Crianças das cidades não conhecem e têm medo da biodiversidade

Foto: Universidade de Coimbra

As crianças urbanas têm um grande desconhecimento sobre os ecossistemas aquáticos e a sua biodiversidade e medo de contacto com a natureza, conclui um estudo da Universidade de Coimbra.

As crianças urbanas têm um grande desconhecimento sobre os ecossistemas aquáticos e a sua biodiversidade e medo de contacto com a natureza (água, terra, plantas, animais…), conclui um estudo liderado pela investigadora Maria João Feio, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Universidade de Coimbra (UC) e publicado agora na revista científica PLOS ONE.

O estudo centrou-se na avaliação do impacto de um projeto ambiental com crianças entre os 6 e os 10 anos (1º ciclo), o CresceRio, que tem como objetivo educar as crianças para a importância dos ribeiros urbanos, da sua biodiversidade e serviços, e simultaneamente chamar a atenção da sociedade para a necessidade da sua recuperação. O projeto envolve uma equipa interdisciplinar de ecólogos, sociólogos e artistas da Universidade de Coimbra, da Universidade de Aveiro e da companhia de teatro Marionet.

Foto: Universidade de Coimbra

Hoje em dia, é frequente os cidadãos ignorarem a existência de rios e ribeiros nas suas cidades. Muitos destes rios têm sido negligenciados e artificializados. Outros chegaram mesmo a ser totalmente cobertos, como resultado da urbanização cada vez maior.

Ainda assim, lembram estes investigadores, há rios, riachos e ribeiros em virtualmente todas as cidades. E estes, se bem cuidados, podem suportar uma grande biodiversidade, desde aves e anfíbios a répteis, pequenos mamíferos, peixes, invertebrados e plantas aquáticas. Além disso, melhoram a qualidade do ar, da água e dos solos nas cidades e aumentam a sua resiliência face às alterações climáticas.

Em 2018, o projecto CresceRio foi criado para promover a preservação e o restauro dos rios urbanos, para voltar a aproximar a população à natureza, em particular as crianças.

A equipa de investigadores avaliou o impacto de cinco atividades realizadas ao longo de dois anos letivos (1º e 2º ano) – saídas de campo, aulas em laboratório e workshops – com uma turma de 24 alunos com 6 e 7 anos de idade da escola básica da Solum, agrupamento de escolas Eugénio de Castro, no centro de Coimbra.

No âmbito dessas atividades, os alunos conheceram diferentes ribeiras urbanas de Coimbra e uma na serra da Lousã. Em todas, caracterizaram a vegetação, amostraram invertebrados bentónicos e microalgas, registaram plantas ripícolas, anfíbios, insectos, aves e espécies exóticas invasoras e analisaram as ameaças à natureza dos rios. Fizeram ainda uma aula de laboratório para identificação da fauna e flora, com microscópios óticos e lupas binoculares, e calcularam índices de qualidade ecológica dos rios. 

Foto: Universidade de Coimbra

De acordo com o estudo científico, que realizou quatro questionários às crianças para avaliar a sua evolução ao longo do decorrer do projecto CresceRio, os seus medos foram diminuindo progressivamente, à medida que o seu conhecimento sobre os ecossistemas foi aumentando.  No final, os alunos eram capazes de dizer os nomes de árvores ripárias, plantas aquáticas e invertebrados e identificar os maiores problemas destes sistemas. 

O estudo concluiu ainda que nestas idades (6-10 anos) é necessário tempo “para que os resultados se manifestem e tenham um benefício duradouro, por oposição a ações de sensibilização pontuais”, disse, em comunicado Maria João Feio.

“Demonstrámos o efeito do contacto regular das crianças com a natureza. Não só ganham uma importante sensibilidade que lhes permite distinguir o que está bem e mal nos ecossistemas aquáticos, contribuindo assim para a sua preservação, como também perdem o medo do contacto com os animais, a água e a terra, que demonstravam no início, reaproximando-se da natureza”, afirma .

Para a investigadora do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), os resultados deste estudo mostram que “é essencial promover o contacto das crianças com a natureza e transmitir-lhes conhecimentos sobre os ecossistemas e biodiversidade, de forma a promover comportamentos sustentáveis mais tarde. Este processo deve começar cedo e ser contínuo (começámos quando os alunos nem sabiam ler e escrever!). Introduzir temas ligados à ecologia com aulas práticas e de campo no currículo do 1º ciclo é fundamental”.

O projeto CresceRio é cofinanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através dos centros MARE e GeoBioTec e pelo Ministério da Cultura – que financia a participação da companhia de teatro Marionet.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.