Cimeira da Terra (Rio de Janeiro, Brasil), e que entrou em vigor a 29 de dezembro de 1993 – tem como objectivo desenvolver estratégias nacionais para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade.

Portugal assinou esta Convenção em 1994, assim como outros 195 países, no mesmo ano em que se realizou a primeira COP, nas Bahamas. Até hoje, há uma ausência de peso entre os signatários deste acordo: os Estados Unidos.

De 1994 a 1996, as COP eram anuais, mas depois passaram a acontecer a cada dois anos. Esta que agora se realiza é a 15ª e tem uma especificidade: decorre em duas fases. A primeira aconteceu virtualmente (por causa da Covid-19) em Outubro de 2021 na cidade chinesa de Kunming (aqui pode ler a declaração que saiu desta reunião); a segunda acontece de 7 a 19 de Dezembro, presencialmente, em Montreal, Canadá. Além disso, a COP15 tem duas presidências, chinesa e canadiana.

Porque é importante e porque merece o meu interesse?

Nesta COP15 será decidido como vai o mundo lidar com a crise da biodiversidade, não só como travar a extinção das espécies mas também como recuperar e restaurar de forma significativa os ecossistemas que temos vindo a destruir. Num briefing aos jornalistas a 6 de Dezembro, Francisco Ferreira, da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, considerou que “o que está em cima da mesa é salvar o planeta”. “Aquilo que está em cima da mesa agora no Canadá tem directamente a ver com as três grandes crises que vivemos: climática, da biodiversidade e dos recursos. Ou seja, a biodiversidade está a sofrer com as alterações climáticas, mas podendo ter um papel crucial para minimizar a crise climática, e a biodiversidade como estando ligada à retirada de recursos e à funcionalidade dos serviços dos ecossistemas.”

Nunca o declínio da natureza mundial foi tão alarmante como agora, alertou em Maio de 2019 o mais completo relatório sobre a nossa relação com a biodiversidade. Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES), feito por 145 cientistas de 51 países, cerca de um milhão de espécies de animais e plantas estão hoje ameaçadas de extinção. Muitas irão desaparecer já nas próximas décadas.

Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. Desde o século XVI que, pelo menos, 680 espécies de vertebrados foram empurradas para a extinção. O relatório revelou ainda que três quartos do ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas actividades humanas.

O que está em cima da mesa?

O Quadro Global da Biodiversidade pós-2020, com cerca de 12 páginas, é o principal documento em cima da mesa de negociações. Propõe quatro metas com marcos a serem avaliados em 2030 e 21 metas de acção urgente já para esse mesmo ano. Há todo um pacote de medidas a aprovar para que o planeta consiga mudar de paradigma e apostar no uso sustentável da biodiversidade, partilhando benefícios dos recursos genéticos, e na conservação da natureza. Por exemplo, as Nações Unidas querem que os países se comprometam a proteger, pelo menos, 30% da superfície terrestre e marinha até 2030, um compromisso já assumido por vários Estados. Além disso, quer a garantia de que, pelo menos, 20% dos ecossistemas degradados de água doce, marinhos e terrestres sejam restaurados e pede a minimização do impacto das alterações climáticas na biodiversidade.

Quais os pontos mais complicados das negociações?

Nuno Banza, presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), salientou no mesmo briefing aos jornalistas que um dos temas mais fracturantes desta COP15 será conseguir que as partes se comprometam com a garantia de que determinadas áreas passem a estar sujeitas a restauro ecológico, dedicadas a objectivos de conservação. Outro tema de difícil consenso é aceitar o fim dos subsídios nocivos que estão a causar perda de biodiversidade, nomeadamente na agricultura intensiva. “Este poderá ser um ponto de conflito e só isso pode ser um problema”, comentou Nuno Banza. Francisco Ferreira acrescentou ainda outro ponto difícil, que será fazer referência no documento à garantia das necessidades dos povos indígenas e comunidades locais.

O que podemos esperar desta COP15?

Segundo Francisco Ferreira, “o principal documento em cima da mesa, o Quadro Global da Biodiversidade pós-2020, é extremamente ambicioso”. “Poderá ser um sucesso ou terminar num desastre diplomático.” De momento, “apenas duas das 21 metas a negociar já estão estabilizadas”, tendo vindo a ser trabalhadas em encontros preparatórios. Restam apenas 14 dias para negociar todas as outras. “Ainda há um longuíssimo caminho de negociações pela frente (…). O tempo vai ser muito apertado para fazer decisões que são muito polémicas e que têm muitos interesses por detrás.” Além disso, há receios de que esta Conferência não tenha o protagonismo devido. Francisco Ferreira notou, por exemplo, a ausência do Presidente chinês Xi Jinping, sendo que a própria China é um dos dois países anfitriões do encontro.

Quem de Portugal vai estar na COP15?

Portugal vai estar representado por uma comitiva composta por técnicos do ICNF, que têm vindo a acompanhar as negociações preparatórias, pelo Secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas, João Paulo Catarino, pelo presidente do ICNF, Nuno Banza e por três investigadores portugueses: Francisco Ferreira (pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e pela ZERO), Jorge Palmeirim (pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e pela Liga para a Protecção da Natureza, LPN) e Ana Colaço (Universidade dos Açores). O segmento de alto nível acontece entre 15 e 17 de Dezembro.

O que vai levar Portugal à COP15?

Portugal tem vindo a preparar-se para conseguir cumprir os 30% de área protegida. De momento, segundo Nuno Banza, o país tem cerca de 22% de áreas protegidas. Para criar novas áreas é preciso primeiro “saber que valores temos e quais as necessidades de conservação que temos”, explicou. Nesse sentido, o ICNF avançou que ainda este mês será publicado o Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados (territórios, habitats, espécies ou geossítios que estão sujeitos a regimes legais de protecção).

Nuno Banza adiantou que está em curso a elaboração dos Planos de Gestão para as 62 Zonas Especiais de Conservação, designadas no quadro da Rede Natura 2000, tendo já decorrido uma parte significativa dos respetivos processos de Consulta Pública. Neste momento, está contratualizada a elaboração da Cartografia de Habitats para estas Zonas Especiais de Conservação/ZEC. “Este processo implica uma etapa de certificação e validação da cartografia produzida por equipas externas, estando já ultimadas 33 das 62 ZEC. A conclusão de todo o procedimento está prevista para o segundo semestre do próximo ano, para as restantes áreas em estudo”, detalha uma nota do ICNF enviada esta terça-feira à Wilder.

“O que pode contagiar outros países é dizermos que estamos verdadeiramente comprometidos a fazer as coisas a sério. Para isso temos estado a fazer o trabalho de fundo, de formiga”, comentou Nuno Banza.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.